eleições 2018

Quatro coisas que candidatos precisam saber ao pedir dinheiro a eleitores

Os partidos brasileiros terão agora de ir diretamente aos eleitores para financiar suas campanhas. Essa pode ser uma boa oportunidade para candidatos progressistas se (re)conectarem com seu eleitorado

abr

Eleições agora dependem do dinheiro que os candidatos conseguirem arrecadar diretamente dos eleitores

Quem fez militância política nos anos 1980 se lembrará de que uma das poucas formas existentes naquela época para financiar as atividades das organizações progressistas era buscar nos bolsos dos próprios militantes o dinheiro necessário para pagar as contas. Para isso, vendiam-se camisetas, faziam-se rifas e festas, cobravam-se assinaturas de jornais e havia até “dízimo”.

Essas organizações viviam sempre com o cinturão apertado. O dinheiro era muito curto e a sua escassez freava a expansão das suas lutas. Mas esse autofinanciamento e a independência que ele gerava eram motivo de muito orgulho. Era uma demonstração prática de que os ativistas podiam se organizar e pagar, eles mesmos, as contas de suas lutas políticas (que na época eram contra a “carestia”, por eleições diretas, por maiores salários, por partidos populares etc.).

O autofinanciamento servia também como uma ferramenta organizativa: ele reforçava o engajamento, o senso de pertencimento e a responsabilidade das pessoas com sua causa ou organização.

Pois bem: esses “bons tempos” de financiamento coletivo popular podem estar voltando.

Nova legislação deixa financiamento das campanhas nas mãos dos eleitores

A “enésima” mudança na legislação eleitoral trouxe entre outras coisas duas novidades importantes no que diz respeito à forma de financiar as campanhas.

A primeira novidade foi proibir que empresas ponham recursos legalmente nas campanhas. Como as eleições brasileiras vinham sendo financiadas basicamente através do dinheiro das pessoas jurídicas, essa mudança, somada à onda nacional de criminalização da política e dos políticos, causará um forte enxugamento do dinheiro disponível aos candidatos. As campanhas de 2018, para a maioria dos candidatos, serão muito pobres.

A segunda novidade foi limitar o financiamento das campanhas a duas fontes: ao recém-criado Fundo Especial de Financiamento de Campanha (cujo valor, embora na esteja na casa do bilhão de reais, é claramente insuficiente) e ao dinheiro que os candidatos e candidatas (principalmente os que concorrerão a deputado) conseguirem arrecadar diretamente dos eleitores.

Quanto a essa segunda fonte de financiamento, os partidos brasileiros terão que reaprender a fazê-la. Aliás, muitos deles nunca recorreram às contribuições de eleitores “anônimos” para se financiar.

Mesmo partidos do campo progressista já há muito vinham dependendo do dinheiro corporativo para financiar suas campanhas, tendo desistido de buscar recursos nas multidões. Esse comportamento, embora discutível (e causador de boa parte das dificuldades enfrentadas hoje pela esquerda), fazia sentido. Afinal, era muito mais fácil buscar milhões de reais em poucas mãos ávidas por contribuir (para depois poderem influir), que recorrer à boa-vontade de milhões de indivíduos muito reticentes na hora de dar dinheiro a “políticos”. Era uma questão de custo e benefício.

Os progressistas precisarão reaprender a fazer campanha

Agora, porém, tornou-se uma questão de vida ou morte (política) aprender a fazer arrecadação financeira junto a cada um dos eleitores. O sucesso das candidaturas do ano que vem será medido, em boa parte, pelo número de pessoas que os candidatos conseguirem convencer a “pingar” dinheiro em suas campanhas. E essa será uma tarefa muito difícil, dadas às circunstâncias.

Mas há uma boa notícia: já existem em outros países milhares de experiências bem-sucedidas nesse tipo de arrecadação eleitoral.

Especialistas apresentaram casos bem-sucedidos de arrecadação coletiva

Algumas dessas experiências, vindas da esquerda e da direita, foram apresentadas em São Paulo no dia 1 de dezembro na palestra internacional “Como arrecadar recursos online para campanhas eleitorais?”, realizada pela De Vengoechea & Associates, consultoria política que já participou de quase duas dezenas de campanhas presidenciais na América Latina.

