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Depois de liberar R$ 10,8 bilhões em ‘pedaladas’, Temer escreve para Dilma

Oposição vai pedir ao Tribunal da Contas da União uma investigação sobre os atos assinados pelo vice que, estranhamente, esta semana queixou-se de ser apenas 'decorativo'

Rose Brasil/ABr

Em termos bem populares: ficou feio a carta do vice-presidente, Michel Temer (PMDB-SP), em que ele resmunga ter se sentido “vice decorativo” no primeiro mandato ao lado da presidenta Dilma Rousseff. A primeira pergunta que se faz é óbvia: se estava insatisfeito então por que se candidatou à reeleição como vice por mais quatro anos?

“Se ele era um vice decorativo, por que desejou manter a aliança em 2014? Temer fez de tudo para manter aliança com Dilma em 2014”, questionou o líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani.

Em tempo: Picciani não é mais o líder peemedebista entre os deputados federais

Quem está insatisfeito mas se candidata à reeleição, aparentemente está premeditando dar o golpe, convenhamos. Senadores mostraram descontentamento com as reclamações feitas por Temer porque, avaliam, elas demonstram propósitos pessoais, em vez de em prol do partido. Senadores que conversaram sobre a carta com Renan Calheiros (PMDB-AL), afirmam que o presidente do Senado a classificou como “infantil e despropositada”.

Mas o que chama mesmo atenção em mais uma lambança da política nacional, é uma matéria do jornal O Estado de S. Paulo. Segundo a publicação, entre novembro de 2014 e julho de 2015, Michel Temer assinou, no exercício da Presidência, sete decretos que abriram crédito suplementar de R$ 10,807 bilhões, mesmo num cenário de crise econômica e queda na arrecadação.

A prática é a mesma que a presidenta adotou e que faz a oposição a acusar de “pedaladas fiscais”. Mais que isso, são o principal pretexto para o pedido de impeachment aberto contra a Dilma na Câmara.

Os decretos assinados por Temer somente em 2015 apresentaram um volume três vezes superior aos de Dilma. Foram quatro decretos editados por ele neste ano: um em 26 de maio, liberando R$ 7,28 bilhões; e três em 7 de julho, que abriram crédito suplementar, de pouco mais de R$ 3 bilhões, ao todo.

Quando assinou os decretos em 2015, o governo ainda não havia enviado ao Congresso Nacional o projeto que reduzia a meta fiscal do ano. Os quatro decretos não numerados assinados pelo vice foram publicados antes de 22 de julho, quando o governo propôs a alteração de meta, que só seria alterada em outubro e aprovada na semana passada. O parecer que pede impeachment, no entanto, somente cita os decretos assinados por Dilma.

Diante disso, a oposição vai pedir ao Tribunal da Contas da União (TCU) uma investigação sobre os atos assinados por Michel Temer. Os decretos foram assinados por Temer antes da aprovação, pelo Congresso, da mudança da meta fiscal. Tanto em 2014 quanto neste ano, o vice os editou em períodos em que Dilma estava fora do País, em viagens oficiais internacionais.

A discussão do momento é se as “pedaladas” podem derrubar Dilma. A Lei do Impeachment, de 1950, determina que um presidente estará sujeito à cassação se “ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal” caso em que foram enquadradas as “pedaladas”.

No entanto, a Constituição de 1988 menciona apenas “crime de responsabilidade contra a lei orçamentária” sem especificar quais são as infrações passíveis de punição. Para o governo, a presidenta não pode ser responsabilizada pelo que considera ser apenas uma peça contábil. Oposicionistas defendem que ela violou a lei orçamentária. Qualquer que seja a tese vencedora, no entanto, ela deverá ser aplicada também ao vice-presidente.

Voltando à carta

Peemedebistas reclamaram que, em sua queixa por escrito a Dilma, Temer só demonstrou preocupação com os empregos de amigos do peito, como os ex-ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco. A oposição também bateu duro. “A carta foi uma demonstração de fisiologismo puro”, atacou o tucano Cássio Cunha Lima.

Além do mais, há alguns “pontos soltos” neste episódio.

Primeiro deles: como a carta vazou? Dificilmente alguém com a experiência de Temer a teria escrito sem saber que vazaria. Temer parece ter vislumbrado uma possibilidade de justificar o seu interesse político neste momento, em que seu correligionário Eduardo Cunha (PMDB-RJ) comanda um processo de impeachment contra o mandato de Dilma na Câmara. Processo do qual ele, Temer, seria o maior beneficiário, caso levado ao fim e resultar na destituição da presidenta. Além disso, conversas de bastidores dão conta que a carta teria vazado muito antes que Dilma a lesse.

Outro ponto: Temer escreveu sua queixa após encontros com tucanos. Na quinta-feira (3), deixou de participar de uma reunião convocada pela presidente Dilma, em que se discutiria com ministros como organizar a base aliada para enfrentar na Câmara o pedido de impeachment acatado no dia anterior pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB). Em vez disso, o vice foi participar de encontros em São Paulo, no ninho tucano.

Logo depois dessas reuniões, o senador José Serra deu entrevista deixando claro que os tucanos e o vice presidente estavam discutindo o impeachment de Dilma e a posse de Michel Temer: “Farei o possível para ajudar um eventual governo Temer”, disse o senador.

Na última sexta-feira (4), Temer viajou para reunir-se com o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB). Hartung já fez declarações favoráveis ao impeachment de Dilma. No ano passado, apoiou o então candidato do PSDB, Aécio Neves, nas eleições presidenciais

Desde que o pedido de impeachment foi acolhido por Cunha, Michel Temer não se pronunciou sobre o tema. O vice nem sequer esteve ao lado da presidenta durante o pronunciamento dela à nação, na tarde do dia 2.

Nos bastidores, ministros avaliam que Temer flerta com o PSDB para assegurar sua ascensão ao poder e vai lavar as mãos em relação ao processo de impeachment. Verdade ou não, fato é que o instituto Teotônio Vilela, braço de articulação política do PSDB, divulgou uma análise intitulada “Carta-testamento”, sobre a carta de Michel Temer à presidente Dilma.

A conferir.