Participação

Dilma: ‘Não se governa um país deste tamanho sem ouvir as pessoas’

Criticado por falta de diálogo e inação ante a crise política, Planalto abre plataforma digital para receber sugestões em programas

Ichiro Guerra/PR/Fotos Públicas

Em referência a cenário hostil, Dilma diz que “dialogar com rosas é muito mais fácil, ainda mais vermelhas”

Brasília – “Conferência é pra conferir se tudo está nos conformes.” A definição, do músico paraense Mestre Laurentino, foi expressa durante uma etapa regional de uma conferência da cultura. O ministro da área, Juca Ferreira, a descreveu para a presidenta Dilma Rousseff. E Dilma a adotou ontem (28), durante apresentação da plataforma Dialoga Brasil, no Teatro Funarte, em Brasília, para explicar a essência do projeto. Ela comparou os objetivos do sistema de interatividade com a sociedade com as conferências nacionais que vêm sendo intensificadas nos últimos dez anos. “É difícil, num país do tamanho do Brasil, governar sem ouvir as pessoas”, disse a presidenta.

De acordo com a Secretaria-Geral da Presidência, que coordena o funcionamento da página na internet, o objetivo é estender a entidades, movimentos e cidadãos não organizados – de qualquer parte do país, e de qualquer faixa de renda – a possibilidade de apresentar críticas, propostas e sugestões para programas e políticas públicas já em execução, “com democracia”.

O ministro da Secretaria-Geral, Miguel Rossetto, cita o Marco Civil da Internet, o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), o Plano Nacional de Educação (PNE) como exemplos de políticas só tornadas possíveis com a participação de amplos setores da sociedade em sua construção. “As dezenas de conferências nacionais já realizadas nos últimos anos e as em andamento também têm esse caráter. O Dialoga Brasil vai abrir espaços para que pessoas que não participaram de conferências também opinem sobre como melhorar programas nas áreas de saúde, educação, assistência social, segurança pública, desenvolvimento industrial, esporte, cultura entre outras”, diz.

Durante a apresentação de ontem, participantes de várias conferências testaram a plataforma apresentando suas “sugestões” pelo meio digital. E quando tiveram o direito ao microfone, deixaram claro aos ministros presentes e à presidenta: a iniciativa é ótima, mas muita coisa não está “nos conformes”.

A integrante do Conselho Nacional de Saúde Maria do Socorro de Souza, de Valparaíso de Goiás, temperou seu elogio à iniciativa – “uma necessidade política e social” – com uma sutil intervenção em um tema que ainda não estará exposto ao público no Dialoga Brasil: “O custo da crise econômica tem de ser repassado a quem tem mais renda, mais patrimônio, mais riqueza”, cravou Maria do Socorro, na véspera da decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) que deve aumentar a taxa básica dos juros que remuneram os investidores em títulos do governo.

A presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE), Carina Vitral, também deixou um recado na plataforma digital, sobre a necessidade de se ampliarem os investimentos na expansão do ensino superior, no acesso por meio de contas e no cumprimento do Plano Nacional de Educação, e deu outro ao microfone. “O PNE é uma vitória dos movimentos. Se a gente não valoriza nossas vitórias, elas acabam escorrendo por nossas mãos. É esse o sentido de projetos como os da redução da maioridade penal ou o do senador José Serra (que reduz a participação da Petrobras na exploração do pré-sal): fazer com que nossas vitórias escorram por nossas mãos.”

Sobre combate à violência contra a juventude negra, contra as mulheres mulheres e aos crimes de homofobia, a travesti Fernanda Benvenutty da Silva, vinda da Paraíba e integrante do Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp), propõe em seu espaço na página a construção de um novo pacto federativo na área de segurança pública, que amplie a integração das polícias e as estruturas. E em sua fala alerta: “Não podemos ficar passivos diante do genocídio da juventude negra, das agressões e assassinatos sofridos pela população LGBT”, disse, aos ouvidos da plateia, inclusive o do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. O ministro afirmou que o governo pretende apresentar um projeto de integração das polícias e com maior poder federal de ingerência sobre a estrutura de segurança, hoje a cargo dos estados.

