direitos humanos

Jovens detentos enxergam prisões de SP como ‘faculdade’, diz pesquisador

Para Felipe Athayde Lins de Melo, autor do livro ‘As prisões de São Paulo’, alguns criminosos buscam nas penitenciárias oportunidades de reconhecimento

Penitenciária em Presidente Venceslau: espaço de iniciativas para construir relações no mundo do crime

São Paulo – Cerca de 65% da população carcerária do estado de São Paulo tem entre 18 e 36 anos. Muitos destes jovens detentos, no entanto, não enxergam a prisão como uma experiência negativa. Pelo contrário, diz o pesquisador do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos (Gevac), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Felipe Athayde Lins de Melo, “eles acreditam que passar pela prisão é uma forma de construir uma caminhada, ou seja, uma trajetória no crime”.

“A reclusão deixou de ser há muito tempo uma barreira na vida das pessoas. Passar pela prisão para boa parte dessa juventude é visto como chance de construir o que eles chamam de uma ‘caminhada’. Ou seja, se estou em um posto mais subalterno no crime, posso desenvolver algumas ações para ganhar reconhecimento. E no mundo do crime isso significa cometer algumas ações de oposição ao Estado, sobretudo às forças policiais. Neste contexto, ir à prisão é um caminho onde você, além de ganhar reconhecimento, constrói relações”, analisa o autor de “As prisões de São Paulo” (editora Alameda, 238 págs, R$ 40).

Embora muitos jovens criminosos enxerguem a prisão como ‘faculdade’ e também uma oportunidade de crescimento no mundo do crime, Athayde Melo destaca que o convívio no cotidiano das penitenciárias de SP é marcado pela tensão. Para exemplificar, ele relembra um episódio envolvendo presos em conflito com o Primeiro Comando da Capital (PCC), que foram transferidos provisoriamente para uma unidade que abrigava detentos por crimes sexuais.

“O convívio nas penitenciárias é marcado pela tensão diária. No livro, narro uma situação em que, para reconquistar o respeito do PCC, alguns presos promoveram um motim, decapitaram algumas cabeças e avançaram para um processo que é chamado de ‘tomar a cadeia’. Esse é o tipo de situação em que os presos são levados para lugares onde eles não deveriam estar, levantando a dúvida sobre qual é o motivo do Estado colocar esse tipo de preso – em conflito com a facção – na unidade prisional que recebe presos por crime sexual”, indaga.

Athayde Melo também narra situações em que, para desenvolver projetos educacionais dentro da penitenciária, foi necessário pedir autorizaçãopara os chefes do crime. Para o pesquisador, este tipo de negociação acontece diariamente nas prisões de São Paulo e quem faz a gestão desses processos não é o Estado. “A divisão dos espaços e das tarefas – que são negociações de tensão entre os presos – dentro das unidades prisionais é administrada pelo crime”, analisa

Em nota oficial, a SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) afirma “desconhecer os fatos relatados levianamente pelo pesquisador, que não condizem com a realidade do sistema prisional paulista”.

“Felipe Athayde Lins de Melo nunca teve autorização da SAP para realização de qualquer pesquisa. Sua atuação em presídios foi única e exclusivamente na área educacional, como servidor comissionado da Fundação “Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel”, diz a nota.

As prisões de São Paulo,

Felipe Athayde Lins de Melo, editora Alameda, 238 págs., preço: R$ 40

 

Confira a entrevista do pesquisador para a TV Opera Mundi: