Em matéria sobre transgênicos, Estadão esquece da ‘página VI’

Estudo que mostra “benefícios” de transgênicos ao meio ambiente e até mesmo à saúde foi feito por organização que tem entre seus quadros a Monsanto, líder mundial no setor

Um estudo divulgado nesta quarta-feira (14) por O Estado de S. Paulo mostra que os organismos geneticamente modificados (OGMs) são bons para o ambiente e até para a saúde humana. Um relatório do Conselho Nacional de Pesquisas, órgão que assessora a Casa Branca em vários temas, assegura que, lá, o uso de agrotóxicos em geral tem caído desde a introdução de OGMs – no Brasil, levantamentos oficiais mostram que, pelo contrário, o uso desse tipo de substâncias só fez crescer nos últimos anos, levando-nos à condição de líder mundial no consumo de agrotóxicos.

O responsável por coordenar o relatório, David Ervin, da Universidade Estadual do Oregon, garante que a intenção foi fazer um estudo isento – questões de saúde e segurança, centrais nas dúvidas que pairam sobre transgênicos, foram deixadas de fora.

O Estadão ouve o professor da USP Paulo Kageyama, representante do Ministério do Meio Ambiente na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que lembra que os Estados Unidos têm regras muito frouxas em relação aos OGMs e, por isso, não é possível transpor as conclusões do estudo à realidade brasileira. É entrevistada também a diretora do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB), Alda Lerayer, que entende que as culturas de soja e milho, no Brasil, já apresentam redução no uso de agrotóxicos.

Até aí, tudo em ordem.

Mas, aparentemente, os repórteres do jornal, que assinam a nota em parceria com a agência Reuters, ou não leram o estudo inteiro ou pularam a página VI. Lá está a composição da Diretoria de Agricultura e Recursos Naturais do Conselho Nacional de Pesquisas. Um dos integrantes desta diretoria é Gary F. Hartnell, funcionário da Monsanto desde 1983 e atualmente responsável pela avaliação de sementes geneticamente modificadas.

A influência das pesquisas divulgadas com apoio da Monsanto é vastamente documentada. Ao longo dos últimos anos, ativistas têm demonstrado como vários institutos de pesquisa que divulgam teses favoráveis aos OGMs são bancados, diretamente ou indiretamente, pela Monsanto – no caso atual, diretamente.

A empresa de Saint Louis, que controla hoje com facilidade os mercados mundiais de sementes e de agrotóxicos, busca expandir seus negócios em todo o mundo, mas para isso precisa desse tipo de análise. É o que embasa, por exemplo, o argumento da companhia nas liberações feitas pela CTNBio.

A participação da Monsanto na diretoria da Conselho Nacional de Pesquisa demonstra que pode haver um conflito de interesses no estudo. A mesma página VI mostra que funcionários de Marrone Bio Innovations e Novus International, ambas empresas da área de biotecnologia, estão na mesma unidade integrada por Hartnell.

Os leitores de Estadão, antes mesmo de precisarem recorrer à página VI, desconfiaram do estudo. Na reprodução da matéria, publicada no site do jornal, uma leitora comenta:

“Quem escolheu o título dessa matéria? Foi a Monsanto ou a CTNBio? Estou na dúvida até agora. Porque que eles concordam – e até financiam – essas pesquisas, não precisa falar né… Ver o Estadão publicando isso é lamentável”.

Outro leitor foi mais direto: “Somente um energúmeno não consegue entender que este estudo foi financiado pela empresa Monsanto, para fazer valer as patentes sobre alimentos no Brasil”.

Ele nem precisou da página VI.