A quem interessa?

Obra da Barragem de Pedreira, de alto risco, está ‘praticamente’ parada, diz procuradoria

Informação é do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), núcleo de Campinas. O contrato para construção da barragem rejeitada e temida pela população local é questionado no Tribunal de Contas do Estado

Reprodução/PAE/DAEE
Reprodução/PAE/DAEE
Um dos mapas do plano de ação emergencial mostra os imóveis (pontos pretos) que seriam imediatamente atingidos na hipótese de rompimento da barragem de alto risco. Ou seja, boa parte da cidade de Pedreira

São Paulo – As obras da barragem de Pedreira, rejeitada e temida pela população local, estão “praticamente” paralisadas. A avaliação é do Núcleo Campinas do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), do Ministério Público de São Paulo. Em comunicação recente à organização ambientalista Movimento Resgate o Cambuí, de Campinas, a promotoria confirmou o que já vinha sendo afirmado por ativistas e também por trabalhadores do consórcio BP, formado pelas construtoras KPE (ex OAS) e Cetenco.

Segundo a mensagem do Gaema, do último dia 26 de maio, foi feita mais uma vistoria e reunião com a equipe de geólogos contratados pelo DAEE, para finalização de um laudo técnico. “O fato recente é que o DAEE notificou o Consórcio responsável pela obra em função de problemas contratuais relacionados principalmente ao atraso no cronograma proposto”, diz trecho do e-mail assinado pelo promotor Rodrigo Sanches Garcia.

“No momento, a obra encontra-se praticamente paralisada e foi apresentado na Cetesb um plano de ação para esse período. Será necessário aguardar a definição do processo administrativo para o distrato ou não do contrato celebrado (com o consórcio)”, disse o promotor.

Ainda segundo ele, caso ocorra o cancelamento, será necessário licitar uma empresa para ações emergenciais e, ao mesmo tempo, fazer nova licitação para a obra. “Esse fato certamente irá gerar um atraso de mais de 2 anos para finalização da obra, cujo enchimento da represa deverá ocorrer, na minha percepção, somente em 2026. No que se refere a Amparo a informação que temos é que as obras de saneamento estão sendo mantidas”, disse Garcia, referindo-se a uma outra barragem em construção, em Amparo, na mesma região.

Problemas nas obras foram denunciados por trabalhadores

Reportagem da RBA publicada em 25 de abril mostrou que, segundo operários, a obra na divisa entre os municípios de Pedreira e Campinas estava para ser interrompida. Entre os relatos, havia o temor da suspensão do trabalho, a demissão e eventuais dificuldades para receber seus direitos. E estavam assustados com notícias de que a construtora não pretendia renovar o contrato para seguir a obra. Afinal, segundo eles, trabalhadores mais novos já tinham até sido demitidos na época.

A responsabilidade dos empreendimentos polêmicos é do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), ligado ao governo de São Paulo. Na época, negou à reportagem que desconhecia problemas e que continuava fazendo os pagamentos devidos à empreiteira, conforme as medições realizadas mês a mês. 

Procurado novamente agora nesta reportagem, o DAEE demonstrou que está tudo na normalidade. “O DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica) informa que as obras das barragens de Pedreira e Duas Pontes estão em andamento e a atual gestão está tomando todas as providências para viabilizar a conclusão em menor tempo possível”, disse o órgão, em um trecho de nota enviada à redação.

E negou a existência de problemas relativos a instabilidades no solo no local da construção, que poderiam justificar os atrasos. “Após as investigações geológicas, constatou-se que as condições na margem direita do rio Jaguari eram mais favoráveis do que no leito do rio. Por esse motivo, a equipe de consultores e técnicos especializados do DAEE optou por realocar a estrutura hidráulica, o que proporcionará uma melhor condição para a fundação das estruturas de concreto e reduzirá os volumes de escavação necessários para atingir a rocha competente no topo”, afirmou. 

Documentos dão outra versão sobre barragem de Pedreira

No entanto, a RBA teve acesso ao inquérito civil instaurado no início de julho de 2015 para apuração da regularidade e legalidade do licenciamento das obras para construção das barragens Duas Pontes, em Amparo, e a de Pedreira, no município de mesmo nome, na divisa com Campinas. Segundo anotação da promotoria, no último dia 14 de junho, foram juntados aos autos documentos enviados pelo DAEE sobre a paralisação das obras da barragem.

