Privatização ilegal

Psol pede que Justiça declare inconstitucional lei que autoriza privatização da Sabesp

Em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), o partido lista irregularidades na proposta de venda do controle acionário da empresa de saneamento básico e destaca retrocessos e risco para o fornecimento de água no estado com a transferência para a iniciativa privada

Karla Boughoff
Karla Boughoff
ADI pede a suspensão da privatização para frear as iniciativas de venda de Tarcísio. O documento também cita "histórico negativo" de desestatizações ao redor do mundo

São Paulo – A polêmica privatização da Sabesp pelo governo de Tarcisio de Freitas (Republicanos) está sendo novamente questionada na Justiça. Nesta quarta-feira (10), o diretório estadual do Psol ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para sustar a Lei Estadual 17.853/2023, que autoriza o governador desestatizar a Companhia de Saneamento Básico de São Paulo.

De acordo com a petição do partido, ao abrir mão do controle acionário do serviço público de abastecimento de água e saneamento, o governo do republicano viola a Constituição paulista. A Carta determina como obrigação do Estado assegurar “condições para a correta operação, necessária ampliação e eficiente administração dos serviços de saneamento básico prestados por concessionária sob seu controle acionário”.

A ADI também aponta irregularidades na forma como a legislação tramitou na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). O projeto do Executivo estadual foi encaminhado ao Legislativo em outubro passado, na forma do Projeto de Lei Ordinária n.º 1.501/2023. A partir daí, o PL tramitou em regime de urgência e foi aprovado, às pressas, no dia 6 de dezembro. No entanto, de acordo com a Constituição de São Paulo, qualquer alienação societária, que retire do estado o controle da empresa de saneamento, somente poderia se dar sob a forma de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). E não por uma simples Lei Ordinária, como foi feito.

Serviços básicos em risco

Nesse contexto, de acordo com o Psol, a lei que autoriza a privatização da Sabesp “apresenta inconstitucionalidade”, motivo pelo qual, por meio da ADI, pede a suspensão da medida para frear as iniciativas de venda adotada por Tarcísio. O documento também cita “histórico negativo” das privatizações de empresas estatais ao redor do mundo. E destaca que a venda da Sabesp vai na contramão da tendência global de reestatização das empresas.

Um exemplo mencionado é o caso da estatização do saneamento em diversas cidades na Europa a partir dos anos 2000. Ainda, segundo o partido, o Brasil vem colecionando casos contraditórios de privatização, como o da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae). Em 2021, a estatal concedeu à iniciativa privada a prestação do serviço de água e esgoto em regiões do estado por R$ 22,7 bilhões. Mas, desde então, tornaram-se crescentes denúncias de baixa qualidade do serviço, elevada tarifa e falta de transparência e investimentos estipulados.

“Exemplos no Brasil e mundo afora mostram que as empresas privadas, ao assumirem o controle de serviços públicos, como o abastecimento de água e fornecimento de energia elétrica, buscam maximizar os lucros. Os episódios recentes da Enel já demonstram como a qualidade do serviço pode diminuir devido à busca por eficiência financeira. No caso da Sabesp, isso poderia resultar em interrupções no fornecimento de água, problemas de tratamento de esgoto e demora na resposta a problemas de infraestrutura”, acrescenta o deputado estadual Guilherme Cortez à RBA.

Processo de cartas marcadas

O mandato do parlamentar vem apontando irregularidades no PL de privatização da Sabesp desde a época de sua tramitação. Em novembro passado, Cortez questionou na Justiça “vícios” da proposta e a postura do presidente da Alesp, André do Prado (PL), que, segundo o deputado, passou por cima das regras ao deixar de fora do processo de tramitação comissões essenciais e intimamente ligadas à matéria. Trata-se da Comissão de Administração Pública e Relações do Trabalho e da Comissão do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.

No mês seguinte, com a aprovação do PL, parlamentares da bancada do Psol também ingressaram com mandado de segurança pedindo a anulação da votação. Para eles, faltou a realização de um plebiscito oficial, houve a compra de votos, com distribuição de emendas extras e, até mesmo, conflito de interesses. O atual diretor-presidente da Sabesp, André Salcedo, quando atuou na diretoria do BNDES, fez aporte de recursos na Iguá Saneamento, a principal interessada no controle da Sabesp.

“Transferir o controle sobre um recurso essencial para uma entidade privada, reduz a capacidade dos cidadãos de influenciar diretamente as políticas e práticas relacionadas ao abastecimento de água e saneamento. Na prática, isso não garante que os interesses públicos sejam prioridades. Em um contexto global de enfrentamento às mudanças climáticas, deveríamos fortalecer o controle público sobre recursos naturais, não enfraquecê-lo”, defendeu o psolista.

Aumento das tarifas

O mercado, contudo, vê animado a perspectiva de privatização. Nesta semana, a companhia de abastecimento de água e saneamento atingiu seu maior valor de mercado: R$ 58,07 bilhões, segundo levantamento da consultoria Elos Ayta.

Os acionista também comemoraram a notícia de aumento das tarifas dos serviços básicos. A Sabesp anunciou nesta terça (9) que vai reajustar em 6,44% os valores. O total está acima da inflação acumulada nos últimos 12 meses, que foi de 4,50%, conforme o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Assim, os quase 28 milhões de habitantes dos 376 municípios onde a empresa atua terão que arcar com o prejuízo. No médio prazo, tarifas devem aumentar ainda mais, se a privatização for confirmada.

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