Posições

Acirramento nas eleições expõe elite assustada com a justiça social que avança

Para alguns, o país se dividiu em torno de duas propostas distintas; para outros, há uma reação às mudanças desencadeadas nos últimos 12 anos

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Tereza Campello: “O Brasil melhorou para a população mais pobre. Foi geração de emprego, oferta de educação”

São Paulo – A nova tentativa de manipulação da revista Veja, que às vésperas do segundo turno antecipou em três dias sua circulação semanal para atacar a candidata à reeleição Dilma Rousseff, o ex-presidente Lula e o petismo, é mais um golpe entre tantos da mídia tradicional e outros setores conservadores ao longo da campanha que não impediram o seu avanço sobre o concorrente Aécio Neves, que liderava as pesquisas e começou a cair. Caso algumas pesquisas se confirmem, a reeleição de Dilma não será tão folgada e o resultado das urnas pode vir a refletir, como no primeiro turno, um eleitorado que se divide, de maneira quase que equilibrada, entre duas políticas distintas.

De um lado, os brasileiros das regiões Norte e Nordeste e das localidades mais pobres apoiam a candidata. De outro, os do Centro-Oeste, Sudeste e Sul, estão com Aécio – ou com qualquer outro que esteja enfrentando Dilma – ou o PT – nas urnas.

De acordo com o professor de Ética e Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Alessandro Pinzani, é preciso fazer algumas distinções entre o eleitorado do PSDB: há aqueles que votam em Aécio em nome da alternância democrática no poder e os que votam no tucano simplesmente por ódio ao PT ou a Dilma.

No primeiro caso, como diz, embora falte uma análise dos custos e benefícios, a motivação é legítima. Entretanto, a alternância não pode ser fim em si mesma, mas deve ser considerada à luz do que é melhor para o país e, portanto, analisando as propostas políticas dos candidatos.

“Será que as privatizações, por exemplo, representam uma boa opção para o Brasil? Será que um governo diferente dará continuidade às políticas sociais implementadas até agora? Uma política de desvalorização do real para favorecer as exportações, como proposto por economistas próximos ao Aécio, não terá efeitos negativos para os preços de serviços e produtos no mercado interno?”, questiona.

Ódio antipetista

Sobre o chamado ódio antipetista, Pinzani afirma haver pouco a considerar: “Não se trata de pessoas dispostas a ponderar argumentos e alternativas. O mesmo vale, contudo, pelos que rechaçam o Aécio com a mesma forma de ódio irracional e não pelas suas propostas políticas”.

Porém, as razões que explicam essa divisão entre os eleitores têm tudo a ver com a política da gestão petista, que entre outras coisas criou programas e leis que não foram bem aceitas pelas camadas historicamente mais favorecidas. É o caso da regulamentação do trabalho doméstico.

“A classe média se sentiu ameaçada em seu estilo de vida e se viu em parte alcançada pelas classes sociais inferiores, que passaram a usufruir de bens e serviços que até então ela considerava como seus privilégios.”

Isso explica em grande parte, segundo ele, os comentários preconceituosos nas redes sociais ou até mesmo por parte de alguns comentaristas na TV sobre o “pobre”, que agora compra carro, sobre os “farofeiros”, que agora frequentam os aeroportos ou os shopping centers – o que, aliás, desencadeou, a partir do ano passado, a repressão policial aos rolezinhos dos adolescentes das periferias em centros de compras mais badalados, em bairros nobres.

“Na realidade, acabou vindo à tona um preconceito que já existia de maneira profunda, mas que não precisava se manifestar abertamente, uma vez que suas vítimas (os pobres, os negros, os nordestinos) não compartilhavam os mesmos espaços (físicos, sociais, econômicos) da classe média, a não ser em posição subordinada, como zelador de prédio, entregador de encomendas, empregada doméstica”, diz Pinzani.

Ou seja, a classe média tem a sensação de estar perdendo terreno em termos de importância social e política e em termos de qualidade de vida. “Isso lhe provoca medo e uma reação quase instintiva de ódio contra os atores sociais que considera responsáveis por isso, a saber, o governo petista e os próprios membros das classes subalternas.”

Pinzani entende que isso pode mudar com o tempo, uma vez que a presença dos filhos dos “pobres” (que já deixaram em parte de sê-lo) nas universidades pode levar à criação de uma nova classe média menos preconceituosa. “Não sei quantos dos médicos que pertencem àquele grupo de Facebook que sugeria a castração química dos nordestinos e dos pobres são filhos de pobre ou de nordestino. Com certeza, com o ingresso de mais nordestinos ou pobres nas universidades, o número de profissionais preconceituosos poderá diminuir, mas isso vai demorar ainda muito.”

