Bolívia e Paraguai denunciam resistência antidemocrática

Ministro boliviano alerta para ameaças à democracia que assumem novas formas, distantes do clássico modelo do golpe protagonizado pelas Forças Armadas

“Nos últimos 36 meses, está sendo implementado democraticamente na Bolívia um processo de transformações sociais, econômicas e políticas que chamamos em nosso país de Revolução Democrática e Cultural. Este processo vem sofrendo a resistência de setores oligárquicos e conservadores, que não estão de acordo com as transformações e resistem antidemocraticamente, fomentando a violência entre as regiões do país e incentivando conflitos étnicos e culturais. A partir desses elementos, procuram desestabilizar o processo de transformações democráticas e o próprio governo constitucional do presidente Evo Morales.”

As palavras do ministro de Governo da Bolívia, Alfredo Rada, dão a exata dimensão das ameaças que ainda pairam sobre os países latino-americanos que elegeram governos progressistas e tentam romper com o passado autoritário para consolidar uma maior inclusão social e econômica de seus habitantes. Assim como na Bolívia, processos de desestabilização política estão ocorrendo em todo o continente e, em pelo menos um caso, Honduras, já resultaram em golpe de Estado contra um presidente democraticamente eleito.

Presente ao seminário internacional “Democracias em Mudança na América Latina”, encerrado sexta-feira (18) no Rio de Janeiro, Alfredo Rada usou o exemplo de seu país para demonstrar como as ameaças à democracia estão assumindo novas formas, distantes do clássico modelo do golpe protagonizado pelas Forças Armadas.

“Há exatamente um ano, houve na Bolívia uma tentativa de golpe de Estado sui generis, sem militares. Foi um autodenominado golpe de Estado cívico. Existe no Departamento de Santa Cruz de la Sierra um grupo de extrema-direita e ultranacionalista que prega um nacionalismo ‘cruzenho’ e a necessidade de que Santa Cruz e outros departamentos se separem da Bolívia. Querem construir a Nação Camba”, disse o ministro.

Na Bolívia, é uma tradição social de chamar de “cambas” os bolivianos descendentes dos colonizadores ou mestiços, que habitam a parte oriental do país e têm em Santa Cruz de la Sierra sua “capital”. Isso os diferencia dos “colhas”, em sua maioria indígenas das etnias Queschua ou Aymara que habitam os altiplanos da parte ocidental, onde ficam as cidades de La Paz e El Alto.

Discurso separatista

O objetivo dos conservadores, segundo Rada, é “separar cambas e colhas com um discurso regionalista e racista”. O ministro, no entanto, afirma que aqueles que querem seccionar a Bolívia não têm apoio popular, e cita como exemplo o referendo revogatório a que se submeteu Evo Morales no ano passado: “O presidente obteve 54% dos votos quando foi eleito em 2005 e passou a 67% no referendo de 2008”.

O ministro afirma que está acontecendo na Bolívia “uma redistribuição do poder político, dos recursos econômicos e dos meios estatais”, e que isso leva em conta o enorme peso demográfico da maioria indígena do país: “Inauguramos uma democracia redistributiva e criamos uma rede de inclusão social e distribuição de renda”. Essas mudanças, segundo Rada, estão afetando privilégios: “Setores de extrema-direita que sentem seus privilégios afetados por essa democracia redistributiva querem levar adiante uma resistência armada. Se estão descontentes, que reajam democraticamente! Que busquem as urnas!”, disse.

Apesar da ameaça, Rada acredita que o movimento da extrema-direita está condenado ao fracasso: “Não se pode pensar na Bolívia de hoje que projetos desse tipo, que pretendem provocar a violência e desestabilizar o avanço democrático, possam prosperar, pois não têm o respaldo cidadão. Nos custou muito recuperar democracia. A última ditadura na Bolívia acabou em 1982, e desde então estamos vivendo um período de democracia contínua. Foi este ambiente de liberdades democráticas conquistadas pelo povo boliviano que permitiu as atuais transformações sociais, políticas e econômicas. Democraticamente, estamos enfrentando as ameaças”.

Golpes preventivos

Outro governo que aposta em uma evolução democrática com maior inclusão social e já sofre um processo de desestabilização por parte das elites conservadoras é o paraguaio. Esta é a opinião do ministro do Interior do Paraguai, Rafael Filizzola, que alerta para o perigo da ocorrência em todo o continente de “golpes preventivos”, como o que abalou Honduras e tirou do poder o presidente democraticamente eleito Manuel Zelaya.

Filizzola lembrou que Fernando Lugo é o primeiro presidente progressista eleito no Paraguai após 68 anos de dominação de um mesmo grupo, personificado pelos partidos Colorado e Blanco: “Antes, havia o partido do governo militar e corrupção generalizada no país. Nunca, antes de abril de 2008, houve uma transição pacífica de poder. Vivemos um grande processo de mudança política e ideológica, pois a esquerda sempre foi perseguida no Paraguai”.

Essa nova realidade, segundo o ministro, incomoda muito a setores da sociedade paraguaia historicamente ligados ao aparato do Estado e que agora começam a perder privilégios: “Esses setores querem voltar ao poder e, se não precisarem esperar as próximas eleições, vão achar melhor ainda. A perseguição ao presidente Lugo começou antes mesmo de sua posse”, disse Filizzola.

O ministro paraguaio citou a recente descoberta, a partir de uma denúncia feita por um general, de que setores da direita teriam procurado o Exército para “sondar os ânimos quanto a uma campanha de desestabilização ideológica” do atual governo: “Justificaram sua posição dizendo que o presidente Lugo vai seguir o mesmo caminho de Venezuela, Bolívia e Equador e propuseram um golpe preventivo como o realizado em Honduras”.

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