Mais altos do mundo, juros no Brasil viraram ‘jabuticaba péssima’

Economista defende restrições ao crédito ao consumidor. Alta da Selic atrai mais dólares ao país e tira recursos que deveriam ser aplicados na redistribuição de renda

São Paulo – O economista Amir Khair criticou a quarta seguida alta na taxa básica de juros, anunciada na noite de quarta-feira (8) pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), que elevou a Selic em 0,25 ponto percentual, para 12,25% ao ano. Para ele, a fórmula de taxas elevadas, mesmo descontada a inflação, é única no mundo. Por existir apenas no Brasil, ele qualifica a opção como “péssima jabuticaba”.

Nas quatro reuniões do Copom realizadas durante o governo da presidenta Dilma Rousseff houve aumento da taxa básica. Apesar disso, Khair considera que ainda está mantida a opção, iniciada na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, de buscar o crescimento econômico baseado na expansão do mercado interno. Assim, para conter distorções e mesmo a alta de preços, a contenção do crédito ao consumidor teria mais efeito sobre a inflação do que a simples elevação dos juros.

“Há medidas e medidas de combate (à inflação), e essa da Selic não é uma delas”, sustenta. “Isso só se consegue por meio de medidas macroprudenciais, que é o que o BC começou a fazer em dezembro do ano passado, mas parou. Parou porque vieram muitas críticas do mercado financeiro, que só quer ganhar com a Selic.”

Confira os principais trechos.

Rede Brasil Atual – Como o sr. vê a quarta alta seguida na taxa básica de juros da economia?

Amir Khair – O  Banco Central tem essa cara, há vários anos. É disparado o BC mais conservador do mundo. Com esta elevação, a taxa real de juros básica, a Selic básica, descontada a inflação, já está em 6,8% ao ano. O segundo colocado em taxa mais alta é o Chile, com 1,5% ao ano, ou seja, estamos mais de quatro vezes acima do segundo colocado.

Segundo a corretora Cruzeiro do Sul, que tem uma tradição nesse tipo de informação e faz esse levantamento, 40 países selecionados numa amostra representativa têm uma taxa negativa de 0,9% ou mais. Então esta é uma jabuticaba, que só existe no Brasil, mas é uma péssima jabuticaba, porque causa problemas gravíssimos sobre a economia e contribui para piorar os fundamentos macroeconômicos.

Quais são os efeitos?

Hoje, no mundo, há uma liquidez extraordinária puxada pelos Estados Unidos, mas também pela Europa e pelo Japão. É uma profusão de dinheiro circulando pelo mundo como nunca antes, e esse dinheiro procura uma oportunidade de ganhos. Como o Brasil tem essa taxa completamente fora do padrão internacional, muitos vêm aqui para obter ganhos e extraem dinheiro do país. Como o dinheiro vem para aplicar em títulos da dívida, remunerados pelos juros da economia, uma taxa elevada se torna uma bomba de sucção de recursos, que são pagos com os tributos do contribuinte.

O país está com reservas elevadas pagando essa taxa de juros absurda e aplicando em títulos sul-americanos, rendendo 1% lá fora, mas pagando de 12% a 25% aqui dentro. Isso vai afundando a economia, são criados problemas seriíssimos para as empresas competirem, gerando empregos lá fora em vez de no próprio país.

Em que medida esses gastos públicos com juros prejudicam os planos do governo?

Esse é o pior dos efeitos, o governo, que deveria fazer uma distribuição de renda melhor, gasta com todos os programas de renda 1% do PIB (Produto Interno Bruto). No entanto, gasta com juros acima de 5,6% do PIB. Estamos fazendo uma política completamente às avessas, distribui-se renda às avessas com essa anomalia que o Brasil adota há vários e vários anos. A Selic já foi maior e os danos, maiores ainda. O pior de tudo é que o Copom já deixa a mensagem de continuar aumentando esse dano, ou seja haverão novos aumentos.

O aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para investidores estrangeiros teve efeito? Há outras medidas, para além dos juros, que poderiam ser adotadas para conter essa entrada de dólares?

