Com ‘rotatividade ao contrário’, químicos do ABC querem qualificar trabalhadores

Sindicato pretende cobrar investimento de empresários e realizar, em parceria com o setor patronal, programas de formação e de ampliação do nível educacional

São Paulo – Passada a campanha salarial do setor químico, o sindicato da categoria no ABC já vislumbra projetos de formação profissional e de elevação do nível de ensino dos trabalhadores. Segundo Paulo Lage, presidente da entidade, o aquecimento do mercado e a falta de mão de obra, motivo recorrente de “choradeira” entre empresários de diversos setores, têm provocado uma “rotatividade ao contrário”, quer dizer, trocas de emprego motivadas por decisão do funcionário. O cenário coloca a questão no centro das atenções também dos sindicalistas.

Alvo constante de críticas do movimento de trabalhadores, o número elevado de demissões sem justa causa é comumente visto como uma forma de as empresas cortarem despesas com folha de pagamento. Trabalhadores com mais tempo de serviço e rendimentos maiores são dispensados e, em seus lugar, são alocadas pessoas com menos experiência, registradas com valores mais baixos. Mas agora o cenário é inverso.

Por falta de pessoal capacitado, muitos trabalhadores param por pouco tempo em uma empresa porque são convidados com ofertas melhores a ingressar em outras companhias. “Em um cenário desses, o sindicato está preocupado em cumprir sua parte para pensar em qualificar o trabalhador para o futuro e para a nova indústria que chega”, explica Lage.

Nesta entrevista, o sindicalista fala sobre os planos da entidade para a área e dos desafios colocados na discussão setorial sobre ganho de competitividade e proteção contra importações. Ao mesmo tempo, e a exemplo do que se passa com outras categorias, é necessário cobrar contrapartidas sociais e trabalhistas para eventuais políticas de proteção ou apoio à indústria, explica Lage. As questões são vistas como desafios para o próximo período.

“Até 2020, o Brasil será a quinta economia do mundo, se a crise não chegar aqui como na Europa – se Deus quiser não vai chegar. Como ser a quinta maior economia com mão de obra de terceiro mundo, de país pobre, com salário baixo e condições precárias?”, pondera. A avalição é de que é preciso agir para puxar os empregos criados a partir da demanda do petróleo extraído da camada pré-sal para um patamar mais qualificado, com melhores condições.

Os sindicatos da categoria ligados à Central Única dos Trabalhadores (CUT) contabilizam aumentos reais de 22% desde 2005. Neste ano, químicos do ABC, de São Paulo e dos Unificados (Campinas, Osasco e Vinhedo) tiveram proposta de reajuste de 9% nos salários e 10,11% no piso. A participação nos lucros ou resultados (PLR) teve correção de 10,61%. O percentual representa aumento acima da inflação, que ficou em 6,66% no período, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC-IBGE). Os termos foram aprovados pelos trabalhadores em todas as bases.

Confira a íntegra da entrevista.

Qual avaliação o sr. faz da aprovação da proposta de reajuste pelos químicos do ABC?

A aprovação na sexta-feira se deu por unanimidade. Como nossa negociação foi concluída no final de outubro, tivemos alguma dificuldade porque as empresas acabaram divulgando o índice. E percebemos, nas assembleias de fábrica, que os trabalhadores já estavam favoráveis a aprovar o reajuste. O índice foi bem aceito pela categoria, que entende as incertezas colocadas sobre a economia do país, se vai ou não chegar a crise no Brasil do modo como pegou os países europeus. Além disso, o índice é bom, está muito próximo e até superior ao conquistado por algumas categorias profissionais importantes e organizadas. Chegamos a aumentos reais
e fechamos a campanha com chave de ouro. Isso fez com que os trabalhadores aprovassem a proposta.

E a campanha serve de exemplo para outras categorias. Nosso sindicato tem trabalhado muito a questão imediata dos trabalhadores – salário e PLR – mas também temas de médio e longo prazos: olhar o setor para o futuro.

Quais são essas perspectivas?

