Segurança Pública

Pará: até policiais já discutem desmilitarização, mas candidatos só falam em números

Segurança Pública é central na eleição local, mas os candidatos à frente nas pesquisas expõem visão limitada da questão, com debate concentrado apenas em orçamento e efetivo da corporação

Lucas Lacaz Ruiz/Folhapress

Reajuste de 110% para oficiais revoltou praças, que pedem valorização da carreira e debate sobre desmilitarização

Belém – Com uma criminalidade ainda acima da média nacional, a segurança pública tem sido um dos temas mais discutidos ao longo das campanhas eleitorais deste ano para governador do Pará. A questão é complexa. Enquanto a população cobra soluções imediatas para um índice de homicídios de mais de 40 a cada 100 mil habitantes (a taxa indicada pela ONU é de 10 por 100 mil habitantes ou menos), policiais, que realizaram greve em janeiro e abril deste ano, debatem a eficiência das políticas de segurança pública pela ótica da gestão e falam até em desmilitarização afinal, a própria corporação é alvo de denúncias graves de abusos em aliança com madeireiros ilegais.

Para os candidatos a governador, por outro lado, a equação é muito simples: mais policiais, armamentos e estrutura para combater as estatísticas negativas.

Amparado pelo “Mapa da Violência 2013 – Homicídios e Juventude no Brasil”, estudo de autoria do pesquisador Júlio Jacobo Waiselfisz, o atual governador e candidato à reeleição Simão Jatene (PSDB) defende a redução dos índices de criminalidade em seu mandato como sinal de que as políticas públicas para a segurança estão no caminho certo. O documento, que é citado no site oficial da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará, afirma que entre 2010 e 2011 houve uma redução de 15,78% nos casos de homicídios da população total, o que levou o estado da 3º colocação nacional em número de homicídios, em 2010, para a 4º posição do ranking em 2011. Outra fonte de propaganda para Jatene é o Anuário de 2013 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que mostra que, no Pará, o crescimento da criminalidade naquele ano foi de metade da média nacional.

“Violência é um dos desafios que temos buscado enfrentar com firmeza, com viaturas, armas, equipamentos e investimentos em mais delegacias, quartéis e UIPP (Unidade Integrada Pró-Paz, projeto inspirado nas UPPs do Rio de Janeiro)”, afirma Jatene, que apresenta como propostas a contratação de 2.000 policiais militares, 500 policiais civis, 300 bombeiros militares e 1.000 agentes prisionais, além de criar 40 Unidades Integradas Pró-Paz (UIPPs) e premiação para policias por redução de crimes.

O principal candidato da oposição ao governo, Helder Barbalho (PMDB), faz críticas à atual gestão, citando a manutenção do clima de violência, mas faz propostas parecidas com a do atual governador. “Vamos estabelecer metas para redução de crimes, e aqueles que atingirem suas metas serão premiados. Nossa polícia estará mais perto da comunidade e todos os policiais terão telefone direto na viatura”, defende, em programa televisivo dedicado à segurança pública. O pemedebista define como prioridades a contratação de 3.000 policiais militares e a criação da Ronda do Bairro (projeto criado em Manaus, no Amazonas, pela gestão do ex-governador Omar Aziz, com atuação similar à das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, a Rota).

O discurso, entretanto, contradiz a percepção dos policiais que trabalharam sob a gestão Jatene nos últimos quatro anos. Apesar de os números indicarem uma redução no número de homicídios, o policial e membro do conselho fiscal da Associação de Defesa dos Direitos dos Militares do Pará (ADDMIPA), Luiz Fernando Passinho, acredita que os números não refletem a realidade. “O que eu sinto como policial é que não há diminuição na criminalidade. Nós, policiais, estamos mais vulneráveis: em 2012, 47 PMs foram assassinados. Em 2013, mais de 30. Se nós, que deveríamos proteger a população, estamos morrendo, imagina como está a situação do povo”, afirmou.

A advogada da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), Anna Cláudia Lins, segue a mesma linha. “Os dados dão conta de uma diminuição que ainda não é sentida pela população. São índices que estão em queda ao que tudo indica, mas temos que pensar em políticas para segurança pública em longo prazo, e não para efeitos imediatos. Além disso, não há redução da criminalidade sem investimentos em políticas de prevenção, como formação continuada dos agentes, geração de emprego, investimento na juventude”, pondera.

