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No dia internacional dos direitos humanos, movimentos apontam falta de democracia

Em ato do CNDH, representantes da sociedade falam em ataque a direitos, perseguição, violência, pobreza e desemprego

osé Cruz/Agência Brasil
osé Cruz/Agência Brasil
Alunos do Distrito Federal fazem painel para lembrar Declaração dos Direitos Humanos: longo caminho a percorrer

São Paulo – “Se números frios não tocam a gente/ Espero que nomes consigam tocar”, diz o refrão de Inumeráveis, canção de Chico César sobre versos de Bráulio Bessa em homenagem às vítimas da covid-19. A música abriu, nesta sexta-feira (10), ato público em defesa da democracia e dos direitos humanos. Para afirmar que o país está em dívida com ambos. Neste 10 de dezembro se celebra a aprovação, em 1948, da Declaração Internacional de Direitos Humanos.

“É um ato eminentemente político, no sentido mais radical do termo, de posicionamentos”, disse no início o presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), o defensor público Yuri Costa. Ele passou o cargo para Darci Frigo, da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca). Depois dele, falaram Domenica Bumma, representante da União Europeia, e Silvia Rucks, pela Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil.

Às avessas

“A partir desse lugar, do chão concreto das resistências, gostaria de expressar esse sentimento de que vivemos de certa forma uma democracia às avessas”, afirmou Ayala Ferreira, pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “Democracia é prima-irmã da liberdade e da efetivação dos direitos. E a impressão que eu tenho é que essa democracia não está plena”. acrescentou. Ela encerrou a fala declamando versos da canção Coração Civil (Milton Nascimento e Fernando Brant): “Quero a alegria, muita gente feliz/ Quero que a justiça reine em meu país”.

CNDH promoveu ato para cobrar dívida do país com os direitos humanos (Reprodução)

“Não há direitos humanos num ambiente que não há democracia, e não há democracia enquanto milhões de brasileiros não têm teto, passam fome e não têm o Estado garantindo os seus direitos essenciais, de saúde, educação, assistência social”, afirmou, em seguida, o presidente da Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam), Getúlio Vargas. Democracia, acrescentou, se garante com pressão. “Pra construir não políticas de governo, mas de Estado, pra garantir que aquilo que está na Constituição saia do papel e entre na realidade das nossas cidades.”

Reforma “perversa”

Pela CUT, Virginia Berriel, coordenadora de uma das comissões do CNDH, afirmou que “não existe direitos humanos com os ataques que trabalhadores e trabalhadoras sofrem todos os dias em nosso país”. Ou com uma reforma trabalhista “perversa, que tirou direitos imprescindíveis”. Ela citou o crescimento do desemprego e do número de pessoas passando fome no país. E se referiu ao fato de a maior parte dos acordos salariais, neste ano, não conseguir sequer reposição de perdas inflacionarias.

“Não pode existir democracia e direitos humanos com os ataques permanentes a jornalistas e radialistas da Empresa Brasil de Comunicação praticados por este governo”, disse ainda Virginia, citando ainda perseguição constante a profissionais da educação no país. Assim, é sobretudo “um ataque à classe trabalhadora, extremamente precarizada e violada em seus direitos desde a reforma trabalhista”.

Coletividade e resistência

“Nossa força emana da coletividade, da ancestralidade que nos acompanha e direciona na resistência”, afirmou Sandra Andrade, da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), que falou em “sombrios tempos” atuais. “Os povos indígenas vem sofrendo inúmeros ataques e violações de direitos que refletem na morte de crianças, povos isolados, não demarcação de terra. Fortalecer a democracia e os direitos humanos é defender os povos originários”, prosseguiu Dinamam Tuxá, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Pelo coletivo Enegrecer, Lucileine Souza falou em violência do Estado, especialmente contra os jovens, modelos de segurança pública e resistência. “A gente vai seguir colorindo os espaços, enegrecendo cada vez mais as universidades, as cidades, os conselhos”, afirmou. “Eles já vieram por barcos. Hoje vêm por avenidas, mas nós continuaremos resistindo, vivendo e colorindo esse país.”

Também foi esse, por sua vez, o tom do pronunciamento de Bruna Benevides, diretora da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Segundo ela, é preciso se posicionar contra o que se chama de “ideologia de gênero”, que é uma tentativa de criminalização. “Aprendemos a fazer política e podemos afirmar que não temos medo. Chegamos até aqui e seguiremos em busca dos nossos direitos e em defesa da democracia e do Estado laico.”


Confira a íntegra do ato público em defesa da democracia e dos direitos humanos