Ao lado da professora Walquíria Leão Rego, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Pinzani percorreu as regiões mais pobres entrevistando bolsistas do Bolsa Família. E garante que, ao contrário do que muita gente apregoa, não é apenas o programa de transferência de renda que estaria por trás do apoio dos mais pobres a Dilma.

“As pessoas mais pobres têm a percepção, bastante correta, de que os governos petistas foram os primeiros a se interessar concretamente por eles e por seus problemas. São quase 60 programas de combate à pobreza, não somente o Bolsa, e a maioria deles visa não somente a transferir renda, mas a criar condições estruturais que ajudem essas pessoas a saírem da sua situação. Óbvio que os pobres votam seguindo seu interesse, como o faz a classe média, quando vota em candidatos que prometem diminuir os impostos”, analisa.

Para o professor, os eleitores da presidenta reconhecem também os avanços educacionais, sobretudo a partir de programas como o ProUni, o Fies, a ampliação na oferta de vagas pela ampliação da rede federal de ensino superior e o Pronatec. “Há ainda muitas outras coisas complementares. A população está percebendo que há esses programas. Este é, aliás, um trunfo que o PT poderia ter explorado mais na campanha.”

Para o filósofo e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP Vladimir Safatle, essa divisão no eleitorado não chega a surpreender, uma vez que, segundo ele, a sociedade brasileira é claramente dividida do ponto de vista ideológico, que chega a ultrapassar a divisão das classes sociais.

“Mesmo o Lula ganhava a eleição com uma média de 60% dos votos. Ou seja, 40% da população estava com o pensamento conservador, e não era só a classe média. Não existe 40% de classe média no Brasil. Esse percentual abrangia setores da classe mais pobre”, disse, semana passada, em entrevista à RBA.

Para Safatle, essa divisão é positiva. “Assim, as pessoas vão entender de uma vez por todas: nós não estamos no mesmo país. Nós não vivemos no mesmo país. Nós temos diferenças fundamentais com vários grupos, que representam o pensamento conservador nacional”, disse.

“Nem em relação a nossa história temos acordo: essas pessoas, em última instância, acham que é normal que o Estado não criminalize a tortura de Estado, que é normal falar que a ditadura militar foi um mal necessário, por exemplo.”

Para Alessandro Pinzani, uma sociedade dividida nunca foi e nunca será um fenômeno positivo. Ele lembra que as sociedades europeias superaram as profundas divisões sociais e econômicas somente através de revoluções, guerras e, sobretudo, de políticas sociais de amplo alcance e de longo prazo.

E que ao longo da história dos últimos séculos, as lutas sociais da classe operária e, em geral, dos trabalhadores, bem como o risco concreto de uma revolução social, levaram os governos – inclusive os mais conservadores – a tomar medidas para diminuir a desigualdade social e garantir um nível mínimo de qualidade de vida para todos.

“Na Alemanha do final do século 19, o reacionário chanceler Bismarck introduziu legislações sociais que muitos membros da classe média brasileira atual considerariam comunistas e dignas da Cuba castrista”, lembra Pinzani.

Ainda segundo ele, o renovado aumento da desigualdade econômica é visto com muita preocupação na Europa, onde todos os governos afirmam querer tomar medidas contra o fenômeno. Isso por entenderem que uma sociedade que exclui uma parcela importante da população não é saudável e corre o risco de implodir.

“Agora, no Brasil, é difícil convencer os excluídos que eles têm o dever de manter-se leais a uma ordem jurídica e política que os discrimina ou prejudica. Os pobres aceitaram sua exclusão por séculos quase sem revolta, mas com importantes exceções. Agora não parecem estar mais dispostos a fazer isso, e com certeza não quererão voltar para o status quo anterior às políticas sociais dos governos petistas.”

Se Aécio ganhar, acredita, ele deverá levar em conta tudo isso, ou deverá enfrentar muitas resistências e, provavelmente, manifestações populares como as de 2013. “Se a Dilma ganhar, contudo, ela seguirá enfrentando o mal-estar da classe média. Em suma, não consigo prever um futuro muito confortável para nenhum dos dois e, em geral, para o Brasil.”

