Na rota da Rede Vespa

'Os Últimos Soldados da Guerra Fria', novo potencial best-seller de Fernando Morais, relata feito romance policial a saga dos cinco cubanos presos há 13 anos pelos EUA

Morais recebeu a RdB com exclusividade em seu escritório (Foto © Jailton Garcia)

Os caras saem de Cuba como traidores, como desertores, gente que roubou avião… Um deles arrancou com o avião e pousou quase em pane seca em Miami. As mulheres não sabiam, os filhos não sabiam, não podiam saber

O agente René Gonzáles foi o primeiro a entrar na Flórida, em 1990. Saiu de Havana simulando ser um traidor da revolução cooptado pelo sonho americano. Nos dois anos seguintes, seria seguido por outros 13 companheiros, entre eles duas mulheres. A Rede Vespa estava pronta, com a missão de infiltrar-se entre organizações de direita que jamais digeriram a revolução de 1959. Com apoio de empresários e políticos norte-americanos, essas organizações contratavam mercenários para sabotagens como lançar pragas contra as lavouras e interferir nas comunicações do aeroporto de Havana. No início dos anos 1990, passaram a privilegiar o terror à indústria do turismo, base da economia da Ilha depois da derrocada da União Soviética. As ações incluíam de rajadas de metralhadoras contra turistas em praias cubanas a atentados a bomba em hotéis. As reclamações diplomaticamente dirigidas ao governo americano eram ignoradas. 

Distante apenas 160 quilômetros do maior império militar do mundo, restava ao governo cubano, para defender-se, a inteligência. Os agentes da Rede Vespa, disfarçados em profissões inusitadas como instrutor de salsa em Key West ou personal trainer de milionários de Miami, conseguiram proteger seu país de centenas dessas operações. Em 1998, uma ofensiva do FBI levou à captura dos agentes. Quatro esca­param. Outros cinco negociaram a liberdade em troca de informações. Restaram René e seus companheiros Fernando González, Antonio Guerrero, Ramón Labañino e Gerardo Hernán. Fiéis à sua causa, desde aquela época estão encarcerados em diferentes presídios de segurança máxima, condenados pela Justiça americana a penas de 15 anos a prisão perpétua.

Habituado a grandes reportagens, o jornalista e escritor Fernando Morais foi atrás da história. O autor de A Ilha (1976, atualizado em 2001) e das biografias de Olga Benário Prestes, Assis Chateaubriand e Paulo Coelho (traduzido em mais de 40 países) conhece o caminho das pedras e dá a suas histórias narrativas cinematográficas. Olga­ foi o primeiro a ir para as telas. Chatô, o Rei do Brasil está filmado. Toca dos Leões, livro que tem como pano de fundo o sequestro do publicitário Washington Olivetto, já está nas mãos da produtora de Fernando Meirelles. Corações Sujos, uma história da imigração japonesa na Segunda Guerra Mundial, foi sucesso no Festival de Paulínia e estreia em breve em circuito comercial. E, antes mesmo de ser escrito, Os Últimos Soldados da Guerra Fria, lançado este mês pela Companhia das Letras, teve seus direitos vendidos para cinema. Trata-se, segundo o autor, de uma história eletrizante como um romance policial. Pena que, a exemplo dos 50 anos de agressões norte-americanas a Cuba, nenhuma de suas 350 páginas tenha uma linha sequer de ficção. É tudo verdade.

O filme Cidadão Kane, que completa 70 anos, fez história no cinema inspirado no poder de um magnata da mídia, o vaidoso e excêntrico William Randolph­ Hearst. Assis Chateaubriand se encaixaria no papel?
Sim, o Chatô foi um Hearst brasileiro, com características tropicais. Provavelmente, um dos homens mais poderosos da primeira metade do século 20. Talvez nem Getúlio tenha tido tanto poder quanto ele. O Cruzeiro foi a única revista no Brasil a vender 700 mil exemplares em banca, numa época em que o Brasil tinha 40 milhões de habitantes e índices de analfabetismo altíssimos. Acho que nem Roberto Marinho teve tanto poder. É um personagem fascinante, e com excentricidades muito peculiares, como aquela mania de condecorar autoridades com a Ordem do Jagunço. Ele punha um gibão de couro de bode fedorento e um chapéu de cangaceiro no condecorado e batia com um punhal enferrujado – fez isso com o Churchill. As pessoas ressaltam que ele usava seus veículos para fazer chantagem, mas foi assim que montou o Masp, que é um museu público, não é da família Chateaubriand, não é dos Diários Associados, não ficou para os filhos. Tudo isso conseguido na ponta da faca.

