Novos paradigmas

Cientistas divulgam 10 diretrizes para a educação lidar com a Inteligência Artificial

Pesquisadores da USP propõem mudanças e atenção total voltada à Inteligência Artificial, como no uso do ChatGPT. “Uma situação de maior complexidade”. Entenda

Crayon/IA
Crayon/IA
Imagem criada a partir de software de Inteligência Artificial

São Paulo – A Universidade de São Paulo (USP) iniciou uma discussão ampla sobre o uso da Inteligência Artificial (IA) em ambientes acadêmicos. Também em pauta, as implicações jurídicas do uso da IA sobre, por exemplo, direitos autorais. “Não estamos prontos agora para pensar em sanções pelo uso. Precisamos perceber como será utilizado”, sintetizou a professora da graduação e da pós-graduação da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP-USP) Cristina Godoy.

Para começar a discussão, o Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP) realizou nesta terça-feira (21) um seminário sobre o software ChatGPT e Educação. “O ChatGPT ampliou as fronteiras da IA. Redige ensaios, resolve problemas, escreve poesia, estrutura algoritmos. Abre enormes possibilidades para toda a economia e a sociedade”, define o IEA. Então, o jornalista e professor da USP Eugênio Bucci leu 10 recomendações da instituição neste primeiro momento.

Dez diretrizes

  • Primeira: Que o o ChatGPT seja permitido e não banido. Bem como softwares semelhantes. A USP deve reforçar para a comunidade, em especial para professores, a necessidade de se identificar e de se explorar melhor, da melhor maneira possível, os benefícios deste tipo de inteligência artificial para o ensino e pesquisa.
  • Segunda: Que seja feito um esforço da disseminação da compreensão das principais características deste artefato e dos recursos semelhantes que virão em enxurrada. Bem como seu potencial para desenvolvimento de novos métodos de ensino e pesquisa. Incluindo projetos, instrumentos de avaliação, gravação de podcasts, por aí vai.
  • Terceira: Que todo e qualquer uso destes modelos avançados de IA contenham fontes e referências bibliográficas. Essa questão é chave, é a transparência do uso. A transparência permitirá diferenciação do que foi produzido pela IA e o que é específico do estudante, do pesquisador, do professor.
  • Quarta: Que as atividades acadêmicas, trabalhos escritos e recomendações tenham sempre sua autoria creditada às pessoas. Membros humanos que compõem a comunidade. Mesmo quando tiverem recursos tecnológicos utilizados com transparência.
  • Quinta: Que a universidade oriente e elabore guias práticos referentes ao uso do ChatGPT e semelhantes para estudantes da graduação e da pós-graduação conforme possibilidades de impacto nos processos de pensamento crítico e científico dos discentes.
  • Sexta: Que as unidades da USP incentivem os docentes a pensarem novas formas de ensino de pesquisa. Sempre procurando aprender com a criatividade da sala de aula com discernimento do corpo docente e discente, com experiência internacional. De modo que os recursos tecnológicos possibilitem a ampliação do conhecimento humano e não levem ao constrangimento destas capacidades.
  • Sétima: Que a comunidade busque métodos de avaliação em sala de aula que contribuam para que usos dessas novas tecnologias não se deem de forma passiva, acrítica, ou sem confirmação de resultados com fontes consolidadas e reconhecidas. Isso leva em conta que no atual estado da arte ainda não há ferramentas que permitam identificar de forma segura o que foi produzido pela IA e o que não foi.
  • Oitava: Que a universidade elabore materiais de discussão sobre questões de natureza jurídica decorrentes do uso do ChapGPT. Notadamente do que se refere a direitos autorais e proteção de dados pessoais. Já que não são citadas fontes utilizadas e não é possível verificar se dados pessoais foram coletados mediante consentimento livre e informado.
  • Nona: Que o código de ética da USP seja atualizado por comissão especificamente criada para avaliar o uso de ferramentas de IA para a escrita de trabalhos acadêmicos. Para reduzir problemas éticos advindos do emprego de sistemas como o ChatGPT.
  • Décima: Esta comissão que vai revisar o código de ética vai ampliar o debate na comunidade acadêmica sobre novas tecnologias, seu uso e eventuais impactos no processo educacional. De modo a contribuir para o esforço que a USP realiza para avançar como universidade, elevar o padrão de excelência na pesquisa, atualizar currículos e preparar estudantes e professores para lidarem com as rápidas transformações do século 21.

