Conclat foi tempo de improviso, colchonete e lama

Há 30 anos, presença de mulheres era novidade na primeira Conferência da Classe Trabalhadora

São Paulo – Em 1981, tempos de rearticulação política pós-ditadura, conforto era palavra quase inexistente em congressos sindicais. No caso da 1ª Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), realizada em Praia Grande, litoral sul paulista, para acomodar delegados de sindicatos do país todo – em número bem maior do que o previsto –, foi preciso improvisar.

“Naquele tempo, o pessoal dormia dentro de ginásios, em colchonetes”, lembra o senador Paulo Paim (PT-RS), à época dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de Canoas. “Cantavam música gaudéria, música caipira.”

Série reconta 30 anos de sindicalismo

Entre sexta-feira (19) e terça-feira (23), a Rede Brasil Atual publica uma série de reportagens sobre a Conclat e seus efeitos sobre o sindicalismo brasileiro. A história do movimento de trabalhadores ficou marcada pelo momento, seguido da criação de centrais sindicais, seu reconhecimento recente, durante o governo Lula.

Leia também:

A Conclat aconteceu durante três dias, de 21 a 23 de agosto de 1981. Participaram, pela primeira e única vez, todas as correntes de pensamento atuantes no sindicalismo brasileiro. Foi aprovada a criação de uma central única, o que aconteceria apenas dois anos depois, com a formação da CUT, mas as divergências logo impediram o discurso unitário.

A realização daquele encontro exigiu arrecadação de dinheiro para viajar. O jeito foi fazer promoções e festas, conta Avelino Ganzer. “Ia muita gente de barco até Santarém (PA), e de lá até Cuiabá (MT), numa estrada que até hoje é de chão, com atoleiros, enchendo as latas com farofa. Fazíamos cotização para pegar os ônibus, dizendo: ‘vamos construir a CUT’. É aquela fé que move montanhas, e elas se moveram.”

“As colônias de férias não estavam preparadas para receber tantas pessoas”, diz Edson Campos, hoje na Contag. “Onde cabiam três, dormiam oito. Outros dormiram no ônibus mesmo.” Mesmo os sindicatos não possuíam muita estrutura. “Alguns mais modernos conseguiam ter um telex.”

Hugo Perez conta que o evento foi organizado para 2.500 pessoas, metade do número final de delegados. “Alguns (sindicatos) não cederam, por medo ou porque o governo mandou”, afirma. A solução, além dos ônibus, foi procurar às pressas vagas em hotéis próximos.

A situação foi parecida em 1983, já no congresso que decidiu pela fundação da CUT, no Pavilhão Vera Cruz, em São Bernardo do Campo, na região do ABC paulista. “Estávamos absolutamente tensos. Achávamos que iria ter um número baixo de delegados”, conta Jair Meneguelli, que seria o primeiro presidente da CUT e, hoje, está à frente do Conselho Nacional do Serviço Social da Indústria (Sesi). “Mas aí não parava de chegar ônibus. Estava um frio desgraçado (3 graus, segundo ele) e o pessoal de havaiana. Saímos pedindo cobertor velho.”

Hoje bem mais comum, a presença de mulheres ainda era novidade naquele período. Clara Ant, então diretora do Sindicato dos Arquitetos de São Paulo, e que hoje assessora o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Instituto Lula, lembra que a comissão nacional pró-CUT tinha apenas duas mulheres. E recorda de alguns “preconceitos e grosserias” que teve de aturar. “Eu sentia que tinha de fazer mais do que qualquer outro. Imagine, arquiteta, trotskista e mulher…”