Reforma política

Discussão sobre financiamento de campanha toma fôlego a partir desta quinta

Bancadas que representam empresariado, ruralistas e evangélicos resistem a acabar com financiamento privado. Regra de transição, com sistema híbrido e limites de doações, é estudada

Brasília – A pressão das bancadas que representam interesses empresariais, ruralistas e dos evangélicos no Congresso Nacional corre o risco de impedir que a sugestão de financiamento público exclusivo de campanha seja incorporada ao anteprojeto de lei sobre a reforma política. O grupo técnico que elabora texto sobre o tema realiza, nesta quinta-feira (17), um dos seus últimos encontros para discutir os pontos que faltam ser incluídos no texto.

Na pauta, além do formato das coligações partidárias, a expectativa é a discussão sobre como ficará a participação de empresas privadas nas campanhas no período eleitoral. Se as conclusões dos debates sobre o tema continuarem seguindo a linha do que foi repercutido nos últimos dias, os deputados deverão optar pela criação de um sistema híbrido, de forma a permitir o financiamento público, mas também o financiamento privado até um limite de gastos e durante determinado período. O que seria entendido como forma de transição para que o Brasil consiga vir a ter, em eleições posteriores, o financiamento exclusivamente.

Muitos deputados favoráveis ao financiamento público exclusivo – proposta que chegou a ser defendida como orientação da executiva nacional do PT aos parlamentares do partido, e que conta com o apoio de legendas como o PCdoB, o PSol e entidades organizadas da sociedade civil, como CNBB, OAB, CUT e UNE – demonstram ceticismo. Trabalham para acabar com o financiamento privado, mas admite, ser quase impossível que tal mudança seja incluída no texto do anteprojeto. Por isso, admitem negociar um texto que permita mais flexibilidade.

O coordenador do grupo técnico da reforma política, Cândido Vaccarezza (SP), diz se preparar para a aprovação de um modelo que permita os dois tipos de financiamento, em sistema assemelhado ao atual. “Infelizmente não adianta. Minha avaliação é que a proposta do PT de financiamento público exclusivo é amplamente minoritária. Já avisei a todos que o partido não ganhará essa parada”, destacou.

Entretanto, o líder do PT no Senado, Wellington Dias (PI), considera o fim do financiamento privado ponto principal para qualquer reforma política no país. “O modelo atual permite a compra de mandatos, em especial no legislativo. Precisamos nos articular junto aos parlamentares e trabalhar para que seja aprovada essa mudança”, acentuou Dias.

Gasto das campanhas

Entre as dificuldades para a aprovação do tema estão o gasto estimado atualmente para a campanha de deputado federal – segundo entidades como o site Transparência Brasil, da ordem de R$ 5 milhões. Além disso, interessa ao empresariado – da indústria, do sistema financeiro, do setor de serviços, das comunicações, do extrativismo e do agronegócio – manter a prerrogativa de injetar recursos para poder exercer sua influência no legislativo. A bancada evangélica, idem. E todas essas bancadas trabalham com a perspectiva de ampliar seu tamanho a partir de janeiro de 2015.

No grupo técnico que elabora a reforma, entre os contrários ao fim do financiamento privado estão os deputados Sandro Alex (PPS-PR) e Júlio Delgado (PSB-MG). Eles têm, nas articulações fora do grupo, o apoio do líder do PMDB na Casa, Eduardo Cunha (RJ).

O líder peemedebista Eduardo Cunha afirmou publicamente no plenário da Câmara, na última semana, que a aprovação do fim do financiamento privado é “algo inatingível no mundo real”. “Todo mundo sabe que isso (financiamento privado) não vai acabar”, completou. Já Júlio Delgado (PSB-MG) ressaltou que até é favorável ao financiamento público mas, a seu ver, no Brasil, o funcionamento desse tipo de sistema é complicado. “Não temos como controlar a quantidade de recursos que cada partido recebe, nem como evitar que a pessoa que recebe financiamento público não vai receber recursos privados”, acentuou.

O deputado Henrique Fontana (PT-RS), que foi relator de um projeto de reforma política até ser excluído do grupo técnico por influência do presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), pretende incluir o assunto num miniprojeto de reforma eleitoral e, dependendo do destino que a matéria tiver, insistir na apresentação do item em alguma outra proposta legislativa referente à reforma política, por meio de emendas. “É preciso que se proíba o financiamento por parte das empresas. Se for tolerado algum financiamento privado, que este seja feito só por pessoas físicas, com limite de doação e com teto de gastos para doador e para cada um dos candidatos”, defende.

Fontana admite a flexibilização, caso seja a alternativa para viabilizar uma regra de transição. “Se não tomarmos cuidado, teremos um processo de americanização das eleições e passarão a ser eleitos, cada vez mais, os candidatos com mais recursos. Precisamos evitar isso, fazer com que a representação política seja o mais heterogênea possível para que o Congresso fique mais próximo da sociedade”, ressalta.

‘Serviços públicos’

O deputado Antonio Brito (PTB-BA) também faz parte do time dos contrários ao financiamento totalmente público. “Recursos públicos precisam ser destinados para serviços públicos, não financiamentos de campanha”, diz – desprezando o argumentos das entidades da sociedade civil de que a influência dos doadores privados sobre os poderes sai mais cara aos cofres públicos. Não por acaso, seu partido é um dos que mais reúne representantes da bancada empresarial no Congresso.

O deputado Sandro Alex (PPS-PR) segue na mesmas toada. “Não aceito financiamento público e também não concordo com o modelo atual. Deveriam existir apenas doações de pessoas físicas. Se não existe dinheiro para melhoria de serviços que a população cobra como é que se vai pegar dinheiro público para as campanhas?”

O presidente do PT no Distrito Federal, deputado Roberto Policarpo (DF), afirma que considera fundamental para o país o financiamento público de campanha. “É preciso democratizar as eleições, diminuir a interferência do poder econômico. O financiamento público exclusivo é a melhor forma de dar oportunidade a todos de poderem concorrer ao processo eletivo com igualdade de condições”, acrescentou.

Sistema híbrido

Fazem parte do grupo dos que defendem um sistema híbrido a líder do PCdoB na Câmara, Manuela D’Ávila (RS), e parlamentares como Marcus Pestana (PSDB-MG). Pestana acredita que é preciso evitar impasses que levem ao fracasso da proposta, por isso defende discussão para que o grupo chegue a um consenso.

“Defendo que o financiamento pode ser privado, tanto por pessoa jurídica quanto física, mas que seja feito por meio dos partidos, e o partido organize seu orçamento. É preciso evoluir para que parte dos recursos seja repartida igualmente entre toda a chapa. Financiamento público exclusivo é rejeitado pela população, não é viável para o atual sistema”, declarou o tucano.

Manuela, por sua vez, destacou que o PCdoB defende o fim do financiamento privado, mas aceita um financiamento público com financiamento, também, de pessoas físicas até um certo teto.

Em meio a essa polêmica, o coordenador do grupo técnico Cândido Vaccarezza (SP), lembrou que toda a discussão passará pelo crivo da população, já que a proposta será objeto de um referendo, o que dará maior fortalecimento ao anteprojeto.