Inteligência Artificial em debate

O posicionamento do corpo docente da USP não buscou, neste momento, restrições ou punições. Ao contrário, a ideia é privilegiar o debate e o diálogo para melhores usos da IA. “Não temos um código de honra. A partir de princípios vamos fazendo reajustes. Em um segundo momento vamos para um modelo reativo. Coisas que queremos eliminar, que devemos proibir, pensar em sanções. Mas, o que queremos ou não no âmbito acadêmico. Depois pensamos em outras regras”, relatou Cristina.

Contudo, a instituição foi firme no sentido de responsabilizar o autor. Tanto pelo conteúdo provocado no ChatGPT, como pela transparência do uso. Assim, não seria possível culpar a IA por discursos de ódio, ou crimes contra a honra, por exemplo. “É minha responsabilidade. Não adianta falar que o ChatGPT escreveu e não eu. Eu publiquei. Quis fazer isso, tem impacto e benefício para mim. Então, sou responsável. Ainda não temos jurisprudência, mas essa vai ser a lógica. Na ausência da lei, os magistrados decidem conforme regras existentes”, completou.

A Inteligência Artificial certa

Também é consenso de que as tecnologias seguirão caminho de avanço. O professor de Engenharia da Escola Politécnica, membro do Centro para Inteligência Artificial da IBM/USP/Fapesp, Fábio Cozaman, reforçou que o ChatGPT é um mecanismo certo na hora certa. Embora ele reforce a excelência da ferramenta, ele reitera que a evolução será veloz. De acordo com o professor, “o ChatGPT é uma empresa que foi muito feliz em criar uma personalidade interessante. As pessoas usam, se erra, dá risada. A Meta lançou um sistema chamado Galática e deu errado, porque o sistema só falava bobagens”, lembrou.

“Então, foram felizes, gerou um momento de grande interesse. Mas creio que o esforço humano de criação de novas tecnologias continua. A discussão é maior que isso, envolve vários pontos e problemas. A empreitada da IA é maior do que a do ChatGPT. Ela passa por um desejo de melhorar a qualidade da vida humana. Mas há riscos. O ChatGPT é algo revolucionário, não é um corretor de texto melhorado. Se me falassem sobre há cinco anos atrás eu daria risada; 20 anos atrás seria ridículo. Houve uma mudança de paradigma”, finalizou.

Mudança de paradigma

O sociólogo Glauco Arbix, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), membro do IEA, chama a atenção para uma mudança profunda na sociedade, provocada pela IA. “Estive em universidades como Yale, Princeton, Columbia, Harvard. Em primeiro lugar, essas universidades estavam em polvorosa. Então, o primeiro ponto é que isso não tem nada a ver com revisor de texto. Nada a ver com buscador de internet. Ele compõe textos. O mais grave é que ele faz isso parecendo humano. Relevamos um pouco isso, mas estamos conversando com uma máquina”, disse.

Arbix reforça a ideia de que a tecnologia tende a avançar. Depressa. “Essa é a realidade do que temos hoje. Ela oferece conhecimento. Então, pode falar que é frio. Amanhã vai ficar quente. Vai ficar mais temperado”, disse. Então, de acordo com o especialista, é o momento de entender e olhar para o futuro. “A evolução conta de uma situação de maior complexidade. Texto, hoje. Google, Microsoft, Baidu, estão juntando de forma a não só turbinar sistemas de busca, como vão juntar imagens, voz, gestos. Temos que ter claro isso.”

Por fim, o professor pede que instituições de ensino estejam atentas e mais ágeis como nunca. “Preparamos pessoas para amanhã. Um mundo que não é de ontem. A USP tem a obrigação de não condenar a universidade a olhar para o passado. Tampouco pode ter deslumbre sem questionamento. Digo que precisamos desafiar a tecnologia.”


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