Câmara Municipal

Vereadores já têm até substitutivo ao texto do Plano Diretor de São Paulo

De questões pontuais até itens polêmicos, plano que garante ordenamento da cidade até 2030 começa prova de fogo com tramitação em plenário. Apresentação de texto alternativo irrita relator

Luiz França/CMSP

Vereadores aprovaram o texto sob o olhar atento dos movimentos sociais

São Paulo – Aprovado ontem (23) por unanimidade na Comissão de Política Urbana da Câmara Municipal de São Paulo, o Plano Diretor Estratégico (PDE) tem previsão de tramitação mais turbulenta no plenário da Casa. Além de uma série de emendas que serão apresentadas, com interesses e amplitudes diversos, o vereador Gilberto Natalini (PV) adiantou que irá tentar aprovar em plenário na próxima semana um texto diferente do que passou pelo colegiado sob aplausos de integrantes de movimentos sociais.

Ele afirmou que o texto do relator Nabil Bonduki (PT) é “superficial” e “desequilibrado”. Entre as críticas de Natalini, feroz opositor da gestão do prefeito Fernando Haddad (PT), está a permissão de adensamento nos eixos de mobilidade, uma das questões centrais do plano. O texto discutido até aqui propõe que se possa construir até quatro vezes o tamanho do terreno, sem se pagar nada por isso, na zona de influência de corredores de ônibus e estações de trem e metrô. No restante da cidade, o coeficiente de aproveitamento padrão será de apenas uma vez. Para Natalini faltam parâmetros técnicos na definição desses valores. “É um absurdo. Não foi feito nenhum estudo geotécnico para definir isso. Foi definido no chute”, afirmou.

O vereador também argumenta que o plano está demasiadamente centrado na questão habitação, deixando de lado outras demandas, como assistência social, saúde, educação e meio ambiente. “Estão propostas Zonas de Interesse Social em áreas verdes, deixando de lado o Meio Ambiente em prol da habitação. Isso tem que ser equilibrado. O plano está completamente desequilibrado. Eu não voto favorável”

Bonduki se irritou com a notícia de que Natalini irá apresentar um novo texto para o Plano, o mais importante instrumento de planejamento da cidade. “O vereador precisava ter participado de pelo menos uma audiência pública das 56 que aconteceram para dizer o que ele discorda. Porque efetivamente ele não participou de nenhuma, não fez nenhum comentário, não apresentou emenda em nenhum momento. Ele, simplesmente, acha que é o rei da bola preta”, disse irritado.

Bonduki acredita que o projeto terá apenas o voto de Natalini, já que, apesar de críticas, o texto de sua autoria já atende à maioria das demandas dos demais vereadores. Ainda assim, a ação pode adiar a votação do PL, prevista para ocorrer na próxima semana. “Se ele apresentar, inviabiliza a votação porque vai ser preciso ler, discutir. É um absurdo. Se ele apresentar, vai ser derrotado, mas ele precisaria ter contribuído com alguma coisa. É um vereador desqualificado que quer só aparecer”, afirmou.

Emendas

Se Natalini mantiver sua posição e apresentar o substitutivo, o texto deverá ser votado primeiro e, se for aprovado, impede a votação do texto de Bonduki.

O líder do PSD, Police Neto, fez as críticas mais contundentes ao texto discutido na comissão, apesar de ter votado por sua aprovação.

Entre os pontos em que diverge com o explicitado no texto de Bonduki está o que ele chama de manutenção do padrão de segregação da cidade. “O substitutivo do novo Plano Diretor continua repetindo os erros do passado: as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIs), destinadas à habitação de interesse social, ainda se concentram no extremo da periferia, ou seja, fora dos eixos de desenvolvimento”, afirmou.

De fato, a maioria das Zeis está fora da zona de estruturação urbana, aquela considerada a mais bem urbanizada em toda a cidade. No entanto, isso não parece incomodar os movimentos de moradia. Primeiro porque contam com as áreas já demarcadas. Depois porque esperam um avanço com a criação do instrumento da Cota de Solidariedade, que obriga empreendedores que pretendem erguer imóveis com mais de 20.000 m² a doar para a prefeitura ou construir o equivalente a 10% da área do empreendimento de Habitação de Interesse Social.

Police e os demais vereadores poderão apresentar emendas ao texto, que devem ser debatidas entre a primeira e a segunda votação. Em nome da bancada do PSD, o vereador defende a inclusão no plano da fonte de recursos para construção e manutenção dos corredores de mobilidade.

“Sabemos que a prefeitura não tem recursos para fazer os corredores de ônibus. Precisamos ter coragem de apontar qual será a fonte de financiamento do transporte coletivo. Será a Cide, o pedágio urbano, a outorga onerosa? Qual é a fonte de recursos? Sem recursos o Plano Diretor virará, novamente, letra morta”, afirmou.

O vereador pede a mesma clareza na origem dos recursos para a produção de Habitação de Interesse Social (HIS). Na sua perspectiva, a prefeitura conta demasiadamente com recursos federais provenientes do Minha Casa, Minha Vida, sem contar com a extinção do programa ou a mudança de suas diretrizes.

Ele também irá propor que o Plano Diretor incentive a reforma de prédios na região central para serem usados como habitação de interesse social. “O texto permite a destruição e substituição de prédios inteiros para a construção de novos empreendimentos, mas não fala em transformá-los em habitação social, em dar moradia a quem precisa.”

A bancada do PSD ainda deve tentar aprovar emendas que incentivem a manutenção de empregos industriais na cidade, com condições especiais para garantir a realocação de indústrias dentro da cidade e a preservação das Zonas de Proteção Industriais (ZPIs) que ainda se mantêm aquecidas.

