Justiça da Bahia determina saída de quilombolas de Rio dos Macacos

Defensoria aguarda notificação para saber se juiz tomou decisão apesar de negociação com governo estar em curso. Área é disputada com a Marinha

Brasília – Embora esteja em curso uma negociação com o governo, a Justiça Federal determinou que, no prazo de 15 dias, os moradores do Quilombo Rio dos Macacos, na Bahia, desocupem a área. O quilombo fica próximo à Base Naval de Aratu, no município de Simões Filho, região metropolitana de Salvador. A área é reivindicada na Justiça, de um lado, pelas famílias de quilombolas, em oposição à Marinha do Brasil, que instalou uma vila militar no terreno.

A decisão de reintegrar a área foi tomada no dia 3 deste mês pelo juiz Evandro Reimão dos Reis, da 10ª Vara Federal Cível da Bahia, em sentenças idênticas proferidas sobre dois dos três processos que correm na Justiça sobre o assunto. No dia 31 de julho, os quilombolas haviam se reunido com setores do governo e firmado um acordo de diálogo, que incluía a suspensão da reintegração de posse.

Na reunião, a Advogacia-Geral da União (AGU) assumiu o compromisso de enviar à Justiça uma petição para suspender a ação de desocupação. De acordo com a AGU, três petições foram protocoladas na Justiça Federal no dia 1º deste mês, para que a reintegração de posse seja suspensa por 90 dias.

O advogado dos quilombolas, Maurício Correia, informou que as petições não tinham sido juntadas ao processo até a quinta-feira (9). Ele disse também que a notificação determinando a saída dos quilombolas ainda não foi recebida pela comunidade, nem pela Defensoria Pública da União, na Bahia, que representa os quilombolas na Justiça.

“Sabemos que o juiz emitiu a sentença e enviou para os oficiais de Justiça, mas a comunidade ainda não recebeu essa notificação”, informou o advogado. De acordo com Correia, a Defensoria Pública aguarda a chegada do documento para recorrer das sentenças no Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

“Caso fique provado que o juiz recebeu a petição da AGU e, mesmo assim, ordenou a reintegração de posse, isso será objeto de questionamento no recurso. Legalmente, ele teria que primeiro responder à AGU, antes de proferir a sentença”, explicou o advogado.

Na quarta-feira (8), os moradores da área tiveram acesso a uma cópia do estudo antropológico feito pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que reconhece a terra como remanescente de quilombo. O documento foi produzido pela regional do Incra na Bahia, mas ainda não foi publicado pela imprensa oficial do estado, nem pelo Diário Oficial da União, medida que daria valor legal ao relatório.

O acesso a essa cópia também fez parte do acordo firmado na reunião com o governo. Uma nova reunião deverá ser agendada ainda neste mês para continuar as negociações sobre a posse da terra.

Incra e Fundação Palmares

O governo decidiu incluir o Instituto de Colonização Nacional e Reforma Agrária (Incra) e a Fundação Palmares no processo que discute a posse da área do Quilombo Rio dos Macacos, na Bahia. De acordo com o chefe de gabinete da Secretaria-Geral da Presidência da República, Diogo Sant’Ana, as duas entidades, que reconheceram o território como remanescente de quilombo, devem se manifestar no processo informando a conclusão do estudo antropológico realizado.

“O Incra e a Fundação Palmares devem se manifestar no processo. Essas entidades vão tomar a iniciativa de informar à Justiça que há uma certificação e um relatório em curso, identificando que a área é coincidente entre a Marinha e o quilombo. Dessa forma, não cabe, no nosso entender, uma ação de reintegração de posse. O governo que evitar a todo custo que haja uma reintegração de posse forçada na região”, disse Sant’Ana.

Na opinião de Sant’Ana, a decisão da Justiça Federal, tomada no dia 3 deste mês, determinando a saída dos quilombolas da área, interfere de forma negativa nas negociações que estão em curso entre o governo e a comunidade que ocupa o terreno. “Essa decisão só prejudica os esforços que estamos fazendo para se chegar a uma solução consensual”, disse Sant’Ana.

Acordos cobrados

Segundo a advogada Joice Bonfim, da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais da Bahia (AATR), a comunidade espera uma reavaliação do juiz antes da decisão final. “O juiz deve levar em consideração, antes de qualquer coisa, a petição da AGU que solicita um novo prazo de suspensão do processo para que sejam finalizados os acordos feitos entre o governo e a comunidade”, disse.

Para a quilombola Rosemeire dos Santos Silva, isso mostra o conflito existente atualmente entre os setores do governo. “De um lado está a Marinha brigando pela área e de outro estamos nós, reconhecidos pelo próprio Incra. Essa situação precisa ser resolvida”, disse.

“O que dificulta a nossa defesa no momento é a publicação do relatório do Incra que temos cobrado arduamente. O governo precisa agir em relação a isso, nós não podemos ficar sempre nessa situação de insegurança”, disse Rosemeire.

“Se o pedido de reintegração for oficializado vamos recorrer a todas as instâncias possíveis e o governo vai ter que responder a esta situação porque será uma decisão passada por cima dos acordos feitos com diversos representantes de diferentes ministérios e da própria Secretaria Geral da Presidência”, afirmou Rosemeire.