Repercussões da violência no caso Pinheirinho

A violenta ação de reintegração de posse do terreno de cerca de 1 milhão de metros quadrados da favela do Pinheirinho, em São José dos Campos (SP),  onde viviam desde […]

A violenta ação de reintegração de posse do terreno de cerca de 1 milhão de metros quadrados da favela do Pinheirinho, em São José dos Campos (SP),  onde viviam desde 2004 cerca de 6 mil pessoas, levada a cabo pelas bombas de gás e balas de borracha da Polícia Militar na manhã do último domingo (22), gerou manifestações contrárias em toda a parte. Juristas, analistas políticos, movimentos sociais e urbanistas atacaram os abusos cometidos pela polícia com o aval do governo de São Paulo, da prefeitura de São José dos Campos e da Justiça Estadual.

Antes da ação, uma série de negociações envolvendo goiernos federal, estadual e municipal, moradores e entidades da sociedade civil chegaram a um acordo para evitar a reintegração e construir uma saída pacífica para as famílias no local. Duas liminares foram concedidas pela Justiça Federal suspendendo a reintegração, mas foram ignoradas pela Justiça Estadual. Esta Rede Brasil Atual fez excelente cobertura a respeito, compilada nesta página. Destaco aqui outras manifestações relevantes.

O blogueiro Idelber Avelar, da revista Fórum, faz um resumo do caso, que considera “uma espécie de catálogo da história do Brasil, com todos os componentes que vemos reiterados, uma e outra vez, ao longo dos anos”. Entre eles, a ação do Estado em defesa de grandes interesses privados (no caso, da massa falida de uma empresa do megaespeculador Naji Nahas) e inação do mesmo aparato estatal, aqui incluída e destacada a participação do Judiciário, na defesa dos mais pobres.

Na Agência Carta Maior, a analista política Maria Inês Nassif destaca duas explicações para “a truculência, a desumanidade, a destituição do direito de cidadania aos pobres pelo poder público paulista” tanto no caso Pinheirinho quanto no Projeto Nova Luz, cuja violência chegou ao máximo com a ação policialesca na chamada Cracolândia. A primeira explicação, diz ela, “é tão clara que até enrubesce. Trata-se de espantar o rebotalho urbano de terrenos cobiçados pela especulação imobiliária.” A segunda é de ordem ideológica e demonstra a consolidação da guinada à direita pelo PSDB nos últimos anos, especialmente em São Paulo, com a morte de Mario Covas, a ascensão de Geraldo Alckmin, que nunca negou seu conservadorismo, e a aliança de José Serra com setores reacionários durante a campanha eleitoral de 2010.

Uma atitude surpreendente foi tomada pelos cineastas Juliana Rojas e Marco Dutra, diretores do filme Trabalhar Cansa,vencedor do Prêmio Governador do Estado para Cultura 2011, da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, na categoria Cinema. No discurso de agradecimento, os dois leram uma “Moção de repúdio à política do coturno em Pinheirinho”, com cerca de três minutos, denunciando os episódios deploráveis ocorridos na USP, na Cracolândia e no caso de São José dos Campos. O blogue Vi o Mundo publicou o vídeo da leitura e a transcrição do manifesto, que traz trechos contundentes: “De um lado, bombas, armas, gases, helicópteros, tropa de choque. Do outro, dois revólveres apreendidos. Não há notícia de que tenham sido usados. Uma praça de guerra é instalada – numa batalha em que um exército ataca civis.”

Em seu blogue, a urbanista e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada Raquel Rolnik, liga a violência nos casos do Pinheirinho, Cracolândia e na Universidade de São Paulo, quando 73 estudantes foram presos por protestar contra a ação da PM no campus. “Os três eventos envolvem conflitos na gestão e ocupação do território. Os três são situações complexas, que demandariam um conjunto de políticas de curto, médio e longo prazo para serem enfrentados. Os três requerem um esforço enorme de mediação e negociação. Entretanto, qual é a resposta para esta complexidade conflituosa? A violência, a supressão do diálogo, o acirramento do conflito.” Ela destaca ainda que as acusações de suposta “ilegalidade” nas ações dos manifestantes (ocupação de terra/uso de drogas) “é motivo suficiente para promover todo e qualquer  tipo de violação de leis e direitos em nome da ordem, em um retrocesso vergonhoso dos avanços da democracia no país.”

A filósofa Marilena Chauí considera fundamental que uma verdadeira democracia vá além da garantia de direitos já previstos em lei. Para ela, a democracia se define pela possibilidade de construir e conquistar novos direitos na luta social. Não convém, então, acusar de “ilegal” a ocupação do terreno no Pinheirinho por famílias sem teto – direito fundamental previsto na Constituição – ou qualquer outro método de luta não violento empregado por movimentos sociais. Essas ações são parte da luta pela construção de novos direitos e assim devem ser tratadas se quisermos considerar nosso país uma verdadeira democracia.