Mais problemas?

Tribunal breca retomada de obras de barragens de Pedreira e Amparo

Paradas oficialmente desde julho, após rescisão contratual por atrasos, obras do governo paulista nem chegaram à metade. E já consumiram R$ 363,3 milhões, 85% do contrato inicial. Fora o dano ambiental, que não tem preço

Youtube/Mateiro
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Canteiro de Pedreira, a pouco mais de um quilômetro da cidade: projeto é de barragem de alto risco

São Paulo – O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP) suspendeu nesta semana licitações que chegam a R$ 1 bilhão do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), para retomar e concluir as barragens de Pedreira e de Duas Pontes. A primeira está sendo construída no município de mesmo nome, na divisa com Campinas. E a segundo, em Amparo. O conselheiro do Tribunal, Antonio Roque Citadini, entendeu que o órgão ligado ao governo paulista responsável pelos empreendimentos prejudicou o processo licitatório ao divulgar as informações necessárias às vésperas da abertura das propostas.

O conselheiro acolheu representação da advogada especialista em Direito Público Laís Urquiza. Segundo ela, o DAEE deixou para responder, de uma tacada só, em cima da hora, cerca de 36 questionamentos de ordem técnicos feitos por licitantes feitos ao longo de todo o processo da concorrência. E segundo ela, a divulgação três dias antes do prazo final impõe a necessidade de renovação do prazo de publicidade do certame.

“A participação em licitação como o edital publicado pelo DAEE demanda estudo de extensas informações técnicas, econômicas e de custos, para construção de uma proposta comercial consistente e econômica”, justificou a advogada em sua representação. E a impossibilidade de avaliação adequada das novas informações “poderá resultar em prejuízos ao próprio DAEE, pois tal situação cria incertezas e, por consequência, riscos que são (e serão) inevitavelmente embutidos nos preços”.

Diante da decisão o DAEE disse que cumpriu as medidas em atendimento à decisão do tribunal e que “está prestando todos os esclarecimentos solicitados por Citadini para permitir a retomada da contratação”. Entrentanto, não há previsão de um novo prazo.

Recursos gastos com desmatamento e fundação

Embora o órgão sempre tenha negado embaraços envolvendo as obras apontados por fontes à RBA, como crimes ambientais e problemas técnicos, inclusive geológicos, além de trabalhistas, que estariam atrasando o cronograma, em 27 de julho finalmente rescindiu contrato com o consórcio BP KPE-Cetenco. O empreendedor alegou “problemas recorrentes que afetaram diretamente a conclusão adequada dos empreendimentos”.

No caso da barragem de Pedreira, que começou a ser construída em 2018 e já era para estar concluída há quase dois anos, o DAEE já pagou ao empreiteiro enrolão R$ 195.864.915,14. Ou seja, 85% do valor inicial do projeto de 230.918.040,12, segundo dados do Tribunal de Contas. E segundo informações da página do próprio empreededor, grande parte dos recursos foi gasto com desmatamento e fundação.

Já em Amparo, as obras começaram no segundo semestre de 2020 e já foram gastos R$ 167.451.020,47, equivalente a 85% de contrato inicial, de R$ 196.096.074,91, também segundo o TCE. Pelo último balanço divulgado pelo consórcio BP KPE-Cetenco, a barragem de Pedreira teve 42,01% das obras concluídas. Já a de Amparo, 44,77%. A perspectiva do DAEE é de concluir as obras após 22 meses da assinatura do contrato com a empreiteira vencedora da nova licitação.

Entretanto, os problemas envolvendo as obras das barragens de Pedreira e Duas Pontes vão muito além da conduta do DAEE no processo licitatório ora suspenso pelo Tribunal de Contas. Tem a questão ambiental, considerada por alguns especialistas como a mais grave no estado de São Paulo. E que tende a se agravar.

Vale tudo em nome das barragens

Segundo o perito ambiental Márcio Ackermann, o rio Jaguari, que está sendo desviado para a construção da barragem de Pedreira e posteriormente terá parte de seu curso represado, é um dos mais limpos do estado. Mas as águas no rio que nasce no sul de Minas Gerais estão seriamente ameaçadas pelas obras em Pedreira devido ao acelerado processo de erosão e assoreamento. “O DAEE poderia estar sendo processado por crime ambiental por deixar o rio jaguari sofrer um processo violento de assoreamento por conta dessa obra. Já poderia já estar sofrendo esta ação faz tempo”, disse à RBA.

