Proposta brasileira para o clima depende de decisão política

Divergências entre ministérios e pressão empresarial mostra sensibilidade do tema e devem levar definição da posição brasileira para as vésperas do COP-15, em Copenhague

Balsa carregada de madeira supostamente ilegal está bloqueada no rio Arapiuns desde o dia 12 de outubro por comunitários e lideranças indígenas. Indústria defende metas de redução apenas para o desmatamento (Foto: Alberto César Araújo/Greenpeace)

A maioria dos governos envolvidos nas discussões internacionais sobre o aquecimento global aposta que o Brasil irá desempenhar um papel importante na 15ª Conferência da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU (COP-15), programada de 7 a 18 de dezembro na capital da Dinamarca. O próprio governo brasileiro, seja por meio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seja de algum de seus ministros, reforça essa expectativa, com a antecipação de algumas propostas que deverão ser levadas pelo país à Copenhague, como a promessa de redução de 80% do desmatamento da Amazônia até 2020, entre outras.

Apesar disso, diversos setores da sociedade brasileira representados dentro e fora do governo têm visões distintas – por vezes antagônicas – sobre o melhor caminho para reduzir as emissões de gases provocadores do efeito estufa e combater o aquecimento global. Essa pluralidade de visões não deve impedir que o Brasil exerça papel de destaque no encontro em Copenhague, mas já teve, como efeito concreto, o adiamento do anúncio do conjunto de propostas brasileiras para a COP-15. A previsão inicial do governo, deveria ter sido feito na semana passada.

Condutor das discussões no grupo interministerial responsável por elaborar a posição brasileira para o encontro de Copenhague, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) quer que o Brasil assuma na COP-15 o compromisso de estabilizar até 2020 suas emissões nos patamares de 2005, o que representaria um corte de 40% nas emissões brasileiras.

A idéia enfrenta a oposição dos ministérios da Ciência e Tecnologia (MCT) e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que acham o compromisso muito elevado e difícil de ser realizado. “O Brasil não pode assumir uma meta que venha a nos colocar em posição de fragilidade no futuro”, afirmou o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes.

A proposta apresentada pelo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, leva em consideração a expectativa de que o Brasil cresça em média 4% ao ano até 2020. Esta foi outra razão que levou ao adiamento, ainda sem data definida, do anúncio da posição brasileira para a COP-15. A pedido da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, o MMA se comprometeu a revisar seus estudos. “O Brasil precisa estar preparado para todos os cenários”, disse a ministra. A demanda é que se leve em consideração cenários de maior crescimento econômico, de 5% a 7%.

Para atender ao pedido de Dilma, o governo recorreu ao Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), cujo trabalho deve ser concluído até a próxima semana. Muito provavelmente, o resultado do estudo determinará uma taxa de crescimento econômico maior do país implica uma meta de menor redução das emissões. Por isso, a decisão sobre a posição brasileira em Copenhague deverá ser mesmo política e, ao que tudo indica, anunciada poucos dias antes do início da COP-15.

Outro fator complicador na discussão interministerial é a posição do Ministério das Relações Exteriores. Preocupado com a possibilidade de que um compromisso unilateral do governo brasileiro com uma meta de redução muito alta acabe por enfraquecer a posição conjunta em Copenhague do G-77, grupo de países em desenvolvimento do qual o Brasil faz parte.

O Itamaraty também manifestou simpatia pela revisão das metas inicialmente propostas pelo MMA. Após a última reunião do grupo, o ministro Celso Amorim não quis falar sobre números e disse à imprensa apenas que “o Brasil será protagonista e coerente com sua visão de desenvolvimento sustentável”.

Indústria sem metas

Fora da esfera governamental, as forças sociais também se mobilizam. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), por exemplo, divulgou um documento com suas posições para a COP-15, no qual não explicita a defesa de metas de redução das emissões nem para o país como um todo e muito menos para o setor industrial. O documento, em sua parte mais contundente, exorta o governo brasileiro a “assumir compromissos de erradicação do desmatamento ilegal”.

Posição semelhante é adotada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que evita falar em metas. Em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo na quarta-feira (24), o presidente da CNI, Armando Monteiro Neto, afirma que “sem ações articuladas entre governos e setor produtivo, dificilmente conseguiremos mobilizar os recursos, o conhecimento e a criatividade necessários para quebrarmos paradigmas e fazermos a transição inadiável para a economia de baixo carbono”.

O detalhe interessante neste ponto é que as emissões provocadas pela indústria brasileira cresceram 77% entre 1994 e 2007.

“Questões relevantes”

Setores do grande empresariado também já manifestaram suas posições relativas ao encontro de Copenhague. Um grupo de 22 empresas levou ao ministro Carlos Minc uma “Carta Aberta ao Brasil sobre Mudanças Climáticas”, na qual seus integrantes se comprometem a “buscar formas de redução contínua das emissões de gases de efeito estufa”.

A carta, assinada por empresas como Vale, Votorantim, Natura, Pão de Açúcar, Camargo Corrêa, Aracruz e Andrade Gutierrez, entre outras, pede que o governo assuma o compromisso de realizar um inventário completo de suas emissões a cada três anos.

Um documento de teor semelhante foi divulgado no fim de setembro pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), que conta com empresas como Petrobras, Bradesco, Alcoa, Gerdau, Furnas, Nestlé, Phillips, Nestlé e Souza Cruz, além das já citadas Vale, Natura e Votorantim, entre outras.

Levado ao presidente Lula pelos empresários, o documento cita cinco “questões relevantes” associadas às mudanças climáticas:

  1. estabelecimento de um limite máximo e seguro para o aumento da temperatura terrestre;
  2. aperfeiçoamento dos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL);
  3. efetivação do mecanismo de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal / REDD;
  4. definição de arranjos setoriais;
  5. interação entre os diversos agentes para a governança da questão climática no Brasil.

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