Seria também comparável a outra figura agora em evidência pelos escândalos em seus jornais britânicos, Rupert Murdoch? 
É bem diferente. O Murdoch não tem a riqueza humana que o Chatô tinha. Compará-los é injusto com o Chatô. 

Murdoch seria um ícone desse tipo de jornalismo que se faz hoje, que não investiga, é pautado, movido a “fontes” e releases?
O Murdoch, você pode dizer sem medo de cometer injustiça, é um cara de direita. Do Chatô você não podia dizer isso stricto sensu. No golpe de 64 ele ajuda os militares e depois rompe. No dia em que o avião do Castello Branco se arrebenta numa montanha no Ceará ele dá uma festa, celebra com champanhe a morte do ex-ditador.Morais pesquisou durante três anos

Tem um outdoor em Cuba que diz: “Esta noite 200 milhões de crianças vão dormir naruaemtodoo mundo. Nenhuma delas é cubana”. Que país pode fazer isso? É por isso que sou solidário

E a produção do filme Chatô, o Rei do Brasil, será finalizada um dia?
O Guilherme diz que o filme está pronto. (O ator e diretor Guilherme Fontes comprou os direitos do livro e começou a filmá-lo em 1995; depois de consumir mais de R$ 8 milhões, teve a prestação de contas rejeitada pelo TCU, não conseguiu terminar a obra nem obteve mais recursos.) A única coisa que eu sei é que o Guilherme é honesto. Ele não se apropriou de dinheiro público, certamente tem menos bens hoje do que há 16 anos, quando comprou os direitos do livro, e eu não sei se foi má administração. Enfim, cinema não é a minha praia, embora eu já tenha tido outros livros vendidos para o cinema. Teve o Olga, agora o Corações Sujos vai estrear.

Esse não foi o Cacá Diegues quem comprou os direitos para filmar?
Quem tinha adquirido originalmente os direitos para filmar Corações Sujos era o Cacá Diegues, mas ele vendeu para o Vicente Amorim, filho do Celso Amorim. É um bom cineasta. Assisti à exibição no Festival de Paulínia, ficou uma beleza. Esse livro que estou lançando agora também vai virar filme. E foi comprado antes de eu escrever. Tem um jovem aqui de São Paulo, chamado Rodrigo Teixeira, que é um investidor. Ele compra argumentos, histórias, para depois chamar diretores. O que permitiu que eu fizesse 20 viagens para Cuba e para os Estados Unidos nos últimos três anos foi o adiantamento que recebi da editora mais o direito que recebi para o filme. Além disso, vendi para a O2, do Fernando Meirelles, o Toca dos Leões, que é a história da W/Brasil, do Washington Olivetto. Eu estava trabalhando com o Washington quando ele foi sequestrado (em 11 de dezembro de 2001; ficou 53 dias em cativeiro), então comecei a investigar o sequestro junto com a polícia, com a família. 

Você falou do Toca dos Leões. É por causa desse livro que o Ronaldo Caiado…
Está me processando. E eu prefiro não falar disso. Há um processo, e falar sobre algo que está sub judice pode acabar soando como uma manifestação de afronta à Justiça. 

Então vamos ao livro dos cinco cubanos, Os Últimos Soldados da Guerra Fria.
Eu estava num táxi com a minha mulher quando ouvi no rádio que agentes de inteligência cubana tinham sido presos havia algumas horas. Originalmente eram 14, quatro escaparam. Cinco traíram, fizeram delação premiada, estão em algum lugar do mundo, com nome falso. E cinco não aceitaram fazer acordo, disseram: “Não somos espiões, nunca quisemos nem queremos tocar num único documento norte-americano, viemos aqui para nos infiltrar em organizações de extrema direita que estavam colocando bombas em Cuba, sobretudo na indústria turística”.

