Memória

Ministério Público chancela acordo com punições à Volkswagen por apoio à ditadura

Com ressalvas, subprocurador considerou que TAC “abre caminho para futuras responsabilizações” e avança no respeito aos direitos humanos, principalmente dos trabalhadores

Adonis Guerra/SMABC
Adonis Guerra/SMABC
Wagner Santana, atual presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, e Tarcísio, da associação de ex-funcionários: página na história (ao fundo, imagem de Bellentani)

São Paulo – O acordo no caso Volkswagen relativo ao apoio da empresa à ditadura foi definitivamente confirmado nesta sexta-feira (15) pelo Ministério Público Federal. “A ausência de precedente que pudesse servir de parâmetro para as obrigações pactuadas não impediu a construção do acerto, bem como a alta probabilidade de que se tenha alcançado, por meio do TAC em análise, reparação muito mais efetiva e célere do que aquela que possivelmente seria obtida no caso de uma eventual judicialização”, afirma em sua decisão Carlos Alberto Vilhena, subprocurador-geral da República e procurador federal dos Direitos do Cidadão.

Ele se refere ao termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado em setembro do ano passado entre diversas instâncias do Ministério Público e a Volks. Com isso, é arquivado inquérito civil (IC), aberto cinco anos antes, que apurava as responsabilidades da empresa. O subprocurador considerou “plenamente atendido o objeto do IC em exame, instaurado para apurar a participação da Volkswagen do Brasil no regime ditatorial vigente no Brasil entre os anos de 1964 e 1985, bem como nas violações aos direitos humanos praticadas durante esse período”.

Acordo “paradigmático”

Vilhena analisava pedido de reconsideração feito por entidades críticas aos termos do acordo – e responsáveis pela abertura do inquérito, em 2015. Ele observou que um TAC privilegia “soluções viáveis em detrimento das soluções ideais, notadamente quando se trata de conflitos complexos”. Mesmo com ressalvas, o subprocurador considerou “paradigmático” o acordo.

“Isso porque, ausente precedente a respeito do tema, este TAC, além de se constituir em verdadeiro leading case administrativo, abre caminho para futuras responsabilizações e possibilita que a sociedade brasileira avance na discussão do respeito devido aos direitos humanos, principalmente aos de seus trabalhadores, pelas empresas instaladas em território nacional”, afirma. Ao mesmo tempo, Vilhena considera que prolongar a discussão “traz o risco de nunca se chegar a conclusão alguma, resultando em prejuízos irreversíveis para a memória e a verdade dos trabalhadores afetados pelas condutas da VW do Brasil no período em análise”.

Página na história

A decisão foi comemorada pelo presidente da Associação Heinrich Plagge (que reúne ex-funcionários da montadora), Tarcísio Tadeu Garcia Pereira. “Vitória de todos os trabalhadores e da democracia. Estamos escrevendo uma importante página na história”, afirmou, em vídeo.

Ele homenageou alguns dos ex-trabalhadores da Volks. Amauri Danhoni, Antonio Torini, o próprio Henrique Plagge, que dá nome à associação, além de Lúcio Bellentani, presidente da entidade até 2019, quando morreu. “E a todos os companheiros que já se foram”, acrescentou Tarcísio. Na semana que vem, deverá ser convocada assembleia para discutir os próximos passos formais.

Indenizações

Em resumo, a Volkswagen deverá fazer uma “declaração pública”, em jornal de grande circulação, sobre seu apoio à ditadura. Além disso, pagará R$ 4,5 milhões ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDDD) e igual valor ao Fundo Especial de Despesa de Reparação de Interesses Difusos Lesados. Outros R$ 10,5 milhões serão destinados a “entidades que desenvolvam projetos de promoção da memória e verdade em relação a violações a direitos humanos ocorridos no Brasil” durante a ditadura.

Essas entidades serão o Memorial de Luta por Justiça (iniciativa da OAB-SP e do Núcleo de Preservação da Memória Política) e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (Caaf), da universidade, é responsável pela análise das ossadas da vala clandestina de Perus. Por fim, embora não constasse no TAC, a empresa dará a quantia de R$ 16.862.400 à associação dos ex-trabalhadores.

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