O vereador Paulo Frange (PTB) irá apresentar nove emendas. Entre elas, uma que revisa os critérios para a classificação de imóveis como improdutivos ou subutilizados. O texto em debate classifica assim os imóveis com menos de 60% de ocupação durante um ano. Frange quer esticar esse prazo para até cinco anos. Ele quer alterar o artigo que trata do Termo de Compromisso Ambiental, para alinhá-lo com a legislação federal. E estabelecer tamanho mínimo para Habitações de Interesse Social.

O presidente da Comissão de Política Urbana da Câmara, vereador Andrea Matarazzo (PSDB), apresentou uma série de emendas que serão propostas pela bancada tucana. Uma delas é determinar que o Coeficiente de Aproveitamento – que determina o quanto se pode construir em relação ao tamanho do terreno – nos eixos de mobilidade não sejam generalizados em quatro (CA 4), mas definido na Lei de Uso e Ocupação do Solo, avaliando capacidade do terreno e viabilidade do adensamento.

Matarazzo também quer garantir uma zona de transição entre os eixos de mobilidade – corredores de ônibus e estações de metrô – e o miolo dos bairros. E com isso evitar o impacto que as regiões adensadas com grandes prédios podem ter sobre as que terão empreendimentos de até oito andares. Inclusive, o vereador também quer rever esta limitação, permitindo que as construções sejam analisadas caso a caso, podendo ter diversas alturas.

O presidente da comissão faz coro ao vereador Police Neto ao afirmar que é preciso maior clareza quanto à fórmula para calcular a outorga onerosa. O texto do PDE prevê a criação de uma cadastro de valor de terreno para se calcular a outorga onerosa, valor pago pelos empreendedores que querem construir prédios mais altos do que o padrão de uma determinada área no entanto, ainda não existe qualquer estudo para sua formatação. Os vereadores preveem que sejá utilizado o Valor de Venal de Referência, usado atualmente para reajustar trimestralmente o Imposto sobre Transações Imobiliárias (ITBI). Ontem, no entanto, a Secretaria de Finanças afirmou que nenhum estudo nesse sentido está sendo feito e que o valor venal não seria adequado para esse fim.

O líder do PMDB na Câmara, Ricardo Nunes, tem pelo menos três emendas para apresentar no plenário. Uma delas trata da regulamentação de igrejas em ruas residenciais. Hoje não se pode construir templos que recebam acima de 300 pessoas em vias desse tipo. No entanto, há centenas de pequenas igrejas, sobretudo evangélicas, localizadas em bairros de periferia. Agregado a isso, Nunes pretende inserir no plano a determinação de criar uma lei específica para as igrejas, que regulamente seus direitos e deveres com a cidade.

Outra proposta de Nunes flexibiliza as Zonas Estritamente Residenciais (ZER) para permitir que se constituam pequenos comércios e serviços nessas regiões.

A proposta mais polêmica até agora também deve vir do vereador Nunes, embora ainda não esteja apresentada. Trata-se da liberação para construção do aeroporto privado de Parelheiros, no extremo sul da cidade. Sem consenso sobre a proposta, que tem a oposição declarada do relator Nabil Bonduki e do vereador Ricardo Young (PPS), o peemedebista deve apresentar uma emenda ao Plano Diretor no plenário da casa. Nunes conta com o apoio declarado de três outros parlamentares: Milton Leite (DEM), Alfredo Alves, o Alfredinho (PT), e Antônio Goulart (PSD).

A esta emenda deve se contrapor uma proposta do vereador Young de reinstituir o Parque Manancial do Paiol, que ficaria justamente na área em que se pretende construir o aeroporto. O parque já constava do plano, mas foi retirado pelo relator, sob pressão, para evitar que barrasse em absoluto a possibilidade de construir o empreendimento.

O líder do governo na Câmara, vereador Arselino Tatto (PT), disse ontem em coletiva que o prefeito Fernando Haddad também é contra a construção do aeroporto na área de manancial e que uma emenda com essa proposta deve ser rejeitada.

Matarazzo também se contrapõe à inclusão do aeroporto no PDE. O tucano pretende estabelecer uma diretriz para a criação de um plano aeroviário para a capital paulista, a ser desenvolvido em, no máximo, um ano após a sanção do Plano Diretor.

Outra questão apontada por Young é a necessidade de maior equilíbrio entre a criação de Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) e Zonas Especiais de Preservação Ambiental (Zepam), a fim de evitar que a demanda por moradia se torne caminho para desmatamento. E adequar o plano às diretrizes da Política Nacional sobre Mudança do Clima, algo distante da versão atual.

Bairro a bairro

Os vereadores também devem apresentar propostas para atender a demandas de suas bases eleitorais. Laércio Benko (PHS), por exemplo, quer retirar do texto a previsão de implementação de uma estação de transbordo lixo na Vila Jaguará, bairro da região noroeste da cidade. “A população dessa região é uma das menos atendidas pelos serviços públicos e não merece ter de conviver com isso”, afirmou.

Diferentes dos aterros, as estações são criadas para intermediar a distância entre a área de coleta e o aterro sanitário. Ali o lixo é descarregado dos caminhões de coleta e transferido para uma carreta que leva os resíduos até o aterro sanitário.

Já a vereadora Edir Sales (PSD) pretende garantir a manutenção de uma Zona Predominantemente Industrial (ZPI) na região da Móoca. O texto aprovado hoje propõe que o local seja uma zona mista, residencial e comercial. Ela teme que isso afaste as empresas da região e provoque perda de emprego e receita tributária para o município. “São pelo menos 150 empresas na região, que garantem a ocupação de 30 mil pessoas. Nós estamos dialogando com a associação comercial da Moóca e com o vereador Nabil Bonduki para mudar esse trecho do plano”, afirmou.