Que foi o que salvou Cuba nos anos 1990.
Foi a atividade que salvou Cuba depois do fim da União Soviética. E quando ouvi essa história no rádio, comentei com a minha mulher: “Pô, isso aí dá um livro”. Na primeira oportunidade que tive de ir à Cuba, comentei com amigos lá da direção do partido: “Eu quero fazer essa história”. Eles diziam que isso podia comprometer a segurança pessoal de muita gente, que era segredo de Estado, e toda vez que voltava a Cuba eu insistia. Em 2005, fui a Havana para a bienal do livro. Na véspera de eu voltar para o Brasil, toca o meu celular. Era o Ricardo Alarcón, presidente da Assembleia Nacional. Eu estava jantando no Floridita, e ele foi até lá: “Ainda está interessado na história dos cinco?” Em 2008, comecei a falar com familiares, ouvi gente envolvida com eles, governo, inteligência, militares. Ao longo desses três anos pude entrevistar alguns dos presos, porque eles estão em cinco prisões de segurança máxima, cada uma em um estado, com regimentos diferentes. Algumas permitiam que eu falasse por internet, outras não. Nas que não permitiam, eu chegava por meio da família, que tinha uma cota de telefonemas mensal; mandava perguntas pelas mulheres, filhos e tal.

Pouca gente em Cuba sabia dessa missão?
Ninguém! Só altíssimo escalão, Fidel, Raúl Castro e mais dois ou três dirigentes do partido. Os caras saem de Cuba como traidores, como desertores, gente que roubou avião… Teve um deles que arrancou com o avião de lá e pousou quase em pane seca em Miami. As mulheres não sabiam, os filhos não sabiam, não podiam saber. Era uma coisa dolorosa, porque a mulher era apontada na rua como a mulher do gusano (traidor). Tem uma passagem da filha de um deles, hoje já casada, que com 11, 12 anos estava com o primo jogando um jogo qualquer. Ganhou dez vezes seguidas e virou para o priminho e disse: “Eu sou mais nova do que você e sou campeã”. E ele: “Mas meu pai não é gusano, o seu é”. Pô, a menina avançou nele. Então, esse tipo de tragédia humana tem um impacto muito grande.Fernando Morais, escritor, julho 2011 (Foto Jailton Garcia)

Um americano, Allan Gross, foi a Cuba duas vezes. Na primeira conseguiu botar bomba e escapar. Na na segunda foi preso, a partir de informações mandadas pelos cinco. Ia colocar bombas por US$ 7.500. É uma história de dar calafrio

Haja frieza.
Tem coisas muito interessantes. Um deles era comandante de uma coluna de tanques na África, durante a guerra de Angola, e foi dar aula de salsa em Key West, que é um paraíso gay. Então, era um sujeito com formação em Engenharia Aeronáutica na Ucrânia, na União Soviética, que ia dar aula de salsa para os gays em Key West. Outro era comandante de MIG, de caça-bombardeiro, tinha longa experiência em combates, e foi trabalhar como personal trainer, fazer ginástica com milionários de Miami. Outro, o Gerardo, que chefiava o grupo, vendia charges para jornal em Miami. Estamos acostumados com os filmes de James Bond, em que a vida do agente de inteligência é cercada de champanhe, mulheres, glamour. Imagina: todos moravam em quitinete, alguns tinham carro, nenhum tinha celular, que começava a aparecer. O primeiro que vai para lá, o René, vai em 1990, depois vão os outros. Em 1992 a equipe, a chamada Rede Vespa, estava montada.

E a ação deles nos EUA conseguiu evitar…
Conseguiu evitar dezenas, centenas de atentados e permitiu a prisão de vários mercenários, alguns dos quais eu pude entrevistar. Mercenários estrangeiros que eram contratados pelo pessoal de Miami para botar bomba em hotel, em avião, agência de turismo cubana. O turismo estava salvando a revolução, então era o que tinham de destruir. É uma história muito dramática e ao mesmo tempo eletrizante, você lê como quem lê um romance policial. Tem histórias incríveis. Tem uma correspondência secreta entre o Fidel e o Bill Clinton, com informações que os cinco mandaram de Miami para Havana, e o pombo-correio entre o Fidel e o Clinton era o Gabriel García Márquez. (O objetivo era alertar o governo americano para que impedisse os atentados.) 