O evento reuniu experts norte-americanos, espanhóis, colombianos e brasileiros que falaram sobre casos de sucesso em arrecadação para campanhas tão diferentes quanto a de Marcelo Freixo para prefeito do Rio de Janeiro, de Donald Trump para presidente dos EUA e de Pedro Sánchez para liderar o Partido Socialista espanhol (PSOE).*

Quais foram as principais coisas que quem assistiu a esse evento pôde aprender?

1 – Pedir e contribuir são atos políticos. Conseguir arrecadar recursos dos eleitores não será apenas uma questão de sobrevivência eleitoral em 2018. Poderá também ser uma nova forma de fazer campanha. Afinal, quem dá R$ 10 para uma campanha, provavelmente votará naquele candidato. E quem for pedir recursos precisará explicar muito bem suas propostas e valores para conseguir convencer o eleitor de que ele fará bem em doar um pouco do seu dinheiro suado.

Uma campanha eleitoral inteira, como a do senador Bernard Sanders (na disputa pela candidatura presidencial Democrata com Hillary Clinton) poderá ser estruturada assim: falando de suas propostas e pedindo dinheiro.

2 – As pessoas doam para causas, não para candidatos. Se você quer que as pessoas deem dinheiro para a sua campanha, prove para elas que você representa uma causa pela qual vale a pena doar. Na campanha de Pedro Sánchez para secretário-geral do Partido Socialista espanhol a sua causa era a renovação partidária, e foi para alavancar essa causa que milhares de militantes do partido contribuíram financeiramente com a sua campanha.

3 – Use a tecnologia digital a seu favor. Os partidos e candidatos precisam ir além das correntes de fofocas e mentiras (agora chamadas de fake news) que se tornaram o prato principal do Facebook e plataformas similares. Há formas muito mais eficientes e sofisticadas de usar essas mídias do que participar de um diálogo viciado. As conversas nas redes sociais hoje são, em geral, apenas falsos diálogos entre surdos.

Existe hoje uma fantástica quantidade de ferramentas úteis para ajudar os candidatos progressistas a organizar suas campanhas e criar um eficiente diálogo online (nas redes) e presencial com seus eleitores (o porta a porta continua sendo uma forma muito boa de fazer campanha, principalmente quando ajudado por ferramentas digitais).

Coisas como bigdata, microtargeting, nanotargeting e plataformas de crowdfunding estão agora ao alcance de todos e serão essenciais para vencer no ano que vem. E quanto mais o candidato progressista usá-las, mais terá chances de encontrar o eleitor mais provável de votar nele e de por dinheiro em sua campanha.

4- Quanto mais cedo começar, melhor. A campanha só começa em agosto de 2018, mas os pré-candidatos já podem começar a pedir dinheiro em maio (caso desistam de ser candidatos, o dinheiro precisa ser devolvido a quem doou). Por isso, quanto mais cedo começarem a organizar sua estratégia de arrecadação financeira, maiores serão as chances de sucesso. Quem perder tempo agora, talvez não consiga se recuperar no futuro.

Ao dificultar a vida financeira dos candidatos e de suas campanhas para tentar reduzir a pressão que está sofrendo da mídia tradicional e de parcelas radicalizadas da sociedade, o Congresso Nacional pode ter criado, sem perceber, um forte incentivo para que os partidos e políticos (do campo progressista, principalmente) se reconectem com suas causas e bases políticas, das quais parecem estar, aos poucos, se afastando.

Aliás, já está sendo feita neste exato momento uma experiência muito interessante de arrecadação coletiva para financiar as Caravanas do Lula.

Consultor político, é Senior Associate Consultant da De Vengoechea & Associates, consultoria política norte-americana. É jornalista. Foi coordenador de Publicidade da Prefeitura de São Paulo e secretário de Comunicação e de Governo de Guarulhos. O conteúdo da palestra internacional sobre arrecadação será transformado em um curso da academiaeleitoral.com.br e estará disponível a partir de janeiro