Terra arrasada

Bolsonaro deixa ‘legado maldito’. Orçamento da assistência social para 2023 dá para 10 dias

Governo de transição identificou que a Assistência Social tem orçamento esfacelado, com lista de distorções graves e extensa

Fernando Frazão/ABr
Fernando Frazão/ABr
"Na questão orçamentária, houve corte em torno de 96% no orçamento da Cidadania", diz Simone Tebet

São Paulo – O governo Bolsonaro deixa um “legado maldito” de “verdadeiro desmonte” na assistência, desenvolvimento social e combate à fome. O diagnóstico é do grupo técnico dedicado ao tema no Gabinete de Transição. Especialistas identificaram distorções, desmontes e possível abuso da máquina pública da campanha bolsonarista. “Os indícios são muito graves e os desdobramentos também”, resume o coordenador político dos grupos técnicos, Aloizio Mercadante, em entrevista concedida na tarde de hoje (1º). O relatório com as conclusões finais deve ser apresentado no dia 11 de dezembro.

A senadora Simone Tebet (MDB-MS), terceira colocada nas eleições deste ano, faz parte do grupo de trabalho. Ela relatou que o Ministério da Cidadania hoje “tem cidadania só no nome”. A senadora explicou que todo o orçamento da pasta está comprometido com o Auxílio Brasil e o Auxílio Gás, programas inflados por Bolsonaro às vésperas das eleições sem previsão orçamentária prévia. De acordo com a análise do governo de transição, com o orçamento proposto pelo atual governo para 2023, a Assistência Social tem verbas para funcionar por apenas 10 dias.

“Na questão orçamentária, houve corte em torno de 96% no orçamento da Cidadania. Poderia ser chamado de Ministério do Auxílio Brasil”, relata Simone. Primeiramente, o futuro governo Lula precisa de espaço fiscal para manter o Estado funcionando. Por isso, a importância da aprovação da PEC da Transição. “Precisamos de R$ 70 bilhões para manter o Bolsa Família. Mais também R$ 2 bilhões do Auxílio Gás. Fora isso, para que minimamente o Sistema Único de Assistência Social (Suas) funcione, mantendo unidades de atendimento, precisamos de R$ 2,6 bi nos valores atuais. Isso fora outros programas que foram extintos”, explicou Simone.

Visão tacanha

Além da questão orçamentária, a senadora relatou a “completa falta de vontade política do atual governo”. Paralisaram todo o conjunto de programas sociais que garantem direitos fundamentais.

“Todas as políticas relacionadas a emprego, renda, emancipação, qualificação, inclusão produtiva, toda essa parte de cisternas, alimentos, calamidades públicas. Todas essas políticas ficaram em um segundo plano. É uma visão míope, distorcida e tacanha do que significa o Ministério da Cidadania”, afirma.

Compra de votos

A parlamentar relatou que o governo não tem controle sobre o Auxílio Brasil. De acordo com o governo de transição, o benefício foi utilizado como compra de votos em uma tentativa frustrada de reeleger Bolsonaro. Mercadante lembra que o período eleitoral foi marcado por abusos.

“Enfrentamos assédio de algumas igrejas, de empresários e do Estado sobre eleitores. Às vésperas das eleições, incluem mais de 2 milhões de pessoas para receber benefícios. Depois das eleições, eles propõem que eles sejam retirados pelo próximo governo. É crime eleitoral benefício indevido ao eleitor”, relatou.

O tema das distorções do Auxílio Brasil foi detalhado pela ex-ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome Tereza Campello. De acordo com os dados levantados pelo grupo técnico, há um descontrole na concessão do Auxílio Brasil evidente. A ex-ministra aponta má-fé do governo. “Os adultos morando sozinhos pulam de 1,8 milhão de pessoas para 5,5 milhões de pessoas entre janeiro de 2019 a outubro de 2022. Se olharmos o que aconteceu, o aumento das famílias com mais de duas pessoas foi de 21%. O aumento de pessoas morando sozinhas foi de 200%.”

Herança maldita

A distorção não é culpa dos cidadãos, argumenta Tereza Campello. Mas sim do modelo do programa bolsonarista. “Um desenho mal feito que induziu as famílias ao cadastro individual. O pré-cadastro por aplicativo automaticamente puxa o CPF. Temos uma desinformação do próprio sistema e uma desarticulação federativa.”

Além disso, o atual governo prevê a correção destas distorções; mas durante o governo Lula. “O calendário da averiguação dos unipessoais é de chamar 8,9 mil pessoas em dezembro. Então, mais de 2 milhões nos dois primeiros meses do governo Lula. Logo, jogam no colo do governo que assume, dos municípios sobrecarregados, a obrigação de corrigir isso que eles produziram”, explica a ex-ministra.

A ex-ministra explica que, além do rombo no orçamento, as ações bolsonaristas deixam a população desassistida e os estados e municípios em situação de descontrole.

“As consequências da incompetência desse governo são benefícios pagos em duplicidade, erros de exclusão, deturpação de dados do Cadastro Único. Um conjunto todo de programas, inclusive de estados e municípios, foi desconstruído.”

Por fim, existe a necessidade não apenas da aprovação da PEC da Transição para garantir os programas sociais, mas também da reestruturação completa do Estado. “Como tratamos o tema com seriedade, chamamos uma reunião com gestores municipais e estaduais para tentar organizar e pactuar. Iniciamos uma repactuação do cronograma. Sugerimos o início de uma campanha de esclarecimento para que a população não seja pega com medidas abruptas. Queremos ajudar a ampliar a capacidade dos municípios ao longo do ano. Faremos mais reuniões para organizarmos as ações. Contamos com a imprensa também para esclarecer e diminuir o descontrole e desconhecimento.”

Povo de fora

A também ex-ministra do Desenvolvimento Social Márcia Lopes destacou outros problemas deixados pela gestão Bolsonaro no setor. Em primeiro lugar, a exclusão do povo das decisões. “Depois que tivemos o golpe de 2016, o governo não mobilizou nenhuma instância de participação, de controle social, dos conselhos, conferências. Tivemos a extinção desses conselhos. Nenhuma decisão passa pelos conselhos. Lula sempre prezou tanto a escuta social. Isso deixou de acontecer, o que comprometeu nosso aprendizado e construção”, disse.

Desse modo, Márcia classificou a situação atual da assistência social como “terra arrasada”. “Encontramos uma situação de absoluta calamidade e desespero. Conversamos com secretários estaduais e municipais e vemos o total descaso e irresponsabilidade. Desrespeitaram tudo, apesar das normas. Não há dúvida. Encontramos a ruptura do pacto federativo. Então, ficamos estarrecidos, os mais de 600 mil trabalhadores da Assistência Social. Encontramos total autoritarismo, a angústia dos próprios servidores federais. Limitados a dar continuidade em seus trabalhos. Paralisaram programas como os de erradicação do trabalho infantil, do trabalho escravo, da gestão junto aos municípios, Cadastro Único.”

Por fim, Márcia lamentou as 125 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar no Brasil e disse que o futuro governo está dedicado a mudar o panorama.

“Temos expectativa de que, a partir de janeiro, vamos voltar ao Estado democrático de direito, que cumpre sua responsabilidade. Por isso, estamos cuidando para transformar o país a partir de 2023.”

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