'Voltei a ser eu'

Entre ‘dar o papo reto’ e sobreviver, N.I.N.A se reencontra pelas rimas

Artista da zona norte do Rio de Janeiro, rapper é um dos nomes em ascensão na cena nacional, com rimas diretas e de empoderamento

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Antes de ser “a Bruta, a Braba, a Forte”, como ela se define em um de seus singles, N.I.N.A relata a música foi um processo de libertação e cura

São Paulo – A música foi uma terapia pessoal para a rapper carioca Anna Ferreira, a N.I.N.A. Sua experiência na Universidade Federal Fluminense (UFF) e sua rotina de trabalho numa empresa de cessão de crédito foram capazes de criar um labirinto em sua vida. Porém, por meio das rimas, durante um processo doloroso, como ela mesma define, ela buscou seu reencontro.

Antes de ser “a Bruta, a Braba, a Forte”, como ela se define em um de seus singles, N.I.N.A relata que a música foi um processo de libertação e cura. Hoje, sua arte vai além de uma forma de sobreviver, mas também dar o “papo reto que poucos estão dispostos a ouvir”.

O principal pilar desse reencontro de Anna foi o grime – gênero criado em Londres, que possui semelhanças com o rap, mas no ritmo de 140 bpms (batidas por minuto), no qual sua essência passa pelo dancehall e ragga. Segundo ela, antes não havia uma estética em que pudesse encaixar seu estilo, porém, o grime foi uma janela que se abriu.

“Comecei a tocar como DJ nos bailes, porque minha vida sempre foi movida pela música. Quando comecei a tocar, aprendi sobre os compassos das músicas. Depois, descobri o Brasil Grime Show e me identifiquei. A partir disso, comecei a estudar sobre o drill e grime, comecei a tocar para pegar o ritmo dos 140 bpm”, disse a artista.

‘Voltei ser a N.I.N.A’

Antes de começar a escrever suas rimas, N.I.N.A. explica que estava num grande impasse pessoal. Recém ingressada no curso de Filosofia da UFF, ela explica que ser uma mulher preta, oriunda das favelas da Cidade Alta, zona norte do Rio, foi um dos fatores que a fez se perder nesse caminho.

“Tinha acabado de entrar na faculdade, convivendo com uma galera branca e rica. Foi um choque de realidade, como se fosse algo que não era para mim e me perdi no meio disso. A Nina se tornou alguém que tentava se encaixar no meio de uma turma onde não era aceita, esquecendo de onde era”, lamenta.

A partir dessa experiência de três anos, ela relata que começou a colocar seus sentimentos nas rimas e, a partir disso, alcançou seu reencontro. “A faculdade é um ambiente hostil demais quando você vem da favela, então, quando vi que minhas rimas curavam aquelas dores, senti que foi uma terapia. Colocar tudo isso na música ajudou a me reencontrar e, apesar de ser dolorosa demais, me fez ser eu novamente”, afirma.

Recentemente, a artista também abandonou seu emprego numa empresa de cessão de crédito. A rotina e o stress influenciavam num bloqueio criativo, segundo a rapper. “Estava me sugando muito. Eu amo fazer música, não ficar oferecendo crédito. Eu queria estar no estúdio, pensando numa estética nova, em música mesmo. Eu moro sozinha, pago minhas contas, mas resolvi pedir demissão. Na semana seguinte que sai, gravei cinco músicas.”

Identidade musical

Enquanto DJ, Anna bebeu da fonte do funk, misturando o gênero com o trap, bossa-nova e até reggaeton. Ao mesmo tempo, o grime no Brasil tem apostado numa aproximação com o funk, o que criou uma identidade mais abrasileirada ao gênero.

Crescida e criada na favela, ela diz que viveu com o funk próximo a ela, o que a deixa mais confortável na hora de criar suas músicas. “Quando ouvi o grime encontrei a liberdade musical que teria no funk, mas sem me apegar aos clichês. Eu vejo que o grime é algo feito pela galera que vem da favela, como eu. Portanto, unir funk e grime me deixa muito mais confortável do que se fosse outro gênero”, celebra.

Porém, ela afirma que não quer se limitar somente ao gênero londrino. Musicalmente, sua família ia do rock ao reggae e criou um ambiente eclético em casa. Diante disso, N.I.N.A diz que busca testar seu limite e seu último lançamento, o single Contramão, um R&B melódico, é a prova disso.

“Pra mim, é bom transitar entre outros estilos, porque consigo testar meu limite e ver minha versatilidade artística. Eu gosto de desafio e fazer esse R&B foi satisfatório demais. Eu voltei a cantar, sabe? A última vez que tinha feito isso foi na igreja, quando era criança”, brinca a artista.

Um ano após se lançar oficialmente na música, a rapper carioca já tem planos para o futuro para que seu sonho se mantenha vivo. “Vou lançar um EP (Extended Play) ainda neste ano e colocar minhas questões como mulher preta. Inclusive, isso é importante que o pessoal ouça. Quero mostrar a vivência de uma mulher preta, que viveu rodeada pelo crime, e como isso refletiu na minha vida. Só tenho quatro músicas na rua, mas agora quero viver disso e que isso também me mantenha viva.”