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Promotor afirma que projeto de Alckmin sobre áreas florestais é inconstitucional

Ivan Castanheiro, do Ministério Público estadual, alerta: PL 249/2013, que tramita em regime de urgência, sem participação popular, é cheque em branco para a iniciativa privada explorar áreas

Jhonatas Henrique Simião/Instituto Florestal

Preservação de florestas paulistas, como Itirapina, na região de Piracicaba, são fundamentais à recomposição dos recursos hídricos

São Paulo – Pronto para votação na Assembleia Legislativa, o Projeto de Lei 249/2013, que permite a concessão de 25 áreas florestais paulistas a conglomerados empresariais, é inconstitucional. Além de desobedecer a Constituição federal, a proposta de autoria do governador Geraldo Alckmin (PSDB), que tramita em regime de urgência e ouviu a sociedade apenas uma vez, numa audiência pública convocada com um dia de antecedência, contraria ainda outras leis federais e estaduais, inclusive a própria Constituição do estado. O alerta é do promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema) Ivan Carneiro Castanheiro, que atua em Piracicaba.

Para o promotor, a Constituição de 1988 é desrespeitada em seu artigo 225, que determina que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado – um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, e que é obrigação do poder público preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas. Além disso, a Carta de 1988 atribui ao poder público preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; definir, em todas as unidades da federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.

Outra legislação federal, a chamada Lei do Snuc (n° 9.985/00), que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, é desrespeitada por parágrafos dos artigos 2° e 3º do PL de Alckmin. Pelo texto da proposta, conforme Castanheiro, a conclusão que se tira é que apenas as unidades de conservação devem obedecer diretrizes de planos de manejo. As demais áreas, ou parte de áreas de parques estaduais, monumentos naturais, áreas de proteção ambiental, áreas de relevante interesse ecológico, florestas estaduais, reservas extrativistas, reservas de desenvolvimento sustentável, estações experimentais, hortos e viveiros florestais ficam livres de cumprir planos de manejo mesmo quando esses existirem. “É preocupante que não esteja expressamente prevista na proposta essa exigência que consta de vários dispositivos da Lei do Snuc”, afirma o promotor.

Ele lembra que conforme o artigo 30 da Lei do Snuc, as unidades de conservação só poderão ser geridas por Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), com objetivos afins aos da unidade, mediante instrumento a ser firmado com o órgão responsável por sua gestão.

“A concessão da gestão a empresas com fins lucrativos contraria a Lei Federal 9.790/99, que qualifica as Oscips e disciplina o chamado termo de parceria, trazendo uma crise de legalidade da norma estadual em relação à federal.”

Cheque em branco

A Constituição estadual, em seu artigo 19, determina que compete à Assembleia Legislativa, com a sanção do governador, dispor sobre todas as matérias de competência do estado, ressalvadas as especificadas no artigo 20, e especialmente sobre a autorização para cessão ou para concessão de uso de bens imóveis do estado para particulares, dispensado o consentimento nos casos de permissão e autorização de uso, outorgada a título precário, para atendimento de sua destinação específica.

Além disso, conforme o promotor, para que todas as áreas públicas protetoras de biodiversidade, dos ecossistemas e dos recursos hídricos tenham segurança jurídica, é preciso o PL seja regulamentado por lei estadual já na sequência de sua aprovação – e não num momento posterior. Isso porque, caso permaneça a redação atual do PL, o governo estadual poderá vir a modificar os critérios de concessão por decretos estaduais ou resoluções da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, sem anuência dos representantes do povo na Assembleia Legislativa.

Na prática, essa autorização genérica é um “cheque em branco” para o governo, que pode conflitar com o disposto no artigo 19° da Constituição do Estado de São Paulo, já que essas autorizações de uso de bens do estado não podem ser tão generalistas da forma como previsto.

Por isso, no seu entender, não seriam passíveis de concessão à iniciativa privada algumas das unidades previstas no PL 249/13, pois as florestas e demais formas de vegetação existentes nas unidades administradas pelo Instituto Florestal e pela Fundação Florestal são importantíssimas para a manutenção, preservação e recuperação do ecossistema paulista, já tão combalido, e para a biodiversidade, assim como as pesquisas.

Castanheiro adverte ainda para outro aspecto: a aprovação, em janeiro, da Lei da Vegetação Florestal Paulista (Lei estadual 15.684/15), que entre outras coisas revoga a Lei 9.989/98, a única a obrigar a recomposição de vegetação nativa de áreas de preservação permanente de cursos d’água, nascentes e entorno de reservatórios e que continha os critérios técnicos aprovados pela comunidade científica do país; que ameaça a conservação dos cerrados. Nesse contexto, em que a flora paulista torna-se ainda mais ameaçada, há que se fortalecer esforços de proteção e restauração até com vistas à recomposição dos recursos hídricos.

“Pesquisas científicas realizadas por renomadas universidades que trabalham nessas unidades estaduais estão contribuindo para a qualidade dos recursos hídricos e vazão dos cursos d´água, aspectos de fundamental importância em época de crise hídrica, cuja escassez de recursos hídricos parece ter vindo para ficar, bem como são fundamentais para a preservação e gestão de florestas e da biodiversidade”, afirma.

Conforme ressalta o promotor, a concessão de uso prevista no PL oferece potenciais riscos ao meio ambiente natural (flora, fauna e água). “O agravamento da degradação devido a uma gestão ambientalmente descompromissada da iniciativa privada, no âmbito da concessão de uso, aliadas às deficiências de fiscalizações dos órgãos ambientais, por falta de estrutura e de pessoal, trarão atrasos irreparáveis ao meio ambiente e às pesquisas científicas, ou de longo prazo para a recuperação, devendo ser evitados esses riscos, com base nos princípios ambientais da prevenção e da precaução.”