Mudanças climáticas

Conflitos de interesses do setor petrolífero lançam dúvidas sobre a COP28, diz ambientalista

Maior lobby na COP, as grandes empresas do setor seguem com propostas que não ajudam a reduzir as emissões de gases de efeito estufa. E os combustíveis fósseis, 80% do suprimento, ganham mais espaço, quando projetos para energia limpa têm apenas 1% de orçamento total

Jornal da USP/Flickr
Jornal da USP/Flickr
Causados pelas emissões de gases de efeito estufa, em sua maioria pelos países ricos, os eventos extremos, como as enchentes, afetam em especial as populações mais vuleráveis dos países pobres

São Paulo – A manutenção de altos investimentos futuros em petróleo e gás no Brasil e no exterior, sem uma equivalente priorização de alternativas limpas, indicam que matrizes econômicas voluntárias limpas não estão no horizonte. E que o aquecimento global, que se manifesta em alta velocidade, com seus impactos acima dos esperados, não deverão ser brecados. A constatação é do ambientalista Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), em artigo publicado nesta quarta-feira na CartaCapital.

O autor chama atenção para o fato de que, no atual cenário global, as grandes empresas petrolíferas seguem apresentando propostas que em nada atendem expectativas de redução das emissões de gases de efeito estufa. Afinal, os combustíveis fósseis, que respondem por 80% do suprimento global de energia, continuam a ganhar espaço. E os projetos para a área de energia limpa preveem apenas 1% de orçamento total.

Dono do 9º maior PIB mundial, o Brasil é o 6º maior emissor de gases de efeito estufa. Para Bocuhy, como país progressista, deveria evoluir fortemente para fora da órbita dos fósseis. “Mas essa disposição não está sinalizada no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), nem no Plano Estratégico da Petrobras (2024-2028), anunciado às portas da COP28 com a destinação mínima de aproximadamente 5% de seus investimentos para o próximo quinquênio em energia limpa”, diz o ambientalista em seu artigo. Por isso, estima, na COP28, o Brasil acabará fazendo coro aos baixíssimos investimentos em energia limpa das grandes petroleiras, como Equinor, TotalEnergies, Shell e BP, além de centenas das menores, seus pares, inclusive estatais. 

Não é diferente entre os maiores empresários do setor. Ahmed Al-Jaber, CEO da Empresa Nacional de Petróleo de Abu-Dhabi (Adnoc), a maior dos Emirados Árabes Unidos, projeta um cenário de transição energética no qual o petróleo terá participação de 50% até 2050. Isso está na contramão das recomendações científicas para a redução das emissões de gases de efeito estufa.

Magnata da indústria petrolífera está na coordenação da COP28

Como lembra Bocuhy, Al-Jaber, representante do setor petrolífero local, é também o homem por trás da organização da COP28, evento que começa neste dia 1º em Dubai, para discutir justamente a diminuição das emissões dos combustíveis fósseis. Na avaliação da Anistia Internacional, o poderoso da indústria petrolífera não tem condições  para liderar a COP28. Na prática, é como um executivo da indústria do tabaco coordenar uma conferência anti-tabagismo.

Além da prioridade para combustíveis fósseis, que têm inclusive subsídios estatais que somam cerca de US$ 7 trilhões por ano, esses setores ainda promovem o greenwashing. Trata-se de uma prática que consiste em discursos, anúncios, ações, documentos, propagandas e campanhas publicitárias para maquiarem sua atuação poluente. Um parêntese: esses subsídios poderiam custear a transição energética global, cuja estimativa de investimento em energia limpa é passar de US$ 1,8 trilhão para cerca de US$ 4,5 trilhões por ano até o início de 2030.

Bocuhy aborda ainda outras faces do conflito de interesses por trás das conferências. Na COP27, no Egito, a maior delegação foi formada por lobistas do petróleo e gás, superando a maioria. Tanto que o texto final incluiu, de última hora, um dispositivo para impulsionar “energia de baixa emissão”. Mas na realidade, segundo ele, ainda não existe tecnologia capaz de realizar essa tarefa de maneira efetiva na escala desejável. “O blefe tecnológico obviamente não convence a área científica, mas serve como desculpa para evitar a eliminação dos fósseis, utilizando de subterfúgio para perpetuar sua presença com a promessa de apenas sua redução”, escreveu. 

Humanidade e biodiversidade na mira das mudanças climáticas

Em meio a tudo isso, estudos liderados pelo climatologista James Hansen (ex-Nasa), apontam um cenário de + 3ºC até o fim do século, e não +1,5ºC conforme o limite considerado “seguro” estabelecido no Acordo de Paris. O limiar de +3ºC, que poderá inclusive ser atingido em meados do século, representa altíssimo risco para a humanidade e a biodiversidade: afeta a segurança hídrica e alimentar, além de provocar a extinção massiva de espécies e migrações em massa.  

Sem aportes financeiros para enfrentar essas consequências nefastas das emissões, a COP28 começa com a cobrança de reparação de perdas e danos no montante de US$ 100 bilhões para os países mais pobres. A reivindicação foi feita em 2010, em Cancún, com o repasse de recursos até 2020. Mas só foi ratificada em 2022, na COP27 de Sharm el-Sheikh, ainda sem aporte financeiro concreto. 

Segundo Bocuhy, com “exceção honrosa” da União Europeia, os países mais ricos e poluidores demonstram pouca disposição para colocar a mão no bolso e ressarcir os países em desenvolvimento em função dos impactos das mudanças climáticas. Os maiores responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa, conforme destaca, são a China, Estados Unidos, Rússia, Índia e Japão, seguidos pelo Brasil. “A quantia de U$ 100 bilhões é considerada pequena diante da necessidade de aporte de trilhões de dólares para a transição energética, que continua empacada”.