Entrevista

Devedor pode recorrer à Justiça contra penhora de imóvel por banco

Decisão do STF confirma instrumento de retomada de imóvel por medida extrajudicial, mas posição não afasta o direito à tutela judicial pelo consumidor que se sentir lesado

Arquivo/Governo Federal
Arquivo/Governo Federal
Para o ministro Fachin, a execução extrajudicial nos contratos não é compatível com a proteção constitucional do direito fundamental à moradia

São Paulo – O Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestou na última quinta-feira (26) em favor da constitucionalidade da execução extrajudicial de imóveis financiados com prestações em atraso. A decisão do pleno do tribunal em favor da Lei 9.514/97, que prevê a penhora do imóvel por meio de um mecanismo chamado “alienação fiduciária”, deve ter ampla repercussão no mercado habitacional, já que essa lei rege pelo menos 90% dos contratos de financiamento de moradias no país.

Na prática, não haverá mais dúvida nas instâncias de justiça quanto à constitucionalidade do dispositivo de retomada do imóvel. A necessidade de o STF se manifestar partiu de um caso de um cliente da Caixa Econômica Federal. Mas o Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região entendeu que a execução extrajudicial de título com cláusula de alienação fiduciária com garantia não viola as normas constitucionais, posição que o STF ratificou.

No julgamento do STF, o voto do ministro Edson Fachin foi divergente e ele foi seguido pela ministra Carmem Lúcia. Fachin defendeu que a execução extrajudicial nos contratos não é compatível com a proteção constitucional do direito fundamental à moradia. Ele sustentou que a decisão não avança na construção de uma sociedade mais justa e solidária, nem estimula soluções econômicas sustentáveis para o enfrentamento da falta de moradia digna.

Ao final de seu voto, Fachin firmou o entendimento de que a legislação impugnada afronta princípios legais que são a base da Constituição Cidadã. Entre eles, o devido processo legal, o acesso à justiça, o juiz natural e, sobretudo, o da inafastabilidade da jurisdição, que garante a todos cidadãos o direito de terem seus conflitos apreciados pelo Estado. Além disso, para o ministro, o entendimento não é compatível com a proteção constitucional do direito fundamental à moradia.

Para a advogada Janaína De Castro Galvão, das áreas cível e de resolução de conflitos do escritório Innocenti Advogados, a possibilidade de o comprador do imóvel recorrer à Justiça está amplamente assegurada. “Ainda assim, a existência da retomada extrajudicial não afasta a tutela judicial sobre esse contrato, já que o comprador que se sentir lesado, poderá sempre buscar o amparo de seus direitos junto ao Poder Judiciário”, afirma.

Ela também diz que “agora que foi declarada constitucional, a execução extrajudicial de garantia para retomada de imóvel, em caso de não pagamento de financiamento, tem ampla validade, de maneira que os compradores que estiverem em mora, poderão se ver em meio a procedimentos extrajudiciais apresentados pelos Bancos, para retomada do imóvel financiado”.

“Contudo, é importante esclarecer que essas execuções extrajudiciais possuem procedimentos claros e definidos, de maneira que o comprador que sentir lesado nessa tramitação poderá se valer de ação judicial para fazer valer seus direitos frente à Instituição Financeira”.

Confira a íntegra da entrevista

Como a senhora avalia a decisão do STF, inclusive levando em consideração os votos vencidos dos ministros Edson Fachin e Carmen Lúcia?

O julgamento pelo STF é extremamente relevante, não só do ponto de vista jurídico, mas também por sua importância econômica e social. Ao decidir pela constitucionalidade da retomada extrajudicial do imóvel, em caso de  atraso dos pagamentos das parcelas de financiamento, o STF terminou um debate que há muitos anos é destaque no Poder Judiciário, sobretudo por dar efetividade à Lei nº 9.514/97 (Lei da Alienação Fiduciária, cuja constitucionalidade de alguns de seus artigos estava sendo questionada), além de dar segurança jurídica para as relações estabelecidas com a assinatura de contratos imobiliários.

Os ministros Edson Fachin e Carmem Lúcia, adotaram uma posição mais protecionista, votando pela inconstitucionalidade da lei, no que diz respeito à retomada extrajudicial no caso de inadimplemento, entendendo que esse procedimento poderia se dar em desrespeito aos princípios do devido processo legal, do amplo acesso à justiça e do direito fundamental à moradia.

É inegável a mudança que a Lei nº 9.514/97 provocou no mercado imobiliário, ao instituir a alienação fiduciária com o próprio imóvel servindo como garantia ao pagamento do financiamento. Um procedimento mais célere para a retomada do bem em caso de inadimplemento, cria um cenário econômico mais favorável, contribuindo para a diminuição da taxa de juros do financiamento, situação que beneficia a todos aqueles que se valem dessa modalidade contratual. Em raciocínio reverso, declarar a execução extrajudicial dessa garantia como inconstitucional, poderia, a médio prazo, macular a Lei que hoje serve como base para mais de 90% dos contratos imobiliários firmados no Brasil.

