Sustentável?

Carro elétrico bate recorde de vendas. E se faltar energia para recarregar? Liga termelétrica a carvão e diesel?

A pesquisadora do Inpe Luciana Gatti lembra que, como a principal fonte de energia do planeta é de origem fóssil, não terá eletricidade para tanto carro. E para suprir o aumento da demanda serão ligadas essas termelétricas, como já acontece quando baixa o nível dos reservatórios. Vale a pena?

José Cruz/Agência Brasil
José Cruz/Agência Brasil
Veículo sendo recarregado: pra ser sustentável, eletricidade tem de ser de fonte limpa. E olhe lá

São Paulo – Com o apelo da sustentabilidade, já que não seria movido a combustíveis fósseis emissores de gases de efeito estufa, o carro elétrico bateu recorde de venda no Brasil. Em 2023 foram quase 94 mil unidades, segundo informou no início do mês a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE).

De acordo com a entidade, foram 93.927 emplacamentos no ano passado, um aumento de 91% em comparação a 2022, com 49.245. Só em dezembro foram vendidos 16.279 unidades, aumento de 191% em relação a dezembro de 2022, quando foram comercializados 5.587 veículos.

Esse incremento, segundo a associação, se deve aos veículos plug-in, ou seja, com recarga externa das baterias. Esses modelos correspondem a 56% das vendas de carros leves eletrificados (52.359 no total), superando os híbridos convencionais.

À primeira vista, a notícia parece excelente. Mas não é bem assim. A pesquisadora Luciana Gatti, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) avalia que esse boom no mercado dos veículos eletrificados interessa mesmo somente à indústria automobilística, que encontrou outro nicho de mercado. Já a questão climática, mesmo, pouco deverá ser beneficiada, segundo ela, que é especialista no assunto.

Qual a fonte de energia para carregar tanto veículo?

Em participação no programa Onze News, transmitido pela TVT nessa quarta-feira (10), ela chamou atenção para o aumento da demanda por energia elétrica. “Imagine então o mundo inteiro com carro elétrico. Qual será a fonte de energia que vai carregar esse veículo?”, perguntou, lembrando uma professora a despertar o raciocínio de seus alunos. “Qual é a maior fonte de energia no planeta? Combustíveis fósseis, oras”, completou.

Sem entrar no mérito da própria produção desses veículos, especialmente de suas baterias, Luciana tocou em um ponto central, porém muito pouco discutido: a fonte da energia elétrica. “Não adianta nada ligar teu carro elétrico na tomada se precisar ligar as termelétricas que queimam carvão mineral, ou petróleo, ou o gás metano fóssil que tem o nome fofinho de gás natural”, disse ao apresentador Gustavo Conde.

Fazendo um parêntese para divulgar uma audiência pública no próximo dia 31 de janeiro para discutir o projeto de construção da maior termelétrica do Brasil em Caçapava, no vale do Paraíba, a pesquisadora destacou que essas usinas produzem eletricidade a partir da queima de combustíveis fósseis. E que são ligadas justamente quando as hidrelétricas operam com reservatórios abaixo da capacidade e têm alta demanda.

A única saída é reduzir o consumo de energia, diz Luciana Gatti, do Inpe

“Se tem termelétrica a carvão e troca pra gás natural, tem ganho, porque emite menos. Se sai do petróleo e vai pro gás, também tem ganho. Mas se usa hidrelétrica, eólica e solar como matriz energética e vai pra termelétrica, estamos aumentando as emissões de gases de efeito estufa. Então se você põe um monte de carro elétrico na praça vai aumentar a demanda por energia, aí já começa o problema, porque se a energia não é limpa, não é a solução”, disse, lembrando que os gases de efeito estufa são causadores do aquecimento global e das mudanças climáticas que estão em curso avançado.

Segundo enfatizou, a solução é a redução no consumo de energia, e não o contrário, como deve ocorrer com o aumento das vendas de carros elétricos. “Do jeito que a humanidade consome cada vez mais produtos elétricos, eletrônicos, mesmo com energias alternativas, nós não vamos conseguir atender essa demanda por energia com energias realmente limpas”, lamentou.

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Confira a íntegra da entrevista com Luciana Gatti

Redação: Cida de Oliveira