poucas chances

Refugiados enfrentam demora e custo elevado para revalidar diploma

Trâmites podem custar até R$ 20 mil e demorar pelo menos nove meses, segundo Centro de Pesquisas América do Sul-Países Árabes. “Assim, eles ficam com os cargos de menor remuneração”, diz diretor da entidade

Danilo Ramos/RBA

O camaronês Njtu Atifarq deixou a faculdade de Geografia e fugiu do grupo islamita nigeriano Boko Haram. Quer retomar estudos nos Brasil

São Paulo – Refugiados que chegam ao Brasil trilham um árduo e custoso caminho para conseguir revalidar diplomas de curso superior e de formação equivalente ao ensino médio junto ao Ministério da Educação (MEC). Os trâmites podem custar até R$ 20 mil, segundo a Biblioteca e Centro de Pesquisas América do Sul – Países Árabes (BibliAspa), instituição que tem apoiado refugiados em sua inserção acadêmica no Brasil.

“São poucas as universidades do país que fazem revalidação de diploma. O processo leva em média nove meses, mas em alguns casos demora muito mais. Os custos são elevadíssimos: variam de R$ 1.500 a R$ 20 mil”, afirmou o diretor da BibliAspa, Paulo Daniel Elias Farah, durante um seminário sobre refúgio e crise humanitária, realizado na última quinta-feira (5), na Universidade Católica de Santos (UniSantos). “Para se ter ideia, a maior autoridade síria em arqueologia está vivendo no Brasil e a UniSantos quer contratá-lo, mas não consegue, por causa da dificuldade de revalidar o diploma.”

Os que já estavam em universidade em seus países de origem e gostariam de seguir estudando tampouco conseguem equivalências de disciplinas nas universidades brasileiras. “As dificuldades são múltiplas e necessitam de uma solução unificada, que perpassa uma intervenção do MEC para elaborar políticas claras para revalidar os diplomas e a redução de custos. Os refugiados não têm condições de pagar nem o valor mínimo nesse processo, que chega a R$ 1,5 mil. É necessário menos burocracia e mais agilidade para a inclusão desses refugiados no ambiente acadêmico”, diz Farah.

Sem a possibilidade de atuar em sua área de formação ou de ingressar em uma universidade, os refugiados acabam sendo obrigados a ocupar os cargos menos remunerados, nos quais muitas vezes nem sequer têm experiência. “Não tem como ter uma vida normal se o estudo fazia parte do cotidiano dessas pessoas e ele deixou de existir. O exercício intelectual é fundamental para reflexão crítica, para o entendimento da própria identidade e para satisfação pessoal. Isso tem efeitos psicológicos e econômicos: como um refugiado vai se inserir no mercado de trabalho se a formação dele não é reconhecida?”, questionou.

O Brasil tem hoje 8.400 pessoas refugiadas de 81 países, de acordo com o último levantamento do Comitê Nacional para os Refugiados. A maioria deles é da Síria, seguida por Colômbia, Angola e República Democrática do Congo. O número de solicitação de refúgios ao governo brasileiro aumentou 22 vezes entre 2010 e 2014, de 1.165 para 25.996, de acordo dados do Ministério da Justiça, divulgados em junho. O país recebeu mais pedidos de refúgio do que a Austrália e quase a mesma quantidade do Canadá, sendo o mais solicitado da América Latina.

“De quem estamos falando? Os refugiados são pessoas que têm fundado temor de perseguição em função da sua etnia, opinião política, religião etc. Eles estão fora de seu país e não podem regressar, pois correm risco de morte”, definiu a professora da pós-graduação em Direito da Unisantos, Liliana Lyra, especialista em direito internacional. “O refugiado não sai para buscar melhor condição de vida. Ele sai porque lhe foi vetada a possibilidade de ser quem é. Muitas vezes são pessoas perseguidas pelo próprio Estado e a comunidade internacional precisa entrar em ação e garantir asilo a essas pessoas. O refúgio não protege bandidos, como dizem alguns. O refugiado é sempre a vítima.”

Apesar de a maioria dos refugiados chegar ao Brasil pelo Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, uma parte considerável chega em viagens clandestinas pelo Porto de Santos, que não são contabilizadas, como denunciou a advogada responsável pelo setor de proteção do Centro de Referência para Refugiados da Arquidiocesana de São Paulo, Larissa Leite. “As autoridades dizem que nenhum refugiado chega por Santos, mas na nossa sede já recebemos várias pessoas que fizeram viagens em navios cargueiros até o Brasil. Por que essas pessoas têm que ir até São Paulo para conseguir informações? O ideal seria construir um centro de referência aqui, no lugar de chegada.”

A Organização das Nações Unidas (ONU) considera que a crise humanitária vivenciada neste ano com os refugiados é a maior na história. “Foram 60 milhões de pessoas obrigadas a deixar sua residência. Delas, 20 milhões tiveram que atravessar a fronteira de seu país. Isso significa que uma em cada 125 pessoas no mundo foi obrigada a fugir da sua casa por uma situação de perseguição e violação de direitos humanos”, alertou o assistente de proteção do Alto Comissariado das Nação Unidas para Refúgio (Acnur), Vinicius Feitosa.