Mas não são apenas os policiais as vítimas da situação no Pará. Aliada à falta de segurança na capital e no interior, onde madeireiros ilegais agem com violência e liberdade, são cada vez mais comuns denúncias contra agentes da segurança pública, acusados de cometer crimes que vão desde extorsão, passando pelo abuso de autoridade, lesão corporal, homicídios e até tortura. Os números colocados à disposição pelo relatório de 2013 da Ouvidoria do Sistema Estadual de Segurança Pública e de Defesa Social registram 135 homicídios, sendo 122 realizados por PMs, 12 por policiais civis e um por Bombeiro Militar. No mesmo período, os casos de lesão corporal chegaram a 118, e outras 13 pessoas denunciaram tortura. Mas, segundo a própria ouvidoria, “muitas pessoas deixam de denunciar estas transgressões por medo de represálias, e ainda por não acreditarem que da denúncia pode resultar algum efeito positivo”.

Ainda de acordo com a Ouvidoria, “a redução e a extinção destas violações somente serão possíveis com a adoção de um conjunto de ações na área de segurança pública”.

Mobilização dos praças busca soluções

Em janeiro e abril deste ano, duas “rebeliões” dos praças (como são chamados soldados, cabos, sargentos e subtenentes, militares de mais baixa patente e que recebe os menores salários) ditaram que o tema seria inevitável nas eleições deste ano e que a discussão sobre contratações e equipamentos não é, na visão dos agentes, a mais importante. O movimento eclodiu no 6º Batalhão da Polícia Militar, onde os trabalhadores se aquartelaram, motivados, inicialmente, por questões salariais, condições de trabalho e contra o assédio moral. No decorrer dos seis dias de greve, envolveram-se cerca de 20 batalhões em 15 municípios do estado.

“Os oficiais receberam reajuste de 110% nos salários e nós, praças, que vamos para as ruas todos sofrer risco de vida, não recebemos nada. O movimento iniciou dois dias depois da aprovação deste projeto que só beneficiava um setor de elite da corporação. Pedíamos também a saída do coronel Almério Junior do comando do 6º Batalhão, pois ele praticava assédio moral constantemente contra os trabalhadores”, explicou Luiz Fernando Passinho, dirigente da ADDMIPA.

A desmilitarização da Polícia Militar não estava diretamente na pauta das rebeliões das praças – que transgrediram a lei militar que proíbe movimentos contestatórios –, mas é visível no interior da corporação, segundo o soldado Passinho. Durante a ocupação do 6º Batalhão da Polícia Militar, em abril de 2014, em várias assembleias o tema da desmilitarização foi levantado nos debates e contou com ampla aceitação pelos praças.

“Existe um grande apoio à PEC 51 no seio da tropa. O grande problema da segurança pública hoje é o sistema militarista que nos tira direitos básicos, como o de reivindicar melhorias. A nossa formação se inicia com a frase: ‘Você tem direito de não ter direitos’. Essa forma desumanizada com que somos tratados se reflete na violência policial contra a população”, afirma Passinho. “Pelo problema do cumprimento de ordens sem questionamentos, muitos de nós somos utilizados como funcionários particulares dos que tem mais alta patente: servimos de chofer e mordomo enquanto deveríamos estar servindo ao povo”, completa.

Conduzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), pelo Centro de Pesquisas Jurídicas Aplicadas da FGV e pelo Ministério da Justiça, um estudo entrevistou 21 mil policiais militares, civis, federais, rodoviários e bombeiros sobre a desmilitarização da PM e outros temas. 73,80% concordam total ou parcialmente em retirar as polícias militares e os corpos de bombeiros militares como forças auxiliares do exército. 86,40% querem a regulamentação do direito à sindicalização e de greve da PM e 87,30% acreditam que se deve reorientar o foco de trabalho das PMs para proteção dos direitos de cidadania.

Só ‘nanicos’ falam em desmilitarização

Assim como as demais candidaturas do PCB a governador, a campanha de Marco Antônio no Pará defende o fim da Polícia Militar, da criminalização da pobreza e dos movimentos populares, além de uma profunda reforma da legislação penal, buscando alternativas ao encarceramento. A não redução da maioridade penal e a descriminalização dos usuários de drogas hoje consideradas ilícitas finaliza suas propostas para a segurança. Ele e Marco Carrera, do Psol, são os únicos a defenderem essas bandeiras em campanha. O psolista também promete fazer o debate com a sociedade sobre a desmilitarização da Polícia Militar para a constituição de uma Polícia Civil unificada.

Terceiro lugar nas pesquisas, o candidato Elton Braga (PRTB) defende o resgate da valorização das polícias e dos órgãos de segurança pública em geral. “Resgate do moral elevado da força policial, do reconhecimento, do apoio irrestrito às forças de segurança pelo governador, que é o responsável pelas decisões cruciais dos órgãos de segurança”, explica em seu programa de governo. Já o candidato do PV, Zé Carlos, não apresentou, em seu programa oficial registrado na Justiça Eleitoral, nenhuma proposta específica para segurança pública.