Vaza Jato

Órgão do MP diz ser ‘inadmissível’ que Estado, para reprimir crime, viole direitos fundamentais

Após revelações envolvendo Dallagnol e Moro, Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão afirma que "punição de crimes em situação alguma pode se confundir com uma cruzada moral"

MARCELO CAMARGO E FABIO R. POZZEBOM/ABR
MARCELO CAMARGO E FABIO R. POZZEBOM/ABR
"O processo no qual juízes, mesmo sem dolo, ajam, direta ou indiretamente, na promoção do interesse de uma das partes em detrimento da outra estará comprometido”, diz a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão

São Paulo — A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal (MPF), divulgou nota nesta segunda-feira (15) em função das revelações do The Intercept Brasil sobre a atuação de membros do Ministério Público na Operação Lava Jato. Em seu posicionamento, a Procuradoria destaca que “a prevenção e o combate intransigente à corrupção são legítimos quando se articulam com o respeito ao direito dos investigados e acusados de responderem a um processo justo, bem como com a liberdade de manifestação jornalística e de garantia do direito coletivo de receber e buscar informação”.

Na nota, o órgão enfatiza que a corrupção é um “grave obstáculo” para a afirmação do Estado democrático de direito ao ampliar desigualdades, injustiças e comprometer a legitimidade de instituições. “São sempre as populações mais desfavorecidas e menos representadas nos espaços democráticos que suportam o maior ônus. Em sociedades extremamente desiguais, como a brasileira, a corrupção contamina na raiz o cumprimento do objetivo fundamental, fixado na Constituição, de construir um país livre, justo e solidário”, afirma a Procuradoria Federal. 

Segundo a PFDC, “o enfrentamento à corrupção deve respeitar integralmente os direitos fundamentais” ou humanos fixados na Constituição e no direito internacional. “É inadmissível que o Estado, para reprimir um crime, por mais grave que seja, se transforme, ele mesmo, em um agente violador de direitos fundamentais. A investigação, acusação e punição de crimes em situação alguma podem se confundir com uma cruzada moral ou se transformar num instrumento de perseguição de qualquer natureza.”

A Procuradoria ainda ressalta que um dos elementos essenciais do devido processo legal é o direito a um julgamento feito por juízes competentes, independentes e imparciais, de modo que o réu e seus advogados são tratados com igualdade em relação ao acusador. “É, portanto, vedado ao magistrado participar da definição de estratégias da acusação, aconselhar o acusador ou interferir para dificultar ou criar animosidade com a defesa”, afirma a nota pública. “O réu tem direito a ser processado e julgado por juízes neutros e equidistantes das partes. O processo no qual juízes, mesmo sem dolo, ajam, direta ou indiretamente, na promoção do interesse de uma das partes em detrimento da outra estará comprometido.” 

Na nota, a Procuradoria reconhece que a dinâmica de processos complexos faz com que, muitas vezes, ocorram conversas fora dos autos entre o juiz, os advogados e os membros do Ministério Público. “Embora seja aconselhável que esses diálogos ocorram com a presença da parte adversa, não se pode rotular de ilícita essa espécie de contato. A prática está arraigada no Judiciário brasileiro e, inclusive, foi definida como um direito da parte no Estatuto dos Advogados. Seu propósito é permitir que os representantes das partes possam expor suas teses aos magistrados. O magistrado deve escutar o advogado ou membro do Ministério Público, podendo fazer indagações”, explica o órgão.

Porém, a PFDC destaca que não é permitido ao magistrado emitir juízos prévios sobre a situação concreta e, tampouco, aconselhar as partes, fazer recomendações ou fornecer informação privilegiada. De acordo com o órgão, além da Constituição, o Código de Processo Penal e o Código de Processo Civil definem tais condutas como suspeitas, resultando no afastamento do juiz do caso e à nulidade dos atos por ele praticados.

“Essas regras do devido processo legal e do julgamento justo são de observância obrigatória. Não se pode cogitar que o combate à corrupção, ou a qualquer outro crime grave, justifique a tolerância com a quebra desses princípios, a um só tempo de ordem constitucional e internacional. Os custos de uma argumentação em favor de resultados, apesar dos meios utilizados, são demasiado altos para o Estado Democrático de Direito”, destaca a Procuradoria.