Leila Pinheiro busca raízes amazônicas em novo álbum

Uma voz diz palavras num idioma irreconhecível, em meio ao som de pássaros e de instrumentos musicais. O título da canção traduz perfeitamente esse cenário: “Entrando na Mata”, composta por […]

Uma voz diz palavras num idioma irreconhecível, em meio ao som de pássaros e de instrumentos musicais. O título da canção traduz perfeitamente esse cenário: “Entrando na Mata”, composta por Paulo Calazans, que toca teclados e programações e, junto com Marco Bosco (percussão, efeitos e programações), é o produtor do novo álbum da cantora Leila Pinheiro, “Raiz”.

Os sons da floresta e dos rituais indígenas foram gravados em setembro de 2010, na comunidade ribeirinha Nossa Senhora do Livramento, RDS Tupé em Manaus (AM), por Seigen Ono, usando o mais avançado sistema portátil de captação de áudio.

Outra canção que simboliza muito bem a proposta do trabalho e dialoga diretamente com “Entrando na Mata” é “Belém em Mim”, de Nilson Chaves e Ana Terra (famosa compositora de clássicos como “Amor Meu Grande Amor”): “Às vezes eu sonho com belos lugares / Caminho por eles que sonham existir / Acordo e percebo na luz da manhã / Belém é um sino eterno tocando em mim”. A dupla de compositores retorna em “Toque”, que conta com os vocais de Nilson Chaves.

Nascida em Belém, do Pará, em 1960, Leila Pinheiro tornou-se famosa pela nova roupagem que forneceu às canções da Bossa Nova, num trabalho desenvolvido com o auxílio precioso do produtor, músico e compositor Roberto Menescal. Filha do gaitista Altino Pinheiro, ela se volta agora para suas origens nortistas, valorizando principalmente a variação de ritmos e estilos.

É o que se percebe na dançante e contagiante “Canto de Atravessar”, de Márcio Montoni e Jorge Pimentel, que termina com um arrasador canto à capela: “Vem morena, vem de Carnapijó / Vem mostrar pra gente como se dança o carimbó / Quero te ver morena, quero que venha só / Pra dançar o tipiti e também o carimbó”. No encarte, há um glossário, onde se explica, por exemplo, que carimbo é uma dança de roda típica do Pará e da Ilha de Marajó.

O álbum segue com o forte canto de Zeneida Lima na própria composição “Eu Agradeço ao Céu”. Ela também é a compositora das doces “Olha o Mar”, “A Lua” e “Nosso Ar”: “Vamos, minha gente / Dar um grito de alerta / Defender a nossa mata / Proteger nossa floresta”. Outro compositor presente no álbum é Eliakin Rufino, que faz um dueto com Leila Pinheiro no rap suingado “Ditados Impopulares”. O regionalismo comparece ainda na espécie de vinheta instrumental minimalista “Karisú Muracé”, de Marco Bosco, marcada pela flauta e cocar indígenas.

“Raiz” conta com muitas baladas suaves, caso de “Longe Perto”, de Nilson Chaves e Joãozinho Gomes: “Toda vez que eu viajar / É sinal que estou aqui / E quando estiver por lá / Quer dizer: nunca parti / A vontade de voltar / Não impede a de seguir / E por onde quer que eu vá / Estarei vivendo em ti”. O mesmo clima intimista segue na graciosa “Guará Vermelho”, de Vital Lima, que fornece outra visualização da região do norte brasileiro: “E me abraça com aquela força dos guias / Com aquela força das chuvas que caem em Belém / E ainda assim meu coração estará longe / Preso no espelho de algum bumbá que finge morrer / Preso nas asas de algum guará vermelho / Voando alto por aí onde tu possas ver”.

Vital Lima é também o compositor de “Tempo Destino”, parceria com Nilson Chaves e que conta com a beleza cristalina e romântica da harmônica de Luis Pardal: “Há entre o tempo e o destino / Um caso antigo, um elo, um par / Que pode acontecer, menino / Se o tempo passar? / Feito essas águas que subindo / Forçaram a gente a se mudar / Que pode acontecer, meu lindo / Se o tempo não passar?”. Outra parceria de Nilson Chaves e Vital Lima é a romântica “Flor do Destino”.

O álbum termina estabelecendo contato com os trabalhos mais conhecidos e apreciados de Leila Pinheiro – a Bossa Nova –, mas sem perder o contato com a natureza, uma vez que poucos a cantaram e tocaram de modo tão intenso quanto Tom Jobim. É o que se comprova nas lindas “Domingo Azul do Mar”, composta com Newton Mendonça, e “Sempre Verde”, versão em português de Paulo Jobim e Daniel Jobim para canção composta por eles com, respectivamente, o pai e o avô: “Nosso planeta precisa carinho / De muito ar puro e riacho clarinho / Vamos deixar nossa Terra viver / Deixa o mato verde florescer / Mas tudo que ficou foi um deserto / Veneno nas lagoas e no mar / A vida acabada para sempre / Uma dia vamos ter que perguntar onde está”.

Em “Raiz”, Leila Pinheiro estabelece um contato vital com suas origens, mas sem abrir mão do trabalho desenvolvido anteriormente, mas adotando um discurso em defesa das belezas da natureza e dos povos indígenas. Trata-se, portanto, de um mergulho profundo e prazeroso nas matas brasileiras e que pode ser ouvido tanto por quem estiver só a fim de relaxar com boa música brasileira, como por quem tiver interesse histórico e antropológico pelo canto mais genuíno de nosso povo.

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