Foram juntados também ao inquérito:

  • A Informação Técnica nº 08/23/ILOH, de 28/04/2023, em que a Cetesb, por meio do Departamento de Licenciamento com Avaliação de Impacto Ambiental, manifesta-se a respeito da informação dada pelo DAEE de probabilidade de paralisação das obras da Barragem Pedreira e sobre o Plano de Controle e Monitoramento Ambiental apresentado pelo DAEE. A Cetesb entendeu adequada a implementação do Plano de Controle e Monitoramento Ambiental, tendo em vista o porte e o atual estágio das obras da Barragem Pedreira, desde que complementada com as solicitações propostas;
  • Plano de Controle e Monitoramento Ambiental durante a paralisação das Obras da Barragem Pedreira. O Plano contempla as atividades de manutenção, monitoramento e conservação das condições ambientais necessárias para preservar as ações já executadas e prevenir a degradação ambiental durante o período de paralisação;
  • Notificação do DAEE ao Consórcio BP KPE-Cetenco, tendo em vista os atrasos injustificados no desenvolvimento dos trabalhos, bem como o descumprimento do Plano de Ação/Recuperação apresentado ao DAEE em julho de 2022, a apresentar, querendo, defesa prévia no prazo legal de 5 dias úteis, sob pena de rescisão contratual.

Suposto benefício das obras à segurança hídrica  

Na nota enviada à RBA, o DAEE reiterou que obras das barragens de Pedreira e Duas Pontes beneficiarão mais de 5,5 milhões de habitantes em 23 municípios, incluindo Valinhos. “E que os reservatórios criarão uma reserva hídrica estratégica na região do PCJ (Piracicaba, Capivari e Jundiaí) e fortalecerão o sistema de abastecimento como um todo, ampliando a capacidade de armazenamento de água em 85,3 milhões de metros cúbicos.” 

As duas barragens em construção pelo pelo DAEE – a de Pedreira, no Rio Jaguari, e a de Duas Pontes, em Amparo, no Rio Camanducaia – compõem um mesmo empreendimento. A de Pedreira começou antes, em meados de 2018. E a de Amparo, em agosto de 2020. O investimento previsto inicialmente pelo governo paulista era de R$ 782 milhões para as duas obras.

Com conclusão prevista para este ano, as obras se arrastam. Uma ata de reunião de um comitê de acompanhamento, de 28 de agosto passado, indicava que a barragem de Pedreira havia finalmente saído da fase de fundação para a de estruturas. Só a partir de então viria o estágio da galeria de desvio do rio Jaguari, para permitir o avanço do empreendimento. E quando tudo estivesse pronto, levaria ainda mais de quatro anos para encher o reservatório.

As obras se arrastam em meio a denúncias de irregularidades ambientais. Entre elas, envolvendo problemas no no estudo e relatório de impacto ambiental, aprovado a toque de caixa na gestão do então secretário da área, Ricardo Salles. E também de crime ambiental na derrubada de árvores da Área de Preservação Ambiental (APA) de Campinas, que virá a ser alagada no enchimento do futuro reservatório.

Possíveis irregularidades na mira do Tribunal de Contas

E tem também indícios de irregularidades administrativas e financeiras. O Tribunal de Contas do Estado (TCE) analisa possíveis irregularidades na concorrência ganha pelo consórcio BP, agora prestes a entregar a obra. São questionados também os aditivos ao contrato no caso da barragem de Pedreira. E ainda os danos ao erário público trazidos com problemas na gestão da obra de Duas Pontes, em Amparo, relativos à outorga da água do Rio Camanducaia.

Considerado de alto custo, o projeto de Pedreira não indica adutoras para abastecer os municípios envolvidos, muito menos a pequena cidade que ficará com uma barragem de 52 metros de altura a menos de dois quilômetros do centro da cidade – uma das razões de ser considerada de alto risco pela Agência Nacional de Águas. A outra é o fato de ser erguida com terra compactada. Somente vertedouros terão estrutura de concreto. Não é a toa que o empreendimento tenha demorado a apresentar um plano de segurança para o caso de rompimento da estrutura. Já a de Amparo, deve represar água contaminada.

Desde que o projeto sem prós foi anunciado, organizações lutam contra. E já levaram ao banco financiador, o CAF, todas as informações sobre o negócio em que está sendo aplicado o dinheiro. Já foram à Justiça federal, que tem cobrado informações do DAEE. Inclusive multou recentemente o órgão por se recusar a enviar informações sobre o plano de segurança em uma ação que pede a paralisação da obra justamente pelo alto risco. E o DAEE já avisou que a Procuradoria do Estado que vai recorrer do pagamento.

“A gente sempre bateu nessa tecla da insegurança. Entre outras coisas, solo muito instável, segundo informações técnicas. Já até mudaram o projeto, mudando o lugar do vertedouro. Eu duvido que essa obra dê certo. Pedimos liminar pedindo pra parar. E as coisas só pioram”, disse à RBA a ambientalista Tereza Penteado, diretora da ONG Movimento Cambuí, de Campinas. Segundo ela, a certeza é que, se a obra continuar ou se parar, todos os responsáveis serão cobrados.

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