Você falou com autoridades americanas. Há quem defenda afrouxar a pena, soltura?
Tenho uma declaração do ex-presidente Jimmy Carter dizendo que espera que o Barack Obama indulte a pena deles e os coloque em liberdade. O processo judicial tem um erro atrás do outro. Primeiro, o fato de eles terem sido julgados em Miami, que é uma cidade visceralmente anticubana, anticastrista. Um funcionário da Casa Branca declarou o seguinte: “Julgar agentes de inteligência cubanos em Miami é o mesmo que julgar agentes de inteligência israelenses em Teerã”. É a crônica da condenação anunciada. O pessoal do FBI não pode falar oficialmente, mas conversei com muita gente em off que me deu dicas de onde procurar documentos. Folheei 30.000 páginas de material que eles mandaram para Havana, selecionei 6.000 folhas de papel para trazer e trabalhar em cima.  O FBI já estava de olho neles três anos antes de prendê-los. Entrou em todas as casas clandestinamente e todos os dias copiava tudo que eles estavam mandando para Cuba. E esse material eu peguei todo. Tive acesso a grampo telefônico, filmagem de gente preparando atentado, transcrição de conversa de mercenários. Abundância de material secreto. 

Quem contratava mercenários?
Era gente da extrema direita cubana, que começou a se exilar, gente que perdeu banco, usina, indústria, e fica em Miami financiando o terror contra Cuba. Então, esses mercenários recebiam em média US$ 1.500 por bomba. Tem um deles preso em Cuba. Foi condenado à morte por fuzilamento e teve a pena comutada para 30 anos de prisão. 

Alguma expectativa de que isso possa resultar em acordo para os cinco cubanos?
Eu acho que pode ser objeto de troca.

Mas esses mercenários não têm valor nenhum para os americanos…
Claro… Tem um americano lá, Allan Gross, que foi a Cuba duas vezes. Na primeira conseguiu botar bomba e escapar, e na segunda foi preso, a partir de informações mandadas pelos cinco. Ia colocar cinco ou seis bombas por US$ 7.500. Eu fui falar com ele. É uma história de dar calafrio.

E, com relação ao pedido de Carter a Obama, alguma expectativa?
Eu não sei. O Obama primeiro tem de resolver essa pepineira em que ele está lá. E ele não pode desagradar a bancada anticastrista, ele depende de maioria no Congresso, como todo mundo. Eu tenho esperança de que o Obama possa indultá-los não neste mandato, mas se for reeleito. Se indultar agora, a dificuldade de se reeleger vai ser grande, por isso e pela soma dos problemas que está vivendo. 

Você, que vai tanto a Cuba, vê alguma perspectiva de mudança, de abertura do regime?
O problema é o seguinte: você não pode ver Cuba como vê um país qualquer, não se pode discutir a realidade cubana sem considerar o bloqueio. A maioria das pessoas nem sabe o que é o bloqueio. Por exemplo, um navio japonês que aporte em Cuba – porque o país comprou dez tomógrafos da Toshiba, no Japão – assim que atraca num porto cubano, ficará não sei quantos meses sem poder atracar em portos norte-americanos. Eles multam empresas pelo mundo. A expressão que usam não é “comercializar”, é “traficar” com Cuba. São 50 anos de agressões, nenhum outro país na história foi vítima da agressão norte-americana durante tanto tempo em todos os sentidos, militar, político, econômico, diplomático.Fernando Morais, jornalista, julho 2011 (Foto Jailton Garcia)

A biografia do Paulo Coelho, um personagem humano, um fenômeno literário,  permitiu que eu contasse um pouco sobre o Brasil da época. Enquanto resistíamos à ditadura, ele estava fumando maconha

Você não acha que o regime, mantido há 50 anos, ficou um tanto decrépito?
O Raúl Castro já fez alguns acenos de abertura. É evidente que eles radicalizaram muito quando a revolução triunfou. Pô, estatizaram até quiosques de batata frita. Aí você tem de criar um ministério com um bando de burocratas para administrar quiosques de batata frita. Não é papel do Estado… Eu tenho uma unha do pé encravada e, em Cuba, toda vez que precisei de uma podóloga era do Estado. Aparar a barba, cortar o cabelo? Barbeiro do Estado. Então, é evidente que assim você desenvolve um dinossauro burocrático, e os cubanos percebem isso. 

