Trabalho informal

Plano para comércio ambulante tenta garantir direitos e resolver disputa judicial

Organização vai apresentar projeto, em dezembro, à gestão de Fernando Haddad, que vem travando discussão devido a coalizão, Copa do Mundo e pressões do mercado imobiliário

Rodrigo Capote/Folhapress

O documento trabalhará sobre gestão, planejamento urbano, participação popular, legislação e fomento à atividade

O comércio ambulante foi um alvo preferencial da gestão de Gilberto Kassab (PSD) na cidade de São Paulo. Depois de uma escalada de ações intimidatórias contra os camelôs a partir de 2009, todas as licenças concedidas pela prefeitura foram cassadas de uma vez em 2012. Alguns ambulantes voltaram a trabalhar por força de liminar judicial, mas o imbróglio ainda se arrasta e parece longe do fim. Dos cerca de 138 mil ambulantes da cidade, apenas 1,9 mil conseguiram as licenças liminares.

Há uma percepção geral de que o comércio ambulante traz problemas para a cidade e deve mesmo ser reprimido. Camelôs ocupam calçadas e atrapalham o fluxo de pedestres, já naturalmente difícil em uma cidade com calçadas mal cuidadas. Além disso, o escândalo da Máfia dos Fiscais, na gestão Celso Pitta (1998), mostra que a atividade dá margem para a ação de agentes públicos corruptos, que cobram propina para permitir que os ambulantes permaneçam nas ruas.

Por que então defender a existência desse tipo de trabalho? Qual a função social desse tipo de atividade? Essas questões não têm resposta consolidada pois o assunto ainda é objeto de disputa política. O trabalho é um direito, mas seu exercício em local público não é garantido. Apesar dos problemas que eventualmente possam trazer, os ambulantes são reflexo da desigualdade social e econômica da cidade. Sem acesso ao mercado de trabalho formal, essas pessoas encontram no comércio ambulante uma maneira de garantir renda e sobreviver. Como trabalham em condições precárias, com ameaça de perseguição e sem quaisquer direitos trabalhistas, é improvável que consigam outra alternativa de subsistência. Aliás, há uma ligação íntima entre a precariedade de trabalho e de moradia, de acordo com Luciana Itikawa, coordenadora do projeto Trabalho Informal e Direito à Cidade no Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos. “A maior parte dos moradores despejados na cidade de São Paulo são trabalhadores informais”, afirma ela. “É um círculo vicioso: a informalidade no trabalho impede o acesso à terra”, completa.

Dado esse contexto, é possível advogar a favor da ideia de que permitir que esses trabalhadores ocupem as calçadas para trabalhar. No julgamento do pedido de liminar para a volta dos ambulantes ao trabalho, essa tese foi defendida pelo Judiciário em duas oportunidades no caso das licenças cassadas.

A questão dos problemas práticos do trabalho ambulante, no entanto, permanece. O transtorno à ordem pública foi, aliás, a motivação oficial para a cassação das licenças. Os próprios ambulantes reconhecem que há muito o que melhorar no dia-a-dia. Para equacionar esse problema, uma das determinações da Justiça foi que prefeitura e ambulantes trabalhassem juntos para melhorar as condições de trabalho e de ocupação da cidade. Em seis meses um plano conjunto deveria ser apresentado. Só que essa determinação não foi seguida. A prefeitura, já em 2013, sinalizou a vontade de trabalhar o tema. Apesar de as reuniões estarem acontecendo, apenas quatro encaminhamentos foram feitos: regularização de uma parte dos ambulantes, discussão da composição de um Conselho do Comércio Ambulante, reativação das Comissões Permanentes de Ambulantes e Fiscalização da atividade.

Para Luciana Itikawa, a hesitação da administração Haddad tem três motivos. “A primeiro é a dificuldade em lidar com esse tema dentro da coalizão de governo, que conta com partidos resistentes a essa temática”, afirma. Outra questão é a realização da Copa do Mundo. Por força de lei, não pode haver comércio ambulante perto dos locais de jogos. A terceira questão é a lógica da valorização imobiliária que rege a cidade e não combina com o trabalho ambulante. “Os imóveis do Largo da Concórdia, por exemplo, tiveram uma valorização de 143% depois que os ambulantes foram impedidos de trabalhar no local”, explica Luciana.

Plano para o comércio ambulante

Para não deixar a oportunidade passar, o Centro Gaspar Garcia juntou os ambulantes e redigiu um plano de ação para o setor, que será apresentado à prefeitura no início de dezembro. O documento traz sugestões de ação em seis grandes temas: gestão, planejamento urbano, participação popular, legislação e fomento à atividade.

Há mais um motivo para resolver com rapidez a cassação das licenças. O escândalo da Máfia dos Fiscais provocou uma ação do Ministério Público contra a prefeitura, que exigia que a administração municipal exercesse sua função de fiscalizar o comércio ambulante na cidade e impedir o trabalho daqueles que não possuem licença. Mas a tramitação dessa ação demorou anos e a decisão final só saiu em 2013 – 15 anos depois da eclosão do esquema. A sentença diz que a prefeitura deve inibir os ambulantes ilegais, sob pena de multa diária. Por isso, as Operações Delegadas contra os ambulantes continuam na cidade, o que vem causando mais problemas para os camelôs.

O Centro Gaspar Garcia está organizando o seminário Trabalho Informal e Direito à Cidade, aberto ao público, para debater a questão dos ambulantes. O evento será no dia 30 de novembro, a partir das 8h, no Sindicato dos Engenheiros (Rua Genebra, 25, Bela Vista).

O prazo para prefeitura e ambulantes apresentarem uma proposta para a Justiça vence em dezembro. Acolher as necessidades desse grupo de trabalhadores mostrará a boa vontade da atual administração em relação aos problemas sociais da cidade. É mais um teste para Haddad mostrar se veio para um governo de esquerda ou para um de coalizão a qualquer custo.