Embate entre ruralistas e ambientalistas deve esquentar em 2010

Depois de um ano de instauração de metas no combate ao desmatamento e a menor área devastada de floresta amazônica, ano eleitoral deve acirrar ânimos. Bem como o interesse de proprietários rurais por menos restrições ambientais

Imagem do plenário no dia do meio ambiente. Disputa pelo código florestal promete esquentar em 2010 (Foto: Rodolfo Stuckert/Agência Câmara)

Tenho certeza que em fevereiro vamos avançar muito, iremos aprovar esse projeto e iremos mostrar ao país que somos uma grande potência ambiental. Muito obrigado e um bom Natal a todos”

As últimas palavras públicas do deputado federal Marcos Montes (DEM-MG) em 2009 na Comissão de Meio Ambiente da Câmara parecem prenúncio de como estarão os ânimos em 2010. Os parlamentares ligados aos grandes proprietários de terras querem fazer da agenda do próximo ano uma plataforma para suas aspirações eleitorais.

A pauta, extensa, já conseguiu ser reduzida em alguns pontos ao longo deste ano. Uma das duras negociações terminou com sucesso para os ruralistas, ao conseguirem com que o governo adiasse para 2011 o início da aplicação de sanções dos proprietários que não façam a devida recomposição florestal em áreas desmatadas além dos limites.

Mas os adornos da coroa ficaram para o próximo ano. O projeto que Marcos Montes quer aprovar é o substitutivo ao 6.424, originado no Senado, que prevê anistia aos desmatadores. Cálculos feitos a partir de estatísticas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que a medida daria aval ao desmatamento de uma área equivalente a nove vezes o estado do Rio de Janeiro.

Apelidado de Floresta Zero, o projeto conta, a princípio, com quórum favorável para seguir seus passos na tramitação no Congresso. Só não foi aprovado na Comissão de Meio Ambiente neste semestre porque a base governista acordou a tempo para o impacto negativo que teria a aprovação do texto, inclusive do ponto de vista das relações internacionais. Depois disso, líderes tucanos, e por fim democratas, entenderam que o melhor seria deixar o assunto para mais tarde.

Mas, na base dos partidos, há quem entenda que o correto é a aprovação rápida. O democrata Marcos Montes considera que há muita confusão na discussão do projeto 6.424 e que a sociedade recebeu o tema de maneira equivocada. “Acredito que estamos avançando. Essa discussão ambiental não pode mais ser feita da maneira que foi feita no passado. Por isso esse código tão retrógrado que temos hoje”, avalia.

Na última sessão do ano, em meio à Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15), Marcos Montes herdou a presidência da comissão e logo se espalhou um boato por Brasília de que o parlamentar aproveitaria a ocasião para colocar em votação o Floresta Zero, algo que foi rapidamente desmentido e deixado de lado, até por falta de quórum. Mas nada que descarte a votação em 2010.

Muriel Saragoussi, secretária-executiva do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), avalia que a aprovação só teria efeitos negativos para o país. “Some-se a isso propostas de mudança do Código Florestal e temos um sinal de que o Brasil nunca vai cumprir suas metas de redução de emissões de gases que provocam o efeito estufa. É o sinal de que a Amazônia não tem nenhum valor para o país”, lamenta.

De fato, as propostas de mudança do Código Florestal são outra das frentes ruralistas para 2010. Além das tentativas de mudança em tramitação na Comissão de Meio Ambiente, há uma comissão especial que debate o tema, mas agora absolutamente esvaziada, mesmo após inúmeros debates e trocas de farpas entre parlamentares.

“Como percebemos que não há muito interesse para o debate, porque os ruralistas estavam com a posição formada e queriam aprovar o novo Código Florestal a qualquer custo, conseguimos bloquear a votação e eles tentaram pegar atalho pela Comissão de Meio Ambiente, mas também não funcionou”, destaca Edson Duarte, líder do PV na Câmara, à Rede Brasil Atual.

Desmatamento

O Brasil vive um momento um tanto quanto contraditório. Enquanto o presidente Lula fazia um forte discurso em Copenhague e apresentava meta de redução das emissões de gases, há risco de retrocesso na legislação ambiental. Um recuo apoiado por setores do governo, e que ganha ainda mais importância pelo fato de 2009 entrar para a história como ano com menor desmatamento na Amazônia desde que começaram a ser feitos levantamentos oficiais do gênero, há duas décadas.