Redes sociais

Para o professor de Política Pública da Universidade Federal do ABC (UFABC) Sérgio Praça, o ódio manifestado sobretudo nas redes sociais nada mais é do que uma forma de expressão do preconceito, que é crime, e que não aumentou nem diminuiu nessas eleições. Muito menos tende a se tornar mais radical no país.

“Apenas tornou-se mais visível por causa da internet, onde se escreve mais e se pode escrever o que se quer. Como antes a internet não existia ou não estava tão difundida, não havia todas essas manifestações”, diz Praça, para quem a atual disputa é a mais acirrada desde 1989. “As últimas seis capas da revista Istoé, enviezadas, mostram a publicação totalmente pró-Aécio. Há mais virulência, críticas mais pesadas, do que em 89″, diz.

O pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Política Social da Universidade de Brasília (UnB) Marcello Cavalcanti Barra lembra que as redes sociais, que refletem a crise política fruto de uma crise econômica, colocam lenha nessa fogueira e acentuam ainda mais a disputa.

“Em 2013, tiveram papel importante nas manifestações de junho, quando os grupos organizavam e convocavam as passeatas pelo Facebook”, diz. Além disso, há o poder da mídia, em especial da Rede Globo. “Apesar de cada vez criticada, ainda tem grande poder político e econômico. Três de seus donos estão entre os quatro mais ricos do país tanto que entre os quatro homens mais ricos do país”, diz Barra.

Como destaca, a Globo é o principal meio de comunicação, muitas vezes o único, em várias partes do país, e ainda tem muito mais influência do que os veículos alternativos nesse acirramento. Para defender seus interesses econômicos e políticos, esses meios de comunicação amplificam a política do medo e o fascismo de algumas manifestações de extremismo que surgem nas redes favorecidas pelo ao anonimato.

“Reduzir a pobreza é bom para todos”

A ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, discorda que o país esteja dividido. “Está desigual e essa desigualdade não favorece o conjunto da sociedade, dos eleitores”, disse à RBA

“Reduzir a pobreza é bom para todos, ter mais trabalhadores qualificados. A diminuição da pobreza não pode ser tratado como projeto que beneficia apenas os pobres – porque só eles são beneficiados. Os assalariados ganham, o conjunto ganha.” 

Uma questão pouco conhecida, segundo ela, é que os bolsistas do Bolsa Família trabalham, sim. Do total, 49% têm menos de 18 anos e não devem trabalhar mesmo. Têm de estudar. Dos adultos beneficiados pelo bolsa, a maioria (74% a 76%) trabalha. 

“E mesmo trabalhando bastante, o dia todo, recebe um salário insuficiente para as suas necessidades. São trabalhadores de atividades extenuantes, como no corte-de-cana. Trabalham muito, acabam doentes, se submetem a trabalho sem carteira assinada. Essas pessoas são aquelas que menos oportunidades tiveram. Geralmente os últimos a conseguirem emprego, são os primeiros a serem demitidos. O Bolsa Família complementa essa renda.” 

Ela ataca outro mito: ninguém deixaria de receber esse salário para viver apenas de Bolsa Família. Se a gente for cruzar as informações, vai ver que a maior votação na Dilma vai além do Bolsa Família: está entre aqueles que receberam luz elétrica, cisterna e tantos outros benefícios. O Brasil melhorou para a população mais pobre. Foi geração de emprego, oferta de educação. Tem gente que vivia de bico e está se qualificando pelo Pronatec, mulheres estudando. Aumento do preconceito contra a pobreza nessas eleições é falar de quem não teve oportunidades. Como comparar coisas diferentes sem dar as mesmas oportunidades? 

“As pessoas tinham de se informar antes. O censo mostra  queda de taxa de fecundidade maior entre as bolsistas. Isso comprova que ninguém vai ter mais filhos para depender eternamente do programa. São preconceitos que não podem prevalecer. Um milhão e 700 mil pessoas procuraram o programa para dizer que não precisam mais dele. As pessoas estão trabalhando e fazendo o Pronatec à noite. Esforço do estado. Isso não aconteceu naturalmente. Vamos olhar a história. Agora todo mundo ficou a favor do Bolsa Família e quer manter, ampliar. A prioridade do nosso governo é o social. Investimos a cada dois meses o que FHC investia em oito anos – R$ 4,2 bilhões só como o Bolsa Família. Quando as coisas apertam, eles cortam. Nós não”, disse a ministra.