Clássico

Saga de Augusto Matraga é revivida no cinema, com a presença de Geraldo Vandré

Filme dirigido por Roberto Santos em 1965, reexibido ontem, ganhou cópia restaurada

Montagem RBA
Montagem RBA
Cena com Leonardo Villar, protagonista de 'Matraga', restaurado e reexibido com a presença de Vandré: Guimarães Rosa na tela

São Paulo – Talvez o mais conhecido conto de Guimarães Rosa, A Hora e Vez de Augusto Matraga (publicado em Sagarana, de 1946) ganhou versão cinematográfica em 1965, com direção de Roberto Santos. Ontem (23) à noite, a concorrida exibição de cópia restaurada – no antigo Cine Bijou (hoje Bijou-Satyros), em São Paulo – incluiu debate e contou com a rara presença do autor da trilha sonora, o cantor e compositor Geraldo Vandré.

“Uma boa parte das cenas foi filmada com a música gravada antes”, contou Vandré, um dos homenageados pela Associação Paulista de Cineastas (Apaci). “Ou seja, eu fiz a música e a cena correu em cima. Isso é uma coisa que vale a pena anotar.” Entre as canções incluídas no filme, estão Réquiem para Matraga (incluída no recente Bacurau) e Rosa, Hortência, Margarida (também conhecida como Modinha) – que o próprio protagonista, Leonardo Villar, cantarola em uma cena.

A trilha e o longa

Outra homenageada foi a produtora Marília Santos, viúva do diretor. Ela contou que Roberto Santos escolheu Vandré após audição da música Fica mal com Deus, um dos clássicos do cantor paraibano. “Encaixou perfeitamente”, diz Marília sobre a relação entre trilha sonora e longa-metragem (Matraga ganhou nova versão em 2011).

O filme representou o Brasil no Festival de Cannes e conquistou os principais prêmios (Candangos) na primeira edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 1965. O professor da Universidade de São Paulo (USP) e ex-secretário de Cultura Carlos Augusto Calil aponta Matraga como um das obras-primas do cinema brasileiro.

Reverência e compreensão

“Os riscos de se adaptar um texto extraordinário são imensos”, observou Calil. Para ele, o diretor teve “a reverência precisa e com a compreensão profunda do projeto estético e ideológico de Guimarães Rosa”. A versão para as telas tem várias diferenças em relação ao conto. A cena final, por exemplo, é bastante diferente. Uma “traição a favor do conto”, diz Calil. “Roberto encerra com compreensão maior que o próprio escritor”, afirma o professor, que vê o texto de Rosa como uma parábola. “O filme é a história da redenção de uma pessoa. Não é místico, é transcendental.”

O texto tem participação do ator e diretor Gianfrancesco Guarnieri. A montagem foi feita por Silvio Renoldi, que se tornaria mais conhecido por seu trabalho em O Bandido da Luz Vermelha, em 1968.

Equilíbrio entre literatura e cinema

Matraga foi filmado em Diamantina (MG), assim como O Padre e a Moça (de Joaquim Pedro de Andrade, baseado em poema de Carlos Drummond de Andrade), no ano seguinte. Já sob o golpe e em lugar marcado pelo conservadorismo religioso, lembrou o pesquisador Inimá Simões, biógrafo de Roberto Santos. “Roberto ficou três, quatro meses conversando com Leonardo (Villar), que se impregnou daquele personagem. É um raro equilíbrio entre literatura e cinema que eu vejo no cinema brasileiro.”

Além de Leonardo Villar, que vinha do sucesso de O Pagador de Promessas (Anselmo Duarte, 1962), mas chegou a considerar Matraga como seu melhor trabalho, o elenco inclui Jofre Soares, Flávio Migliaccio, Maurício do Valle e Maria Ribeiro, entre outros. Mediadora do debate, a jornalista Maria do Rosário Caetano contou que a atriz, que no filme faz o papel de mulher do protagonista, acaba de completar 100 anos e vive na Suíça. Já Villar morreu em 2020, perto de completar 93 anos.

A Apaci está exibindo sessões semanais para promover o cinema paulista, em parceria com a Spcine, empresa municipal. Começou justamente com O Pagador de Promessas, no ano passado, em comemoração aos 60 anos da conquista da Palma de Ouro em Cannes. Estão previstos filmes e debates de obras como São Paulo, Sinfonia e Cacofonia e Sobre Anos 60 (documentários de Jean-Claude Bernardet) e Iracema, uma Transa Amazônica (Jorge Bodanzky e Orlando Senna, 1975). O projeto exibirá ainda Sargento Getúlio (adaptação do romance de João Ubaldo Ribeiro),com a presença prevista do ator Lima Duarte, de 93 anos.