superexploração

Jornalistas da CBN reivindicam ‘escala mais humana’ e respeito às leis trabalhistas

Além das jornadas desgastantes, trabalhadores revelam estar há dois anos sem reajuste salarial, mesmo com determinação do TRT

Marcus Leoni/Folhapress

Trabalhadores reivindicam mudanças na escala de trabalho, liberdade para definir uso do banco de horas e reajuste

São Paulo – Jornalistas da Central Brasileira de Notícias (CBN), rede de rádio pertencente às Organizações Globo, entregaram carta à direção da emissora com reivindicações como escala de trabalho menos estafante e respeito aos direitos dos trabalhadores. Como exemplo, atualmente a equipe paulista folga apenas em um fim de semana a cada cinco trabalhados e somente em dois feriados por ano. Antes, a escala era de um fim de semana trabalhado por mês e folga em metade dos feriados por ano. “Essa situação tem provocado um desgaste físico e emocional sem precedentes para todos nós”, afirmam os profissionais, na carta.

Segundo os trabalhadores, somente neste ano, quatro jornalistas foram afastados por problemas de estresse acumulado e estafa relacionados ao trabalho. Há ainda relatos de outras doenças, depressão e transtornos psicológicos. Outro problema é que os profissionais não podem escolher quando vão tirar folgas relativas aos bancos de horas acumulados, já que horas-extras não são pagas. Também sofrem com constantes mudanças de horários nos turnos de trabalho.

Além de denunciar a superexploração do trabalho, os jornalistas da CBN também reivindicam pagamento do reajuste salarial de 10,94%, retroativo a dezembro de 2015, determinado pelo Tribunal Regional do Trabalho, mas até agora não concedido. “A empresa se recusa sequer a recompor a inflação do período. O desgaste e o esgotamento vêm em um momento em que estamos acumulando dois anos sem reajustes salariais. A empresa se recusa sequer a recompor a inflação do período”, dizem os jornalistas.

O Sindicato dos Jornalistas de São Paulo informou que está acompanhando a situação.

Leia abaixo a íntegra da carta:

São Paulo, 30 de novembro de 2016

A Ricardo Gandour
Diretor nacional de jornalismo da CBN

Gostaríamos que este seja o primeiro passo de uma relação que – no que depender de nós – será propositiva, construtiva e de um diálogo aberto e constante.

Como você bem sabe, nós, repórteres, produtores, redatores, apuradores e jornalistas de modo geral da CBN São Paulo temos pleiteado, desde a sua implantação, há cerca de um ano, a reversão do modelo atual de escala de trabalho e folgas.

Como alternativa à escala atual, já fizemos três propostas – todas refutadas pelo departamento jurídico, RH e direção de jornalismo, sem que houvesse uma possibilidade de reforma nos equívocos pontuais ou estruturais. A primeira proposta foi elaborada e negociada com participação do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, como é de conhecimento da direção de jornalismo. A última proposta foi desenhada com a participação de várias pessoas e assinada por quase toda a redação.

Chegamos ao nosso limite.

Enquanto, em média, um trabalhador brasileiro tem cerca de 150 dias de descanso anuais, nós temos 97 – levando em consideração os dias de férias. Se desconsiderarmos as férias, temos quase a metade de dias de descanso do que a média dos trabalhadores (67 a 120). É um disparate.

Antes, a cada mês trabalhávamos em dois dias de fim de semana e folgávamos em seis.

Na prática, tínhamos condição de viajar, visitar nossa família e resolver questões que, durante a semana, tomados pela rotina de trabalho, não conseguimos resolver – como compromissos médicos, por exemplo.

Hoje, a cada cinco finais de semana, folgamos apenas um inteiro.

Dos oito principais feriados deste ano, trabalhamos em pelo menos seis. Há turmas que passaram o ano sem folgar em nenhum feriado. Só conseguiram folgar agora, no feriado da Proclamação da República, por conta de um ajuste feito pela chefia – que trocou a ordem dos plantões –, o que, aliás, deixou outra turma sem folga dupla durante seis finais de semana seguidos.

Essa situação tem provocado um desgaste físico e emocional sem precedentes para todos nós.

A conta chegou.

Neste ano, quatro jornalistas – de uma redação não tão grande – precisaram ser afastados por problemas de estresse acumulado e estafa relacionados ao trabalho. Doenças, depressão, problemas psicológicos. Tudo isso provoca absenteísmo que, por sua vez, afeta a produtividade e aumenta a sobrecarga de trabalho para todos.

No desempenho de suas atividades, quatro colegas tiveram, no intervalo de um ano, registros de agressões físicas graves por parte de policiais e manifestantes, sem que tivessem recebido, em nossa opinião, atendimento e respaldo adequados por parte do Sistema Globo de Rádio.

O desgaste físico e psicológico, porém, não altera o nível de dedicação da equipe. Mesmo no limite, temos nos desdobrado para manter a engrenagem rodando, a rádio funcionando e o produto com a qualidade do Grupo Globo e o padrão desses 25 anos da CBN. E o resultado é atestado nas grandes coberturas em que estivemos envolvidos no último ano. Mas a qualidade do nosso trabalho está seriamente em risco por conta do desgaste absoluto da equipe.

A insatisfação é geral e irrestrita. A direção de jornalismo certamente tem a sensibilidade para perceber isso. É muito difícil, nestas condições, manter profissionais engajados e dispostos a propor ideias, sugerir modelos e participar efetivamente do processo contínuo de adequação e atualização da rádio aos novos tempos. Aliás, no último ano, pelo menos quatro jornalistas altamente capacitados decidiram se desligar voluntariamente da rádio, tendo a escala como um das principais razões.

A principal justificativa para a mudança usada pela direção, além dos motivos jurídicos, foi o fato de que o modelo de escala implantado, com um final de semana de folga por mês, seria estendido às outras redações do Grupo Globo, o que nunca aconteceu. Em redações com o mesmo ritmo de trabalho e as mesmas demandas, inclusive nas rádios concorrentes, o modelo utilizado é o de três finais de semana de folga para um trabalhado – nem mesmo outras regionais da CBN têm o nosso modelo. Por que os outros conseguem, mas nós não?

O desgaste e o esgotamento vêm em um momento em que estamos acumulando dois anos sem reajustes salariais. A empresa se recusa sequer a recompor a inflação do período. O reajuste de 10,94% dos salários, retroativo a dezembro de 2015, foi determinado pelo Tribunal Regional do Trabalho, mas até agora não foi concedido.


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