Ackermann, que fez carreira pública na área ambiental paulista, atuou mais recemente como consultor do Conselho Gestor da Área de Proteção Ambiental (APA) de Campinas. A unidade de conservação tem parte de seu território no mapa da área de inundação do reservatório que será criado quando a barragem de Pedreira estiver pronta com seus 52 metros de altura. E a pouco mais de 1 quilômetro de distância do centro da pequena cidade que virou o centro do comércio de porcelanas.

Como ele conta, o então prefeito de Campinas Jonas Donizette (PSB), atual deputado federal, para atender ao DAEE, permitiu o desmate de 700 mil metros quadrados de mata nativa. Na época, fez manobras ilegais no conselho gestor da unidade de conservação para conseguir aprovar o corte ilegal de árvores. “Ele mudou a lei na canetada. O processo está na ouvidoria da polícia e infelizmente ninguém cobra. Se o processo avançasse, ele poderia ser condenado por crime ambiental”, disse o perito.

Se fosse pouco, ele viu muito capim crescendo em de área de reflorestamento previsto no projeto. Pura fraude e desrespeito à natureza e ao dinheiro público: plantavam mudas nativas no inverno, quando é seco. sem irrigação. “Plantavam um monte, morria tudo e depois diziam que estavam reflorestando. Quando cobrado, os caras diziam que estavam cumprindo o cronograma da obra”.

Barragens inúteis ou para represar água contaminada

O perito chama atenção também para a barragem na vizinha Amparo, batizada de Duas Pontes. “Amparo é um absurdo. É um rio de classe 3, o que significa que é proibido captar para consumo. Ja chegou a ter embargo dessa obra no início, dessa obra. Só que conseguiram derrubar. O problema é crítico”.

O especialista se refere às águas altamente poluídas do rio Camanducaia que o DAEE pretende represar para consumo. O projeto, como lembrou Ackermann, foi rejeitado pela Agência Nacional de Águas (ANA), que negou outorga justamente devido às condições inadequadas. A jurisdição da instância federal se deve ao fato de o rio ser interestadual, já que nasce no sul de Minas. O órgão do governo paulista então modificou regras internas para dispensar a agência. O caso foi parar na Justiça.

Logo após o anúncio da paralisação das obras, a organização ambientalista Movimento Resgate o Cambuí, de Campinas, protocolou ofício no gabinete de deputados da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Os ambientalistas relatam esses e outros problemas envolvendo as obras e seus impactos e pedem providências para a revisão urgente dos estudos e relatório de impacto ambiental (EIA-RIMA) apresentados pelo DAEE e aprovados pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema).

Ricardo Salles pressionou aprovação de EIA-Rima

O órgão era presidido na época pelo então secretário da área Ricardo Salles, mais tarde ministro de Jair Bolsonaro (PL). “Se for auditado esse EIA Rima, coisa que nunca foi feita no estado de São Paulo, que tem a Secretaria de Meio Ambiente mais antiga do país, poderemos ter como primeiro desdobramento o seu indiciamento por crime ambiental”, disse o perito. Mas até o momento não houve resposta de nenhum dos parlamentares nesse sentido. E o Legislativo está de recesso até o próximo dia 1º de fevereiro.

Na propaganda do governo de São Paulo, os dois reservatórios vão ajudar a resolver a crise hídrica na região de Campinas. Mas há muitas contradições em torno das barragens, que fazem com que especialistas em recursos hídricos sejam contrários aos projetos. O ex-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu é um deles.

Para ele, a de Pedreira, de alto risco pela grande proximidade da cidade, é inútil. Primeiro porque o projeto não prevê adutora para distribuir água para o município. E nem será benéfica para Campinas e cidades vizinhas, já que exigirá sistema de bombeamento que encarecerá a conta. Assim, seria mais fácil trazer uma adutora do Sistema Cantareira, segundo ele.

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