Segundo entendimento pela maioria dos ministros, a retomada extrajudicial do imóvel foi declarada constitucional, sobretudo pelo fato de ser prevista no ato da assinatura do contrato de financiamento imobiliário. Além disso, não pode ser entendida com um procedimento unilateral, com o credor (Banco) “tomando” o imóvel do comprador imediatamente, no dia seguinte ao vencimento de uma parcela vencida. A retomada extrajudicial possui um procedimento bem demarcado, com plena ciência ao comprador inadimplente.

E ainda assim, a existência da retomada extrajudicial não afasta a tutela judicial sobre esse contrato, já que o comprador que se sentir lesado poderá sempre buscar o amparo de seus direitos junto ao Poder Judiciário.

Embora já fosse permitida a execução extrajudicial antes desse julgamento em que se discutiu a constitucionalidade da medida, o mercado já se portava dessa maneira, fazendo a execução em cartório? Ou ainda o tema era objeto recorrente de judicialização?

É importante esclarecer que o julgamento trata de contratos albergados pelo SFI (Sistema Financeiro Imobiliário). Com relação ao regime de SFH (Sistema Financeiro de Habitação), o STF já havia decidido, pela constitucionalidade da retomada extrajudicial, pois foi devidamente recepcionado pela Constituição Federal, o procedimento para a execução extrajudicial da garantia.

Especificamente com relação à execução da garantia nos contratos do Sistema Financeiro Imobiliário, o mercado costumeiramente adotava a medida da retomada extrajudicial, contudo o tema sempre teve grande destaque no Poder Judiciário, levando o Supremo Tribunal Federal a declarar a discussão como caso de repercussão geral, culminando no julgamento do último dia 26.  

O ministro Luiz Fux, relator, disse em seu voto que “ O procedimento de execução extrajudicial previsto pelo Decreto-Lei nº 70/66 não é realizado de forma aleatória, uma vez que se submete a efetivo controle judicial em ao menos uma de suas fases, pois o devedor é intimado a acompanhá-lo e pode lançar mão de recursos judiciais se irregularidades vierem a ocorrer durante seu trâmite”.  Que tipo de irregularidade pode ser verificado nesse tipo de execução? Em que situações o devedor deve procurar um advogado?

O Decreto Lei nº 70/66 dispõe sobre a cédula hipotecária, as formas de execução extrajudicial de garantias imobiliárias, a autorização para funcionamento de associações de poupança e empréstimos, compreendidas para o Sistema Financeiro de Habitação. O que o relator Fux fez em seu voto foi esclarecer que as execuções extrajudiciais de garantias imobiliárias possuem procedimento complexo e regrado, exatamente para não existir, ao mesmo tempo, violação à autonomia privada, mas possibilitando previsibilidade das consequências em caso de inadimplemento.

Partindo dessa premissa, as irregularidades mais comumente observadas em execuções extrajudiciais são aquelas em que resultam na falta de ciência ao comprador-devedor dos atos extrajudiciais tomados, como por exemplo a falta de intimação para quitar o débito. Nesse ponto, sempre que o comprador-devedor se sentir lesado em seus direitos, perceber que não lhe foi dada ciência de todos os atos deste procedimento extrajudicial, poderá procurar seu advogado para fazer valer seus direitos perante o Poder Judiciário.

Como é uma tese de repercussão geral, isso afeta todos os processos em andamento, correto? Se uma pessoa já conseguiu evitar judicialmente essa execução, com retomada do imóvel, agora, a partir de dessa decisão do STF, ela volta a correr o risco de perder o bem, caso tenha parcelas em atraso?

O julgamento em questão se deu porque o STF entendeu que a discussão sobre a retomada extrajudicial era caso de repercussão geral, de maneira que todos os processos judiciais em andamento, que versam sobre esse tema, tiveram seu andamento “paralisado” até que o STF julgasse a questão.

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Agora que foi declarada constitucional, a execução extrajudicial de garantia para retomada de imóvel, em caso de não pagamento de financiamento, tem ampla validade, de maneira que os compradores que estiverem em mora, poderão se ver em meio a procedimentos extrajudiciais apresentados pelos bancos, para retomada do imóvel financiado. Contudo, é importante esclarecer que essas execuções extrajudiciais possuem procedimentos claros e definidos, de maneira que o comprador que sentir lesado nessa tramitação, poderá se valer de ação judicial para fazer valer seus direitos frente à instituição financeira.