Acabamos de fazer conferência internacional do setor no ABC, para pensar a indústria química do ano 2020, as ações que precisam ser feitas, o que queremos alcançar. A indústria química, até pelo advento do pré-sal, tende, nos próximos anos, a criar muitos empregos e muitas oportunidades. Precisamos saber como vão ser criados esses postos de trabalho e essas oportunidades. Além disso, temos a participação, juntamente da confederação dos trabalhadores e do setor patronal, na busca por competitividade para o setor. Queremos saber qual será a participação dos trabalhadores na definição das políticas industriais e de que forma vamos garantir qualidade para emprego que está vindo.

Que tipo de efeito prático a demanda do petróleo extraído da camada pré-sal pode trazer?

Para se ter uma ideia, no ABC, se houver os investimentos necessários e se o setor químico tiver o mesmo tratamento oferecido a outros setores (como o de montadoras de automóveis) para conter importações e os efeitos do câmbio valorizado, podemos até dobrar a categoria no ABC em 10 anos. Se isso acontecer, vamos ter de estar preparados para absorver esse crescimento.

O país ainda mantém uma mão de obra barata comparada a países desenvolvidos. A pergunta que fica é como garantir melhores condições de trabalho.

Estamos com um problema que também atinge outras categorias. Por incrível que pareça a escassez de mão de obra qualificada promove o que estamos chamando de “rotatividade ao contrário”, demissões pedidas pelos trabalhadores que conseguem ofertas e propostas de trabalho melhores e simplesmente trocam uma empresa por outra. Normalmente, a rotatividade é uma escolha dos empregadores, que demitem para reduzir salários, cortando quem ganha mais para contratar um substituto com o piso salarial da categoria. Mas, atualmente, as empresas não têm conseguido recompor os quadros no mesmo ritmo em que essas trocas, por opção do trabalhador, acontecem. Quando chegam lá, não garantem a mesma qualificação. Em um cenário desses, o sindicato está preocupado em cumprir sua parte para pensar em aprimorar a formação do trabalhador para o futuro e para a nova indústria que chega.

O que está no alvo do sindicato em termos de formação profissional?

Ainda estamos caminhando para uma parceria no ABC que será anunciada em breve. Até 2020, o Brasil será a quinta economia do mundo, se a crise não chegar aqui como na Europa – se Deus quiser não vai chegar. Como ser a quinta maior economia com mão de obra de terceiro mundo, de país pobre, com salário baixo e condições precárias? Pensamos em ações com dois vieses. Um é a qualificação profissional mesmo, porque é uma indústria altamente informatizada. Ao mesmo tempo, precisamos elevar p nível de estudo dos trabalhadores. Há muito posto que exige ensino médio, até superior ou domínio de outros idiomas. Estamos preparando um levantamento para poder oferecer respostas aos desafios colocados na medida certa. Procuramos um parceiro que ofereça salas para cursos nessas duas frentes. Falta ainda apresentar ao setor empresarial para que ele invista na formação. Tanto para quem já está empregado no setor como para jovens em busca de primeiro emprego.

O discurso de falta de mão de obra qualificada é lugar comum entre empresários, é queixa recorrente e até capa de revista de negócios. Por que, então, o sindicato vai buscar recursos da iniciativa privada?

Isso é verdade, em todo lugar que a gente vai é uma choradeira de empresário, que reclama de falta de mão de obra… Ao mesmo tempo, o setor empresarial atribui a responsabilidade ao governo ou ao próprio trabalhador, como se não tivessse um papel a desempenhar. As pessoas não têm experiência no setor e o governo nem sempre dá conta. Podemos atuar nessa área. Não queremos nada gigante, só uma iniciativa que pode começar pequena, para um ou dois segmentos, testando com cursos pilotos, e avançar passo a passo. Não adianta formar muita gente para áreas que não teriam demanda depois. Ainda é muito cedo para dar detalhes, mas em breve esperamos ter novidade. Até o começo do ano queremos ter uma grade montada para começar já em 2012.

Por que não buscar recursos públicos para formação profissional, já que o governo federal tem dado demonstrações de que o ensino técnico é prioridade na área de Educação?

Não queremos buscar esse apoio, até por conta dos imbróglios que saem na mídia. Estamos evitando buscar verba pública para qualificação. E pelo que o governo oferece, o custo é até superior, talvez nem desse conta das despesas. Agora, pelos escândalos, para evitar problemas, optamos por buscar apoio do setor empresarial. Cobrar deles um comprometimento. É nosso próximo passo.