O nível de 7 mil quilômetros quadrados de desmatamento de agosto de 2008 e julho de 2009 surpreendeu até mesmo os mais céticos – apesar de isso representar uma área equivalente a 700 mil campos de futebol. As quedas dos patamares do Pará e do Mato Grosso foram motivo de comemoração, embora seja preciso avaliar como será o próximo ano, de economia reaquecida e eleições.

O baixo crescimento registrado este ano é exatamente um dos fatores para explicar o recuo, ao lado da manutenção de medidas de controle e o reconhecimento do valor da floresta em pé.

Nesse aspecto, o estado do Pará deu início ao rastreamento eletrônico da pecuária, o que supõe que quem produza em área desmatada vai perder mercado. Além disso, vários acordos foram assinados com frigoríficos e com supermercados assegurando que apenas comprarão carne de propriedades que levem em conta as questões ambientais. A partir de janeiro de 2010, entram em vigor algumas das medidas de rastreabilidade.

“O ano que vem será de cobrarmos os resultados desses acordos, de contarmos com os relatórios das equipes independentes de auditoria para a verificação do cumprimento daquilo tudo que foi negociado”, aponta o procurador da República no Pará, Daniel César Azeredo.

Além de fiscalização, a postura parlamentar em 2010 no que diz respeito ao meio ambiente dependerá das pressões da sociedade. Há setores ligados ao agronegócio cientes de que ganham votos e, principalmente, doações, apostando em táticas a favor do desmatamento. Mas há outros que entendem que será desgastante apoiar projetos que signifiquem retrocessos na legislação ambiental – tudo depende da base eleitoral e da força do patrocinador.

O deputado Edson Duarte entende que o debate gerado pela COP-15, independentemente dos resultados obtidos, pode fazer a diferença. “Esse nível de consciência alcançado agora deve ter um peso significativo nos debates políticos. E quem sabe teremos um pouco mais de cautela e parcimônia, o que pode ajudar a termos medidas mais equilibradas”, afirma.

Frutos de Copenhague

O nível de importância do meio ambiente no debate eleitoral vai depender também do quanto o tema será pautado pelos (e para os) candidatos. Os dois favoritos, José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT), jamais tiveram a imagem associada à preservação ambiental, sendo que em alguns momentos foram vistos exatamente pelo lado contrário, o da devastação. Inicialmente apresentada como surpresa em potencial, a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, até o momento não decolou nas pesquisas de intenções de votos.

Ainda que, no discurso, seja defendida a conciliação de crescimento econômico com preservação ambiental, há questões como a infraestrutura, em que estradas e hidrelétricas geram polêmica. O caso mais conhecido é o da usina de Belo Monte, projetada durante a ditadura militar e que voltou à cena com a necessidade de garantir o abastecimento energético do país.

Com capacidade de geração de 11 mil megawatts, seria o maior empreendimento brasileiro desde Itaipu, mas há inúmeras controvérsias, como a remoção de povos indígenas e o risco de escassez de recursos hídricos na bacia do Alto Xingu a partir do represamento gerado para a hidrelétrica. Sob pressão do ministro de Minas e Energia, Édison Lobão, o processo de licença ambiental da usina provocou a saída de dois dos altos integrantes do setor de licenciamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Ainda nos debates a respeito de hidrelétricas, a Comissão de Meio Ambiente analisa dois textos que tentam extinguir decretos presidenciais que criaram as unidades de conservação das florestas Bom Futuro (Rondônia) e Jamanxim (Pará e Mato Grosso). O segundo deles conta com aval de setores do governo que esperam utilizar a região para novas usinas, o que seria injustificável, na avaliação de Muriel Saragoussi.

A secretária-executiva do GTA entende que, no caso de Jamanxim, houve uma alteração necessária para excluir da reserva as pessoas que já habitavam uma parte da área antes da demarcação, mas que não é preciso mudar nada mais. “Agora, no caso de Rondônia, é um estado que já tem mais de 50% de área desmatada. Bom Futuro é uma floresta que o pessoal invadiu, explorou, não são pequenos produtores. É gente que está a serviço dos madeireiros. Com isso, o sinal é de que pode fazer a coisa errada que, depois, vai surgir alguém para legalizar a destruição”.