O bloqueio justifica o regime tão fechado?
Esse tipo de pergunta precisaria de horas para ser respondida com um pouco de consistência. Então, prefiro usar imagens. Muita gente me pergunta por que sou solidário à Revolução Cubana até hoje se é um regime que tem tantas mazelas. Eu costumo responder o seguinte: tem um outdoor em Cuba que diz “Esta noite 200 milhões de crianças vão dormir na rua em todo o mundo. Nenhuma delas é cubana”. Que país pode fazer isso? A França? Imagina! No inverno, você vê imigrantes dormindo embaixo das pontes. No Japão? Eu fui ao Japão duas vezes para fazer o Corações Sujos, e você vê velhinhos morando em caixas de papelão na rua, pedindo dinheiro. Em Nova York tem miseráveis. Falo de países do primeiríssimo mundo. Em Cuba você não vê ninguém descalço, banguela. É por isso que sou solidário. Você pode dizer que a liberdade é um valor universal. Tudo bem, mas eles transformaram um bordel norte-americano em um país civilizado, um país exemplar. Pode abrir, ter liberdade de expressão, de organização, partidária? Eu acho que, enquanto houver bloqueio e os Estados Unidos forem inimigos tão agressivos da Revolução Cubana, é difícil.

O bloqueio é questão de honra, ou pirraça?
É loucura! Cuba tem o PIB da Daslu, uma economia de nada, e é um país de 10 milhões de habitantes. A maior potência bélica, econômica e militar do planeta está ali, a 160 quilômetros de distância. É a distância de São Paulo a Piracicaba, do Rio de Janeiro a Juiz de Fora. São 50 anos de agressão de toda natureza. O Fidel mandou para o Bill Clinton um contêiner do tamanho desta mesa com fitas de vídeo, áudios, grampos, dossiês dizendo quem eram os caras que estavam em Miami financiando o terrorismo. Por que não prenderam? Podem dizer o que quiserem, que sou dinossauro, não me importo. Uma das poucas coisas boas que eu conquistei na vida foi a minha independência. As pessoas me perguntam por que escrevi a biografia do Paulo Coelho depois de ter escrito um livro sobre Cuba…

E por que escreveu biografia do Paulo Coelho?
Porque eu quis. E porque acho o Paulo um personagem interessante, humano, é um fenômeno literário e permitiu que eu contasse um pouco sobre o Brasil na época da ditadura para um público talvez alheio a essa história e por meio de alguém que não era militante. Enquanto estávamos enfrentando a ditadura, ele estava fumando maconha. É um pedaço do Brasil ou não é? Essa independência é o maior bem de que eu disponho.

Mas, entre você e Marco Maciel, a Academia Brasileira de Letras ainda preferiu o Maciel…
Que não tinha escrito livro nenhum e me deu uma surra (em 2003). Foram 30 votos a 9. Mas tive voto do Carlos Heitor Cony, do Celso Furtado, do João Ubaldo. Então eu não perdi, ganhei.

O que acrescentaria ser integrante da ABL?
Olha, se você olhar para a lista dos membros da Academia, vai ver que seria um privilégio conviver com boa parte deles. Não todos, claro. Tem o Merval Pereira, mas tem o João Ubaldo, o Antonio Callado, o Alfredo Bosi, tinha o Celso Furtado… Gente interessante, me acrescentaria muito. Se eu tivesse oportunidade, me candidataria de novo, sem o menor pudor.

O nível de leitura está melhorando no Brasil?
Consumindo mais livro, está. Existe uma dezena ou mais de autores que vivem exclusivamente de livros. Não levo vida de rico, mas vivo razoavelmente bem, tenho um escritório, meu carro, viajo… Enriquecer, não, mas dá para viver disso. Também não sustento amante, não cheiro cocaína… Meu único vício caro são meus charutinhos, que já estão depauperando minha garganta. Não tenho um terno. Casei no ano passado e tive de alugar.

O livro é o futuro da grande reportagem?
Para mim tem sido nos últimos 30 anos. Todos os meus livros – esse é o décimo – poderiam ser publicados em jornais e em revistas. E hoje tem uma coisa fascinante, a internet. Eu achava que a liberdade de expressão, sobretudo nos meios eletrônicos, ia ser conquistada nas barricadas, nas tribunas, e a tecnologia foi mais rápida que a ideologia. Hoje, se você tiver um notebook e uma linha telefônica, pode ser seu próprio Roberto Marinho. Se tiver o que dizer, vai ter audiência. Hoje você monta uma estação de televisão com uma linha telefônica e um notebook. O Paulo Coelho está fazendo uma experiência interessante, colocar os livros na internet, de graça. Achei que fosse destruir as vendas, e está vendendo mais. A Amazon em 2010 vendeu mais livros virtuais do que físicos, pode ser um indicador, não sei. Mas uma revolução está acontecendo nas nossas barbas.