Itamaraty afasta embaixador e abre sindicância sobre fuga de senador boliviano

O diplomata Eduardo Saboia assumiu a responsabilidade sobre a operação e disse que 'ouviu a voz de Deus' ao decidir pela retirada do senador boliviano Roger Pinto Molina

Valter Campanato/ABr

O senador Pinto Molina, em Brasília, após fugir da Bolívia ajudado por diplomata brasileiro

São Paulo – O Ministério das Relações Exteriores (MRE), Itamaraty, decidiu instaurar uma comissão de sindicância para apurar responsabilidades sobre a retirada do senador boliviano Roger Pinto Molina da Embaixada do Brasil em La Paz. A comissão será formada por três pessoas que serão nomeadas pelo ministério. O diplomata brasileiro Eduardo Saboia, que assumiu a responsabilidade sobre a operação, foi afastado de suas funções por tempo indeterminado e foi chamado para prestar esclarecimentos.

O senador boliviano, que é opositor do presidente Evo Morales, ficou abrigado por 15 meses na Embaixada do Brasil em La Paz. No sábado (24), o parlamentar deixou a embaixada com o auxílio de Saboia. O boliviano chegou nesse domingo (25) ao país por Corumbá (MS), onde se encontrou com o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Ricardo Ferraço (PMDB-ES). Os dois voaram em seguida para Brasília.

O episódio levou ao pedido de demissão do ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota. O representante do Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU), embaixador Luiz Alberto Figueiredo irá assumir o cargo.

Representantes do governo boliviano cobraram explicações oficiais do Brasil sobre a operação. “Soubemos da saída de Patriota pela imprensa e preferimos esperar as informações do governo brasileiro sobre esse episódio, que violou as normas da Bolívia, do Brasil e internacionais”, disse a ministra da Comunicação da Bolívia, Amanda Davila, em entrevista por telefone à Agência Brasil. O embaixador da Bolívia no Brasil, Jerjes Justiniano Talavera, também pediu explicações ao Itamaraty.

“Não podemos dar salvo-conduto para uma pessoa que foi condenada pela Justiça e que está sendo investigada por participação no massacre de 13 indígenas, na província de Pando, em 2008”, explicou Davila. Segundo ela, Molina só recebeu asilo na embaixada brasileira porque o então embaixador Marcel Biato e o encarregado de negócios Eduardo Saboia “deram ao governo de Dilma Rousseff uma informação incompleta” sobre a situação do senador, “que conta com o apoio de forças políticas e conservadoras, tanto na Bolívia quanto no Brasil”.

Saboia disse que tomou a decisão de tirar o senador do país porque “havia risco iminente à vida” dele. Molina – que há mais de um ano vivia em espaço de 20 metros quadrados, afastado da mulher, dos três filhos e quatro netos – já teria ameaçado suicidar-se. “Achamos estranho que ele estivesse correndo risco de vida, mas que estivesse em condições de viajar de carro, encontrar-se com amigos e fazer declarações à imprensa”, disse Davila.

O procurador-geral interino da Bolívia, Roberto Ramirez, afirmou que o Ministério Público do país está “analisando tudo o que se refere à normativa internacional e à normativa nacional” para avaliar a possibilidade de pedido de extradição.

“Ouvi a voz de Deus”

Em entrevista à Folha de S. Paulo, Eduardo Saboia fez ameaças às chancelaria brasileira. “Se vierem para cima de mim, tenho elementos de sobra para me defender e para acusar”, afirmou. “Tenho os e-mails das pessoas, dizendo ‘olha, a gente sabe que é um faz de conta, eles fingem que estão negociando [a saída do senador da embaixada] e a gente finge que acredita.'” Segundo o jornal, o Itamaraty preferiu não comentar as declarações.

“Não me arrependo e aceito as consequências. Ouvi a voz de Deus. Estou amparado pela Constituição e pelos tratados internacionais assinados pelo Brasil. Fiz uma opção por um perseguido político, como a presidente Dilma fez em sua história”, disse Saboia chorando, segundo a reportagem da Folha.

Em outro momento de devoção religiosa, o embaixador contou detalhes da viagem de 22 horas de La Paz até a fronteira com o Brasil. “O senador passou mal, vomitou. Fiquei acordado todo o tempo, conversando com meu motorista e me comunicando com o outro pelo rádio para saber se ele estava acordado. Na reta final, fomos ficando sem gasolina e aí começamos a, literalmente, rezar. Eu católico, e o senador, evangélico. Peguei a Bíblia, abri nos Salmos e li. Foi o milagre da multiplicação da gasolina”, afirmou.

O advogado do senador boliviano Roger Pinto Molina, Fernando Tibúrcio Peña, comparou a situação do seu cliente à de Julian Assange e Edward Snowden. “Ele é um exilado político, então ele continua na condição de exilado: a mesma situação que hoje tem o Snowden, na Rússia, ou o Julian Assange, em Londres. É exatamente a mesma”, disse.