Primeiro mês de Dilma revela estilo discreto de governar

Com poucas aparições públicas, presidente reforça imagem de gestora rigorosa; estilo discreto é aprovado pela oposição, que demonstra não sentir saudades de Lula

(Foto: Roberto Stuckert Filho/PR)

São Paulo – Oito discursos ou entrevistas, quatro cidades visitadas, uma viagem internacional, uma reunião ministerial, 24 conversas com ministros, dois governadores recebidos no Palácio do Planalto. Uma análise da agenda presidencial dos primeiros trinta dias aumenta a impressão de uma chefe de Estado com estilo discreto e uma grande preocupação com a articulação política.

Via de regra, é normal que um novo presidente passe as primeiras semanas de governo promovendo articulações com partidos da base aliada, indicando prioridades e analisando em que situação recebe o controle do país. A deputada federal eleita Benedita da Silva (PT-SP) acredita que o recolhimento de Dilma, com poucas aparições públicas, diz respeito à discussão sobre nomeações para cargos de escalões inferiores e à necessidade de mostrar aos ministros como se deseja que funcione o governo. “Precisa de bastante atenção para azeitar a máquina e, então, pode colocar a cara mesmo. Está fazendo direitinho.”

 

 

Valeriano Mendes Ferreira Costa, professor de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), entende que, apesar dessa necessidade de articulação, já se pode notar a formação do estilo de governar de Dilma. “A impressão é que vai ser mais restrita, uma agenda mais fechada no âmbito da gestão, com muita reunião e acompanhamento”, assinala.

As prioridades escolhidas pelo governo e a divisão dos ministros em núcleos que terão de corresponder a metas reforçam a imagem de gestora da presidente. À frente da Casa Civil, ela ficou conhecida como gerente do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Agora, elegeu o corte de gastos como fundamental para iniciar o governo e, para isso, trabalhou para estreitar a relação entre os ministros da área econômica. Guido Mantega, da Fazenda, e Miriam Belchior, do Planejamento, foram os que mais vezes se reuniram com Dilma: quatro cada um, de acordo com a agenda oficial divulgada pela Presidência. A meta é cortar gastos e reforçar a toda a equipe ministerial a necessidade de realizar mais usando menos dinheiro.

Cândido Vaccarezza, líder do governo na Câmara, minimiza a importância dos estilos de governar, afirmando que “todo mundo tem diferença de todo mundo” e que o importante é o bom funcionamento da máquina pública. “Dilma substituiu o presidente Lula e não deixou nenhum ponto a desejar. Não tem perda de qualidade do governo e não tem perda de qualidade das decisões.” 

Comparações

Convidado a opinar sobre o estilo discreto de Dilma, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso concordou que o mais importante é que o governo funcione. Mas, por sua vez, não perdeu a oportunidade de alfinetar seu sucessor: “Não tenho que ouvir o Lula todo dia na televisão. Já é alguma coisa. É cedo para julgar, mas acho que o estilo é mais tecnocrático, mais discreto, menos de showman exagerado.” 

Deixando de lado as estocadas, a comparação com Lula é inevitável, principalmente em se tratando de um presidente que ajudou a eleger a candidata que apoiou e que deixou o cargo com aprovação próxima a 90%. Nos primeiros dias do primeiro mandato, em 2003, ele dedicou-se a encontros com chefes de Estado estrangeiros que haviam viajado a Brasília e a reuniões com ministros, de maneira muito parecida ao que ocorreu com Dilma. 

A observação da agenda do primeiro mês mostra que o ex-presidente teve como primeira viagem nacional o Piauí, em 10 de janeiro de 2003, em uma solenidade na qual apresentou sua equipe ministerial à população presente e fez um discurso ainda em tom pós-eleitoral naquele que era o estado mais pobre do Brasil. “Olhem, nesta hora, para a gente mudar este país, a gente vai juntar todos os homens e todas as mulheres de bem, para a gente poder fazer a revolução moral e ética de que o nosso país necessita.”

Cinco dias depois, viajou a Quito para a posse do então presidente do Equador, Lucio Gutiérrez, onde manteve reuniões com outros chefes de Estado. Enquanto Dilma optou por não fazer viagens internacionais antes da posse, postergando um convite dos Estados Unidos, Lula iniciou contatos internacionais pela Argentina, em 2 de dezembro de 2002. O primeiro mês foi marcado também pela polêmica levantada em torno de duas viagens feitas na última semana: Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, no dia 24, e Fórum Econômico Mundial, na Suíça, a partir do dia 26. 

Na capital gaúcha, um dos doze discursos do primeiro mês de mandato – que teve ainda uma entrevista coletiva -, Lula explicou porque embarcava em seguida para o evento que reúne alguns dos investidores mais ricos do mundo. “Quero fazer questão de ir a Davos e dizer em Davos exatamente o que eu diria para um companheiro qualquer que esteja aqui neste palanque. Dizer em Davos que não é possível continuar uma ordem econômica onde poucos podem comer cinco vezes ao dia, e muitos passam cinco dias sem comer no planeta Terra.”

Mais Planalto

Já Dilma teve uma agenda diferente. A primeira saída de Brasília foi em direção ao Rio de Janeiro, no dia 13 deste mês, por conta da chuva que fez centenas de vítimas. “O governo federal está aqui cooperando, como estamos fazendo nos últimos anos, no sentido de resgatar, reconstruir e prevenir também”, afirmou à ocasião. Após anunciar medidas emergenciais e a liberação de verbas extraordinárias para auxiliar na reconstrução das cidades da região serrana, retornou a Brasília e apenas voltou a fazer aparições públicas em 25 de janeiro, na homenagem ao vice-presidente José Alencar. Na última semana, no entanto, intensificou sua agenda pública, com uma nova viagem ao Rio e outra a Porto Alegre. Por fim, inicia nesta segunda-feira (31) sua primeira visita internacional, à Argentina, onde se encontra com a presidente Cristina Kirchner e, imagina-se, fará sua nona fala desde que assumiu o mandato.

João Almeida (PSDB-BA), que deixa esta semana a Câmara e o cargo de líder da bancada tucana, afirma que, embora não veja diferença em relação a governos, é preciso celebrar a mudança de estilo de Dilma. O parlamentar não esconde a insatisfação com o que classifica de histrionismo de Lula, ou seja, uma necessidade de chamar atenção fazendo piadas. “O cargo tem um rito. Lula banalizou esse negócio. Aquele estilo sindicalista dele. Fez uma coisa exótica fora de qualquer padrão aceitável. E faz isso porque não tem censura, não tem limite. Foi educado, foi criado nesse ambiente de sindicato e isso é difícil de mudar.” 

Já Valeriano Costa, da Unicamp, avalia que Dilma terá um grande desafio na questão da comunicação. Ele pensa que, em breve, a presidente terá de intensificar a agenda externa ao Planalto para aumentar o contato com a sociedade, tornando públicas as ações de governo. “Se tiver um bom desempenho econômico, mas uma péssima imagem política, isso acaba se refletindo num desgaste junto à base de governo, e não vai ter o retorno que se espera”. 

O período de avaliação de ações de um novo governo é, consensualmente, de cem dias. Até lá, costuma durar o período chamado de namoro ou lua de mel, em que há certa tolerância com o novo governante. No primeiro teste, no entanto, Dilma parece ter sido aprovada

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