Também presente, a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, viu a assistente social de Macapá Aldenora Gonzales levar uma contribuição relacionada ao Bolsa Família: que a gestão do programa crie uma plataforma à qual os usuários do Bolsa Família possam se cadastrar, descrever suas habilidades e áreas de interesse, apresentar seu currículo. “Todos sabemos que parte do Brasil discrimina beneficiários do Bolsa Família dizendo que ‘não gostam de trabalhar’. Porque não criamos um sistema que ajude a identificar essas pessoas que querem, sim, trabalhar, e para que elas sejam encontradas”, disse Aldenora. A ministra, que havia informado que mais de 3,2 milhões de usuários se excluíram voluntariamente do programa ao conseguir condições de vida, e a presidenta Dilma Rousseff aplaudiram a ideia.

Como vai funcionar

A plataforma Dialoga Brasil foi aberta ontem aos usuários. O sistema não trouxe gastos adicionais, pois foi construído nos últimos três meses com logística já existente na estrutura do governo (Serpro e Secretaria de Comunicação Social), e terá uma primeira fase com três meses de duração, agosto, setembro e outubro. O projeto pretende acolher propostas para 80 programas vinculados a 14 temas governamentais. De início, serão abertos quatro temas – saúde, educação, segurança pública e redução da pobreza – com 20 programas vinculados a esses temas expostos à intervenção dos internautas.

No item saúde, as pessoas terão acesso a explicações sobre o funcionamento dos seguintes programas: Mais Médicos e Mais Especialidades, Melhoria em Postos de Saúde, Samu e Upas, Farmácia Popular, Incentivo ao Parto Normal e Vida Saudável. Haverá um espaço para apresentação de propostas pelos cidadãos, e outro espaço para que os usuários possam apoiar alguma das propostas que forem preenchidas.

O tema educação traz informações e acolherá sugestões sobre: educação básica, ensino superior, ensino técnico e valorização de professores. Em segurança pública: Sistema Nacional de Segurança Pública (Sinasp), segurança pública integrada (União, estados, municípios), Crack, é Possível Vencer, proteção de fronteiras e forças federais de segurança (PF, polícia rodoviária e Força Nacional). E no tema da redução da pobreza: Bolsa Família, Brasil sem Miséria, Sistema Único de Assistência Social e política nacional de cisternas.

Na semana seguinte serão expostos mais quatro: Cultura, Esporte, Meio Ambiente e Cidades. Na sequência, entram no ar Desenvolvimento Produtivo, Agricultura, Infraestrutura, Gestão Pública, Igualdade e Trabalho, Emprego & Renda.

Não há limite para quantidade de propostas – o limite que há é o de 200 caracteres para cada proposta. As pessoas poderão usar as redes sociais para divulgar suas ideias e a plataforma acolherá as manifestações de apoio às sugestões apresentadas. Para participar, as pessoas terão de se cadastrar, conhecer os termos de adesão e de uso, receberão login e senha e toda a movimentação de conteúdo será monitorada por equipes de moderação. Haverá também equipes acompanhando desdobramentos do projeto nas redes sociais (WhatsApp, Facebook, Tweeter, Google+).

Em agosto, os ministros de cada área participarão de bate-papos virtuais com os internautas. No dia 6, Arthur Chioro (Saúde): dia 13, Tereza Campello (Desenvolvimento Social); dia 20, Renato Janine Ribeiro (Educação); e dia 27, José Eduardo Cardozo (Justiça). Sempre às 11h, com inscrição prévia via plataforma.

Ao final dessa etapa, em 31 de outubro, o site terá posto a apreciação pública 80 programas situados em 14 temas.

Em cada um dos 80 programas serão destacadas as três propostas com maior adesão dentro da plataforma, que por sua vez serão apresentadas às respectivas áreas governamentais para que sejam encaminhadas respostas a cada uma delas.

Ichiro Guerra/PR/Fotos Públicas
Ministros Tereza Campello, José Eduardo Cardozo (esq), Renato Janine e Arthur Chioro (dir): bate-papo com internautas em agosto