Filme ‘O Artista’ usa metalinguagem e esbanja amor pelo cinema

Cena de ‘O Artista’, filme francês que homenageia o próprio cinema (Foto: ©Divulgação) Exatos 100 minutos do mais puro deleite e manifestação de amor à sétima arte. Assim é “O […]

Cena de ‘O Artista’, filme francês que homenageia o próprio cinema (Foto: ©Divulgação)

Exatos 100 minutos do mais puro deleite e manifestação de amor à sétima arte. Assim é “O Artista”, que presta uma justa homenagem ao cinema, voltando a um período já bastante retratado, que é o da passagem do cinema silencioso para o sonoro, aqui embalado por uma comovente história de amor. Dirigido pelo francês Michel Hazanavicius, o filme se tornou o grande “papa prêmios” da temporada.

Vencedor de melhor ator no festival de Cannes e de três categorias do Globo de Ouro, ele está indicado a 10 Oscars, incluindo melhor filme, diretor, ator, atriz coadjuvante e roteiro original, e estreia nessa sexta-feira, 10 de fevereiro, nos cinemas brasileiros.

Em 1927, George Valentin, interpretado com maestria por Jean Dujardin, é um famoso ator de cinema mudo, adorado pelas fãs e que vive na capa dos jornais. Ao fazer poses na porta do teatro onde estreia um filme estrelado por ele, o ator não nota a presença da jovem Peppy Miller, a linda e excelente Bérénice Bejo, que, desajeitada, se esbarra no galã, que sabe tirar proveito da situação e aparece em várias fotos ao lado da garota. Aproveitando o momento de celebridade, Peppy Miller vai ao estúdio cinematográfico e, demonstrando os dotes de dançarina, numa época em que os musicais começavam a viver a época de ouro, obtém uma chance, justamente pelas mãos e pés de Valentin.

Nesse momento, o filme segue exatamente a estrutura dos antigos filmes mudos, com as cenas intercaladas pelas telas pretas com os diálogos em branco. Algo que pode provocar estranheza num público acostumado com muita falação e pouco conteúdo, mas rapidamente o conquistará em função da riqueza da narrativa e da linguagem cinematográfica adotada. Nesse momento, há muitas homenagens, principalmente a antigos atores como Douglas Fairbanks, Errol Flynn e Marilyn Monroe. Enquanto Valentin tem os mesmos trejeitos e o bigodinho maroto dos dois primeiros, Peppy é convencida por ele a criar com um lápis uma pinta falsa acima da boca, exatamente como a marca famosa da “loira fatal”.

Porém, enquanto a carreira de Peppy cresce vertiginosamente rumo ao sucesso, a trajetória de Valentin vai por água abaixo com a passagem do cinema silencioso para o sonoro. É nesse momento que chama a atenção a excelente atuação do veterano John Goodman, que interpreta o magnata do cinema All Zimmer. Para entender a riqueza desse personagem, só mesmo lendo o clássico “O Gênio do Sistema”, de Thomas Schatz, que analisa a consolidação da indústria cinematográfica nos Estados Unidos, com a política dos grandes estúdios. 

Uma das cenas mais bonitas e marcantes é aquela em que Valentin começa a escutar o som dos objetos e até do latido do seu inseparável cachorrinho. Porém, ele não desiste do filme silencioso e investe todas as economias num projeto próprio, que acaba apagado pelo sucesso de mais uma produção estrelada por Peppy Miller. Sua vida então vem abaixo – perde a esposa, não consegue mais trabalhar e é obrigado a vender todos os objetos pessoais. Porém, a agora famosa atriz não se esquece do ator, por quem é grata e apaixonada. Os dois voltarão a se aproximar num final que remete aos grandes clássicos do cinema norte-americano dos anos 1930 e 1940 e também aos incríveis musicais da Metro.

O momento retratado por “O Artista” não é uma novidade. Longe disso. O clássico “Cantando na Chuva”, dirigido por Stanley Donen e Gene Kelly, em 1952, já fizera algo parecido e até mais eficiente. Mas esse filme francês tem conquistado público e crítica por, em plena era da comunicação instantânea, das redes sociais e dos filmes em 3D, voltar às origens do cinema e retrabalhar as linguagens desenvolvidas naquele período, num delicioso e comovente exercício de metalinguagem.

Abaixo, uma lista de cinco filmes indispensáveis que tratam do universo cinematográfico, mesmo tema de Os Artistas.

1 – Cantando na Chuva (Singin’ in the Rain). Direção: Stanley Donen e Gene Kelly. 1952

Esse clássico musical retrata, de modo muito bem humorado, o ambiente dos grandes estúdios no momento da mudança do cinema silencioso para o sonoro. A passagem da atriz tentando se adaptar ao microfone é uma obra-prima.

2 – Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard). Direção: Billy Wilder. 1950

Trata-se de um drama vivido pela atriz decadente do cinema silencioso, Norma Desmond, numa atuação soberba de Gloria Swanson, que tenta atrair um roteirista para o seu mundo de fantasia, no qual acredita fazer um retorno triunfante às telas de cinema.

3 – A Noite Americana (La Nuit Américaine). Direção: François Truffaut. 1973

Mostra a tentativa do cineasta Ferrand em realizar o filme “Je vous presente Pamela”, tendo que lidar com os dramas dos atores e com os imprevistos surgindo sem parar ao longo de todo o processo. É uma verdadeira aula de como é um set de filmagem.

4 – A Entrevista (Intervista). Direção: Federico Fellini. 1987

Um falso documentário mostra supostamente Federico Fellini dirigindo um próximo filme na Cinecittá e sendo entrevistado por uma rede de televisão japonesa, quando começa a lembrar de seus sonhos e do “tempo de ouro”. Um dos momentos mais sublimes é a participação de Marcelo Mastroianni e Anita Ekberg, os protagonistas do clássico do cineasta italiano, “A Doce Vida”.

5 – Hollywoodland Bastidores da Fama (Hollywoodland). Direção: Allen Coulter. 2006

Estrelado por Adrien Brody, Ben Affleck e Diane Lane, o filme mostra um detetive investigando o suicídio do ator protagonista da série “Superman”. Mostra, literalmente, os bastidores da fama e dos sets de filmagem.

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