Justiça

Omissão no debate tributário abrirá portas para outras reformas e supressão de direitos, alerta diretor do Dieese

O diretor técnico do Dieese, Fausto Augusto Junior, lembra que a questão está diretamente ligada ao orçamento, que define políticas públicas. Pochmann vê “oportunidade histórica”

Montagem RBA
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Marilane, Pochmann, Fausto e Paulo Nogueira: trabalhadores precisam participar mais e governo deve ir além da retórica

São Paulo – Ao pedir mais “engajamento” dos movimentos em relação ao debate sobre a reforma tributária, o diretor técnico do Dieese, Fausto Augusto Junior, alertou sobre possíveis consequências negativas para os trabalhadores. “A depender do resultado, vamos estar contratando uma nova reforma da Previdência no próximo período, uma nova reforma trabalhista, uma nova reforma administrativa. De alguma forma, todas essas reformas estão baseadas na capacidade do Estado de organizar política pública”, afirmou Fausto, no início de seminário organizado pelo próprio Dieese, além do Instituto Justiça Fiscal, Sindifisco Nacional e Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), vinculado à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

“O pobre paga mais imposto que o rico. E, no nosso caso, são os trabalhadores formais. Nosso problema é que inclusive nas nossas bases o que reza são as teses liberais”, observa Fausto. É comum ouvir pedidos sobre redução de impostos, mas por outro lado falta discutir a formação do chamado fundo público – leia-se orçamento –, que deveria ser voltado para resolver os problemas básicos da população. “O problema não é a quantidade de impostos, mas a quantidade de regimes especiais, exceções, incentivos e deturpações da legislação tributária”, afirma. Hoje, as chamadas renúncias fiscais superam R$ 500 bilhões.

Inclusão social na reforma tributária

Ele observou ainda que a discussão envolve, também, inclusão social. “Metade dos trabalhadores está fora do sistema previdenciário, e temos um sistema que incentiva a sair.” Além disso, um possível aspecto da reforma pode fazer com que uma pessoa jurídica pague muito menos imposto de renda do que um trabalhador médio. “Isso é um incentivo à pejotização”, acrescentou.

Sem contar as disparidades existentes. “É absurdo pagar imposto sobre PLR (participação nos lucros ou resultados). Agora, o capital é isento de lucros e dividendos. A base é a mesma. Por que o trabalhador paga e o acionista não paga?”, questiona o diretor técnico do Dieese.

IR e folha de pagamento

Assim, o debate sobre reforma tributária no Congresso entra em uma segunda fase, durante a qual serão discutidos temas como imposto de renda e folha de pagamento. “Não dá para o movimento sindical ficar fora dessa discussão”, diz Fausto. “Ficar fora é contratar outras reformas e reduzir drasticamente os direitos sociais garantidos na nossa Constituição.”

A pesquisadora Marilane Teixeira, do Cesit-Unicamp, lembra que o aspecto regressivo da carga tributária afeta diretamente a desigualdade: os 10% mais pobres comprometem mais renda do que os 10% mais ricos, por exemplo. Para ela, o que foi aprovado até agora “está distante das nossas expectativas”. É preciso, por exemplo, avançar em proposta que tenham impacto significativo entre os chamados super-ricos.

Andar de cima

Já o presidente do IBGE, Marcio Pochmann, vê na reforma tributária uma oportunidade histórica de recolocar o Brasil mundialmente. Mudanças implementadas a partir dos anos 1990, lembrou, “aliviaram” os tributos dos que ganham mais. “A renda per capita se mantém praticamente estável, mas tem aumentado o total de ricos no andar de cima. (…) A carga tributária bruta cresceu, e os ricos pagaram menos impostos.”

Dessa forma, defendeu Pochmann, é preciso “fazer um enfrentamento para além da retórica” na questão tributária. O Brasil já chegou a representar 3,2% do PIB mundial, hoje está em torno de 1,6%. Foi a sexta indústria do mundo, hoje é a 16ª. Um discurso recorrente, não só aqui, é de que uma redução tributária para quem recebe mais corresponderia a um aumento da renda para investimentos, por exemplo. “O que de fato ocorreu é que essa ampliação da renda disponível foi direcionada para o rentismo, para o sistema financeiro.”

Crítica à esquerda

Ex-diretor executivo (pelo Brasil e outros países) no Fundo Monetário Internacional (FMI) e ex-vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (Brics), o economista Paulo Nogueira Batista Jr. reservou críticas ao atual governo pela condução da política econômica e mesmo sobre sua participação nos fóruns globais. Destacou que é mais importante que essas críticas venham da esquerda. “Só vai beneficiar o governo. Se não fizermos, quem vai fazer é a mídia corporativa e o mercado financeiro”, comentou. Para ele, o governo Lula está “infestado de liberais, neoliberais e até bolsonaristas”.

O economista considera que governos petistas anteriores fizeram pouco para reduzir as injustiças do sistema tributário. “Isto aqui é o paraíso fiscal dos super-ricos. E dos rentistas também.”