Quase 20 anos

Mesmo com demora, punição por chacina de Unaí traz segurança. Mas ameaças aos fiscais continuam

Para diretora do sindicato dos fiscais, poder econômico e político teve influência direta no processo. “As famílias querem virar essa página com sentimento de que os crimes cometidos contra seus entes queridos foram reparados e que não paira mais a dor da impunidade”

Sinait
Sinait
Os auditores-fiscais Eratostones, João Batista e Nelson e o motorista Aílton foram assassinados a tiros na manhã de 28 de janeiro de 2004

São Paulo – Na semana passada, uma notícia trouxe alento aos auditores-fiscais do Trabalho e famílias das vítimas da chamada chacina de Unaí (MG). A 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) acolheu recurso do Ministério Público Federal (MPF) e reformou a sentença imposta ao ex-prefeito Antério Mânica. A pena aumentou de 64 para 99 anos 11 meses e 4 dias. Além disso, o tribunal determinou execução imediata da pena e indeferiu o recurso da defesa, que solicitava novo julgamento.

A aguardada decisão traz alívio às famílias e aos colegas, afirma Rosa Maria Campos Jorge, diretora do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (Sinait). “As famílias querem virar essa página com sentimento de que os crimes cometidos contra seus entes queridos foram reparados e que não paira mais a dor da impunidade.”

Dois julgamentos

Rosa acompanha o caso desde o início. O crime completará 20 anos em 28 de janeiro. Três auditores e um motorista do Ministério do Trabalho foram executados em uma estrada vicinal em Unaí. Apontado como um dos mandantes, Antério Mânica foi julgado e condenado duas vezes pelo Tribunal do Júri. No segundo julgamento, em 27 de maio de 2022, ele foi condenado pelo crime de quádruplo homicídio, triplamente qualificado, por motivo torpe, mediante pagamento e sem possibilidade de defesa das vítimas. E para assegurar a impunidade de outro crime (descumprimento de direitos trabalhistas).

Considerado o “mentor” do crime, Antério está preso desde 16 de setembro. Além dele, José Alberto de Castro, acusado de contratar os executores. Já Norberto Mânica (irmão de Antério e empresário) e Hugo Alves Pimenta (contratante) seguem foragidos.

Afronta ao Estado

O poder econômico e político teve influência direta no processo, e isso ajuda a explicar a demora no cumprimento da pena, e tantas idas e vindas no processo judicial. Apesar disso, Rosa acredita que a punição “serve como alerta para os que porventura pensem em tentar afrontar o Estado por meio de seus agentes”.

O 28 de janeiro tornou-se Dia Nacional do Combate ao Trabalho Escravo (Lei 12.064, de 2009). Também passou a ser o Dia Nacional do Auditor Fiscal do Trabalho (Lei 11.905, do mesmo ano). Segundo Rosa, os cuidados no combate ao trabalho análogo à escravidão passaram a ser redobrados, mas as ameaças não cessaram. “É inevitável para os auditores-fiscais do Trabalho que fiscalizam in loco, e se deparam com empregadores truculentos e que não respeitam direitos dos trabalhadores e acham que estão acima da lei”, afirma.

Apenas neste ano, a fiscalização resgatou 1.443 pessoas de situação de trabalho análogo à escravidão. Desde 1995, quando os grupos móveis começaram a atuar, são 61.711.

A bandeira de Minas Gerais fala em liberdade ainda que tardia. No caso da chacina de Unaí, foi uma justiça tardia? Qual a sensação após essa recente decisão do TRF?
Sim, tardia e que deixou pelo caminho um forte sentimento de impunidade, em razão de tanta demora e tanta procrastinação. A Polícia Federal desvendou o caso em menos de seis meses, mas a prisão dos culpados veio apenas quase 20 anos depois. Isso é inexplicável.
Apesar de tudo, anulação de júri popular, redução de pena, ameaças às famílias, Norberto e Hugo Pimenta permanecerem foragidos, ainda consideramos que alcançamos parte do que esperávamos. Parte da punição já está se concretizando e é muito importante, principalmente, por Antério Mânica estar preso. Ele conseguiu inclusive que seu irmão assumisse toda a responsabilidade pelo crime, entre as diversas tentativas de ficar impune.

O crime da chacina de Unaí está para completar 20 anos. Por que todo esse tempo para concretizar uma condenação? Poder econômico, muitas possibilidades de recursos?
Sim, o poder econômico foi decisivo, pois contrataram equipes de vários advogados especialistas com honorários altos, que apresentaram muitos recursos ao longo de todos esses anos. Em muitos momentos esse poder econômico influenciou. Além do poder econômico, usaram também o poder político. O Antério Mânica foi eleito prefeito de Unaí duas vezes. Foi até mesmo homenageado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais.

A prisão dele traz algum tipo de alívio, especialmente para as famílias?
Certamente. As famílias querem virar essa página com sentimento de que os crimes cometidos contra seus entes queridos foram reparados e que não paira mais a dor da impunidade. Além disso, a punição exemplar serve como alerta para os que porventura pensem em tentar afrontar o Estado por meio de seus agentes. Para os auditores-fiscais do Trabalho, traz a segurança de que novas tentativas podem ser inibidas, mesmo com toda a demora da punição.

O que mudou desde então na fiscalização e no combate ao trabalho análogo à escravidão?
Os cuidados agora são redobrados. Há um protocolo de segurança sendo implementado e que deve ser observado por todos. Mas, outros casos de ameaças já ocorreram ao longo desses anos. É inevitável para os auditores-fiscais do Trabalho que fiscalizam in loco, e se deparam com empregadores truculentos e que não respeitam direitos dos trabalhadores e acham que estão acima da lei. O Sinait cobrou e ofereceu subsídios ao Ministério do Trabalho e Emprego, para a elaboração de um protocolo de segurança.
Apesar de todas as medidas adotadas para proteger os auditores-fiscais do Trabalho, o Sinait avalia que ainda há muito o que fazer para impedir que fatos tristes como a chacina de Unaí se repitam.


Leia também


Últimas notícias