Geleia geral

Obra de Torquato Neto é reconhecida como manifestação da cultura brasileira

Compositor e escritor piauiense, um dos expoentes do movimento tropicalista, morreu em 1972, logo depois de completar 28 anos

Reprodução
Reprodução

São Paulo – Publicada na edição desta sexta-feira (1º) do Diário Oficial da União, a Lei 14.742 “reconhece como manifestação da cultura nacional” as obras de Torquato Neto. Compositor e escritor, o artista piauiense completaria 80 anos em 2024. Mas suicidou-se em 1972, logo depois de completar 28 anos. Deixou obra instigante, com marca tropicalista.

Nascido – em parto sofrido para Salomé e o bebê – em 9 de novembro de 1944 em Teresina, Torquato mudou-se ainda adolescente para Salvador, onde conheceu Caetano Veloso, Gilberto Gil e outros artistas que começavam a se destacar, como Glauber Rocha, que em 1961 lançaria o longa Barravento. Em seguida, foi para o Rio de Janeiro, onde estudou Jornalismo e passou a frequentar atividades estudantis. Mais tarde, ajudaria a criar o movimento que se chamaria Tropicália.

Geleia geral brasileira

Uma de suas primeiras composições é Louvação, feita em parceria com Gil (título de seu álbum de estreia, lançado em 1967) e gravada também por Elis Regina. Torquato assina ainda trabalhos como Geleia Geral e Mamãe, Coragem, incluídas no icônico LP Tropicália ou Panis et Circensis, um dos álbuns marcantes de 1968. E é um dos autores da bela e melancólica Pra dizer adeus, gravada por Edu Lobo (que fez a letra) e Maria Bethânia. Geleia Geral, letra de Torquato e melodia de Gil, seria também o nome de uma coluna que o piauiense assinaria no jornal Última Hora.

O poeta desfolha a bandeira
E a manhã tropical se inicia
Resplendente, cadente, fagueira
Num calor girassol com alegria
Na geleia geral brasileira
Que o Jornal do Brasil anuncia

Ê bumba-iê-iê boi
Ano que vem, mês que foi
Ê bumba-iê-iê-iê
É a mesma dança, meu boi

“O Torquato sempre vinha com o poema completo, como aconteceu com o ‘Geleia Geral’. Não mudei uma vírgula, já veio eletrificado”, diria Gil anos depois, em depoimento ao pesquisador Tárik de Souza. Uma das grandes letras de Torquato, em extensão e conteúdo, a música ganhou dimensão ainda maior com o arranjo do maestro Rogério Duprat.

Europa, cinema e depressão

Em dezembro de 1968, dias antes do AI-5, Torquato embarca em um navio para a Europa. Com ele, o artista plástico Hélio Oiticica. Em Londres, conheceu, entre outros, o guitarrista Jimi Hendrix, com quem fumou um haxixe e escutou o “álbum branco” dos Beatles. Meses depois, chegou a companheira de Torquato, Ana, que ajudou na montagem de uma exposição de Oiticica. Sempre às voltas com a falta de dinheiro, o casal ainda passaria por Paris e Lisboa, até retornar ao Brasil, no final de 1969. O casal teve um filho, Thiago.

Torquato também atuou no cinema. Participou, por exemplo, dos filmes Nosferatu no Brasil e A Múmia Volta a Atacar, de Ivan Cardoso, além de Helô e Dirce, de Luiz Otávio Pimentel. E dirigiu o curta O Terror da Vermelha (1972). Nesse que seria seu último ano de vida, passou por internações, voluntárias, e crises de depressão.

Documentários e biografia

Dois documentários narram a trajetória do artista e escritor: Torquato Neto Todas as horas do fim (2018), com direção e roteiro de Eduardo Ades e Marcus Fernando, e Documento Especial Torquato Neto, O Anjo Torto da Tropicália (1992), de Ivan Cardoso. Entre suas coletâneas de texto, a mais conhecida é Torquato Neto Os Últimos Dias de Paupéria (1984), organizada por Ana e pelo poeta Waly Salomão. Em 2005, com reedição em 2013, o jornalista Toninho Vaz lançou A biografia de Torquato Neto. Uma nova edição está prevista para sair no início do ano que vem.

Existirmos, a que será que se destina?

O projeto que deu origem à lei sancionada hoje (PL 597/2021) é de autoria do deputado Flávio Nogueira (PDT-PI). O relator na Comissão de Educação e Cultura do senado foi Marcelo Castro (MDB-PI).

No início dos anos 1980, Caetano escreveu a canção Cajuína. A obra surgiu depois de um encontro com o pai de Torquato, Heli, que deu a ele uma rosa (“Pois quando tu me deste a rosa pequenina”).

Leia também: