Time campeão

33ª seleção da Copa também é brasileira: conheça nosso time dos sonhos de cachaças

Envelhecidas em tonéis de umburana, carvalho, bálsamo, louro-canela e outras madeiras, as cachaças brasileiras formam um time bom de encarar

Da segurança das branquinha à complexidade das douradas, o time da cachaça brasileira bota o mundo num carrossel etílico

Aí vai chegando a copa, copa lembra taça, taça lembra uma tacinha de vinho do porto que é genial pra degustar uma cachacinha. O sujeito analisa o acervo, escolhe uma ou duas aguardentes e começa a refletir. A inspiração patriótica vai aquecendo o peito, imagina a cachaça entrando em campo, disputando e vencendo qualquer torneio mundial.

A cachaça tem mais recursos que qualquer outro destilado, é a mais plural, a mais preparada para surpreender as plateias mais exigentes. E tem recursos porque é múltipla, diversificada. Todos os destilados são envelhecidos no carvalho, mas a cachaça? ah! a cachaça incorpora as características de dezenas de madeiras, que outra bebida seria comparável?

E essa diversidade permite formar um time mais completo. Em todas as posições temos bons representantes. Cachaças mais defensivas, outras mais talentosas e ágeis, com repertório para um jogo bonito, cachaças que fazem a ligação com o meio campo, outras ainda que não são tão complexas, mas têm boa estatura e excelentes na finalização.

A essa altura o sujeito (ou os sujeitos, porque esse delírio sempre é solidário) já está formulando uma seleção dos estilos de cachaça. Cada madeira, uma posição. Segue então o nosso selecionado canarinho.

A seleção (de cachaças) dos sonhos

Na seleção de cachaças dos sonhos, a primeira a ser posicionada é a prata, a não envelhecida, a branquinha. Para a Branca daríamos a camisa 5, pois ela é a garantia técnica e moral do time, aquela que dá o combate antes que ameace a defesa e faz a bola chegar a todas as outras do meio campo. Eventualmente sobe ao ataque e até faz gol de fora da área ou de cabeça, mas não é esse o seu foco em campo. Claro que temos em mente grandes camisas 5, e não qualquer destruidor de ofício. Nem sempre será dada a sutilezas, seu sabor é mais básico, mais próximo de sua matéria prima. Terá que ser intensa, cheia de raça, detentora do espírito vibrante que inspire a paixão em todas as outras. De personalidade mais áspera, de repente pode revelar uma doçura sedutora e encantar com toques desconcertantes. Uma preferência: as branquinhas da Paraíba, de teor alcoólico alto e notas herbáceas, provavelmente pelo uso de canas mais verdes. Nem é preciso dizer que é ela quem leva o bracelete de capitã.

Ok, começamos bem. Vamos pensar o gol. Como todo técnico de seleção, não poderíamos abrir mão de suscitar alguma polêmica. Então o goleiro seria a cachaça envelhecida no Carvalho. Sabemos que muitos podem pensar que estamos colocando o maior craque da casa no gol, mas, com o perdão das idiossincrasias que nos permite o salário de centenas de milhares de euros, vemos diferente. O carvalho é uma madeira de evidentes qualidades, mas em se tratando de cachaça tende a agradar sobretudo aos paladares mais conservadores. É a cachaça “que parece whisky” ou “que é quase um cognac”. Então é uma posição mais internacional, em que a qualidade dos fundamentos é mais importante que a identidade própria, sem deixar de ter autoconfiança e certa complexidade de recursos. O internacional carvalho fica muito bem no gol.

Na zaga, vamos simplificar. Os camisas 3 e 4 são Amendoim e Freijó, duas madeiras que emprestam pouca característica à cachaça, quase não colorem e mais amaciam do que acentuam ou temperam o paladar. Fica talvez menos brilhante e intensa, aparece um pouco menos, só que também são cachaças mais seguras a um paladar menos escolado, pois as madeiras controlam a acidez. Podem até fazer gol, mas não estão ali pra isso.

Pensando nas laterais, precisam ser cachaças com certa qualidade, mas de aroma menos abrangente, têm que ser focadas e saber ocupar a sua região do campo. Na lateral direita está a cachaça no Ipê. Nem sempre é fácil encontrar uma qualificada, a branquinha usada para o envelhecimento tem que ser muito boa. Se bem produzida, terá recursos ofensivos importantes para dar equilíbrio ao time e criar alternativas quando o meio-campo estiver muito congestionado. Já para a camisa 6: Jequitibá Rosa. É mais craque que o Ipê, sem dúvida, e tenderá a apoiar mais o ataque, podendo eventualmente compor o meio-campo. Nessas ocasiões, vai se aproximar para toques de bola ágeis, escapar em arrancadas e cruzar perigosamente, pois na verdade é uma cachaça com um foco claro, mas que às vezes lembra as meio-campistas, com certa doçura e, dependendo do acompanhamento, pode fazer surgir uma complexidade inesperada.

Chegamos ao meio-campo, o território que gostamos de considerar como brasileiro por excelência. E não faltam opções para o plantel. Creio que todas aqui, como uma característica da cachaça arte, combinam virtuosamente os aromas adocicados, defumados ou adstringentes da madeira com a doçura ferruginosa que provém da própria cana, ao mesmo tempo que trazem frequentemente notas de especiarias. Vamos colocar três madeiras que poderiam perfeitamente se alternar nas principais posições do meio-campo ofensivo: castanheira, umburana (ou cerejeira) e bálsamo (ou cabreúva). Um verdadeiro carrossel etílico, uma amarelinha mecânica envolvente, imparável.

Vamos lá. Com a camisa 8, nosso time tem a Castanheira. Seu jogo leve, com boa movimentação por diferentes aromas, como coco e nozes, além de especiarias e eventualmente até frutas vermelhas, são garantia de uma boa distribuição da bola, com criatividade e qualidade, sem deixar de ter personalidade. A castanheira já foi chamada de “carvalho brasileiro”, pela similaridade com a madeira europeia, só que ela fala mais à torcida por sua identificação nacional e, talvez, por ser mais suave. Aqui então é onde começa a armação de ataque.

Optamos por dar a camisa que mais pesa, a 10 de Pelé e Zico, para a Umburana. Com a umburana, a sensação é a de estar diante da cachaça em si, a cachaça por excelência, a arquicachaça. Filosoficamente falando, a umburana é quando aparência e essência se confundem a ponto de se igualarem. Ela é doce, com notas de cravo e canela, às vezes também de especiarias, suavemente picante, e seu aroma remete às antigas casas de fazenda. Mas não compete com o aroma e sabor da cana.

Com a 7, como um meia atacante, o Bálsamo. Essa madeira encanta a tal ponto, principalmente com algumas de suas mais célebres representantes, que é até difícil falar sobre ela. Seus aromas e sabores lançam para além do universo esperado da cachaça, poderiam lembrar um néctar de doce de leite, ou a memória de uma liga metálica difícil de identificar mas incrível de saborear. É complexa, conta histórias inusitadas ao paladar, qual fossem dribles desconcertantes e improváveis que levam ao gol pelo caminho mais direto, mas que só os gênios são capazes de vislumbrar. A rigor, poderia vestir a camisa 10, mas aí cabe ao técnico optar, tem que tomar essa árdua decisão.

Um atacante que também poderia figurar no meio-campo é o Louro-canela, a quem oferecemos a camisa 11. Pode se assemelhar à umburana ou ao bálsamo, o que não é nenhum demérito, convenhamos, mas nem por isso perde sua personalidade. Sabe decidir sem chamar toda a atenção para si, um jogador que todo técnico quer no seu time.

E com vigor físico, estatura, arranque e excelente finalização, a Garapeira completa o elenco com a camisa 9. Como o nome diz (e talvez isso seja mera coincidência), a cachaça nesta madeira realça características que lembram o caldo da cana, aquele sabor um tanto ferroso, quase sanguíneo, que dá uma ideia do que vai nos olhos de um matador.

É preciso admitir que esse exercício de abstração da madeira pela madeira é bem questionável. Na real, praticamos a omissão: para cada posição estamos pensando em uma, no máximo duas cachaças como referência, mas não vamos contar quais são porque não é a proposta. Também evitamos os blends de diferentes madeiras, que nos forneceram algumas das melhores cachaças da atualidade, pois senão as opções do treinador se multiplicariam ao infinito.

E aí, quem é que vai encarar!?