Funai se diz ‘contrariada’ com portaria da AGU que restringe direitos de terras indígenas

Portaria estende a todos territórios indígenas decisão do STF sobre Raposa Serra do Sol, em Roraima; condicionantes proíbem ampliação de território e impedem ouvir indígenas sobre empreendimentos

Condicionantes do Território Indígena Raposa Serra do Sol serão estendidas a outros territórios depois de norma da AGU (Foto: Antonio Cruz/Abr)

São Paulo – A Fundação Nacional do Índio (Funai) divulgou nota hoje (20) na qual afirma ser contrária à edição da Portaria 303, da Advocacia-Geral da União (AGU), que estende para todos os processos demarcatórios, inclusive os já finalizados, a obrigação de que sejam observadas e cumpridas as condicionantes impostas para a demarcação da reserva de Raposa Serra do Sol, em Roraima.

As condicionantes definidas em 2009 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para aquele território proíbem a ampliação das áreas indígenas e colocam em xeque a consulta prévia aos povos originários sobre empreendimentos que as afetem. Esta possibilidade estaria aberta para obras consideradas “estratégicas” pelo Ministério da Defesa e pelo Conselho de Defesa Nacional, como estradas, hidrelétricas e unidades militares.

A fundação, que é vinculada ao Ministério da Justiça e é responsável por coordenar a política indigenista nacional, diz que a portaria restringe o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas. Esta questão se dá especialmente sobre os direitos territoriais ao adotar como parâmetro decisão não definitiva do STF para uniformizar a atuação da AGU.

No mesmo sentido, contrários à decisão da AGU, advogados e especialistas dizem que a decisão do STF diz respeito exclusivamente ao processo envolvendo a Raposa Serra do Sol e não pode ser estendida, semelhante à manifestação da Funai. “O Brasil é signatário de convenções internacionais que são muito explícitas dizendo que é obrigatória em qualquer caso de intervenção. E a portaria diz isso. Não precisa consultar. Se for para algo estratégico para a defesa nacional, um conceito abstrato, parecido com aquele conceito que tínhamos no Brasil anos atrás com base na segurança nacional, quando muita gente foi presa, que é um conceito autoritário na sua gênese e aqui está de novo”, lamenta Raul do Vale, do Instituto SocioAmbiental (ISA), em entrevista à Rádio Brasil Atual.

Polêmica

Para o Conselho Indigenista Missinário (CIMI), o governo manipula a decisão do STF, que diz respeito exclusivamente ao caso da Raposa Serra do Sol. Em nota, o conselho afirmou ainda que mesmo o caso desta reserva indígena ainda não transitou em julgado. “A real intencionalidade do governo ao editar a  portaria não é outra senão a de tentar estancar de vez os procedimentos de reconhecimento de demarcação de terras indígenas no país. Usando uma decisão do STF como subterfúgio. O governo, mais uma vez, ‘dobra os joelhos'”, diz a nota.

Segundo a AGU,a publicação da portaria visa apenas a regulamentar a atuação de advogados públicos e procuradores em processos judiciais que envolvam áreas indígenas em todo o país, “apropriando uma jurisprudência que o STF entendeu ser geral”. A Funai, no entanto, afirma que é “imprescindível” a revisão dos termos impostos pela portaria.