Está entrando dólar por todo lado no país, mesmo com o governo tentando colocar a barreira do IOF de 6%. Mas a imprensa está registrando entradas em golfadas de dólares até não poder mais, que burlam os 6%. Um deles é o investimento estrangeiro direto. Até o representante do FMI (Fundo Monetário Internacional) falou que esse dinheiro é suspeito. O BC não controla a aplicação do dinheiro de investimento direto estrangeiro, eles entram aqui ganham lucros extraordinários e depois remetem para o exterior como lucros e dividendos.

A preocupação com a inflação é o principal argumento para a elevação dos juros, por desaquecer a economia. Que outras armas para combater a alta de preços poderiam ser usadas?

A inflação não interessa a ninguém, mas existem medidas e medidas para combatê-la. Se o mundo combatesse a inflação como o Brasil, todos os países estariam falidos. O que eu acho é que pode se combater a inflação dificultando um dos estímulos ao consumo, que é o crédito.
Você deve alterar as condições de crédito e fazer com que as pessoas procurem comprar em períodos mais curtos de financiamento ou à vista. Isso só se consegue por meio de medidas macroprudenciais, que é o que o BC começou a fazer em dezembro do ano passado, mas parou. Parou porque vieram muitas críticas do mercado financeiro, que só quer ganhar com a Selic.

Para combater a inflação você tem que combater no front do financiamento e não no da Selic. A diferença entre a Selic e a taxa de juros cobrada ao consumidor é enorme. Há medidas e medidas de combate, e essa da Selic não é uma delas.

Com a população empregada e o país crescendo, as pessoas podem comprar, mas deve-se restringir as compras de períodos mais prolongados de financiamento, o que aconteceu com os parcelamentos superiores a 24 meses. Mas é pouco. Seria preciso restringir compras superiores a 12 meses. Exigir que os bancos, para emprestar para prazos superiores, tivessem que fazer depósitos compulsórios muito maiores, ou exigência de capital muito maiores, permitindo que as pessoas vivam de acordo com os seus ganhos e não artificialmente, como está acontecendo aqui.

A gente deveria tomar cuidado para não piorar a situação das pessoas que acabam entrando em inadimplência com essa taxa de juros, o que gera problemas sérios em seus orçamentos e o equilíbrio de receitas e despesas no período em que a pessoa está trabalhando e sustentando sua família.

Quando o país começa a crescer, a ameaça da inflação aparece. E logo vem o Banco Central elevar juros e conter a evolução econômica. Por quê?

Há muito tempo não se tinha uma política de incorporar mais gente à sociedade de consumo. Se o país quiser crescer, ele tem de se apoiar nas suas próprias pernas, ou seja, no seu mercado interno. Todo mundo sabe que o mercado externo está ao sabor de fatos que não dependem do governo, que podem ser favoráveis ou desfavoráveis.

Você não pode apostar as fichas do seu desenvolvimento olhando o mercado externo, tem de se apoiar no mercado interno. Essa foi a política do governo Lula e parece estar tendo uma continuidade com o governo Dilma, mas o que acontece é que houve uma expansão muito grande no processo de crédito, as taxas de crescimento foram absurdamente elevadas. É uma grande distorção. Ela precisa ser corrigida, tem de se diminuir a facilidade de compra, porque o consumidor paga taxas de juros muito grandes, compra uma geladeira de mil reais e acaba pagando R$ 1.200, R$ 1.300. Ele está com uma sensação de que está comprando por um preço, mas compra por outro. Precisamos apertar as condições do crédito.

A ameaça de inflação é real?

Nessa discussão, temos mesmo de levar em consideração um outro lado. Vivemos uma inflação mundial. Parece que esquecemos que a inflação pega a Europa e vários países emergentes, por causa da alta dos preços das commodities e dos alimentos em escala global e isso tem um peso para todos os países, mas especialmente dos países emergentes, que dependem mais de alimentos e commodities. Temos que olhar para a questão da inflação sob um espectro muito mais amplo do que um aspecto fechado como se a Selic pudesse controlar esse processo.

Edição: Anselmo Massad

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