Livro

‘Dano Colateral’ aborda efeitos da atuação dos militares na segurança pública

Natalia Viana, da Agência Pública, destaca em livro a “pmização” das Forças Armadas e a falta de transparência em relação à atuação dos militares nas operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLOs)

Fernando Frazão/Agência Brasil
Fernando Frazão/Agência Brasil
Apesar de mal sucedidas em sua maioria, operações militares serviram para comandantes acumularem prestigio e influenciarem a política

São Paulo – A jornalista Natalia Viana, diretora executiva da Agência Pública, acaba de lançar o livro Dano Colateral: a intervenção dos militares na segurança pública. A obra analisa como integrantes das Forças Armadas utilizaram operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLOs) para acumular prestígio e poder político. A autora aborda a trajetória recente, que vai desde a atuação dos brasileiros na Missão de Paz do ONU no Haiti à participação desses mesmos militares no governo Bolsonaro.

Para a autora, esse desvio de função provocou o que ela chama de “pmização” das Forças Armadas. Ela analisou 35 Inquéritos Policiais Militares (IPM) sobre ações envolvendo militares que resultaram na morte de civis. Em todos os casos há uma atuação-padrão dos comandantes no sentido de criminalizar as vítimas, acobertando a participação dos militares.

Nesse sentido, o ponto de partida do livro foi o episódio ocorrido em abril de 2019, no Rio de Janeiro, quando militares do Exército dispararam mais de 80 tiros contra o músico Evaldo Rosa. Um catador de material reciclável, Luciano Macedo, que tentou ajudar Evaldo, também morreu. Nesse caso, o IPM apontou apenas para o descumprimento de regras de engajamento, praticamente isentando soldados e oficiais. Após sucessivos adiamentos, um novo julgamento foi marcado para setembro, quando os envolvidos serão julgados pela Justiça Militar.

“O caso Evaldo é um caso clássico. Se você acompanha o julgamento, eles não conseguiram criminalizar o Evaldo, mas estão criminalizando o Luciano de maneira assustadora”, disse Natalia, em entrevista a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual, nesta segunda-feira (2). “O que é o mais importante é a ausência de reconhecimento de erros, nem a busca por aprimoramento. Isso não há. Há um acobertamento, uma tentativa de não punir seus membros, quando o caso é politicamente relevante”.

O Haiti é aqui

A militarização da segurança pública ganhou impulso após a participação dos militares no Haiti. A missão, sob comando brasileiro, permaneceu por 13 anos, sob pretexto de pacificar o país após a deposição do então presidente Jean Bertrand Aristide, em 2004. Por lá, realizaram uma série de ações de combate contra grupos armados haitianos. A atuação dos brasileiros também foi motivo de denúncias. Uma dessas ações numa favela de Porto Príncipe, capital haitiana, teria resultado na morte de cerca de 70 haitianos, segundo ONGs locais.

Apesar dos resultados pouco efetivos, tanto do ponto de vista da segurança como da estabilidade política, os militares conseguiram vender a versão de que a intervenção teria sido bem-sucedida. A partir daí, começaram a acumular prestigio junto à imprensa tradicional. Eram chamados a opinarem sobre conflitos em outros países, como também em casos de violência urbana no Brasil.

“Obviamente, olhando a situação do país hoje, o Haiti continua absolutamente instável. Trata-se de um erro de origem. Não dá para impor a paz depois de um golpe de Estado. Ao mesmo tempo, os comandantes brasileiros que passaram pelo Haiti passaram a ter um super reconhecimento dentro do Exército, como também por outros setores da sociedade. Por exemplo, a imprensa”, destacou Natalia.

Temer, Bolsonaro e os militares

A partir de 2010, os militares foram chamados a ocupar o Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Desde então, sucessivas GLOs ocorreram, culminando com a intervenção federal na segurança pública no estado fluminense, em 2019, durante o governo Temer. É justamente nesse momento que ocorre o fuzilamento de Evaldo.

Além disso, também foi Temer que nomeou o general Joaquim Silva e Luna como ministro da Defesa. Até então, o cargo, que havia sido criado após a redemocratização, fora ocupado apenas por civis. O general Sérgio Etchgoyen também foi figura-chave nesse período, nomeado como ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), recriado por Temer. Natália destaca inclusive a participação dos militares em apoio ao impeachment da então presidenta Dilma Rousseff.

Mais adiante, em 2019, os militares assumiram diversos ministérios e outros postos de segundo escalão durante o governo Bolsonaro. A jornalista destaca que seis generais que passaram pelo Haiti – como Augusto Heleno e Santos Cruz – ocupam, ou chegaram a ocupar, cargos estratégicos no governo Bolsonaro.

Por outro lado, o atual ministro da Defesa, general Braga Netto, chefiou a intervenção no Rio de Janeiro. Ele voltou aos holofotes, recentemente, após ameaças à CPI da Covid, e por colocar em xeque a realização das próximas eleições, caso o Congresso não viesse a aprovar o voto impresso. “Infelizmente, os gestos que estamos vendo são um eco do passado autoritário. Ameaçar outros poderes não é uma atitude republicana”, frisou Natalia.

Assista à entrevista

Redação: Tiago Pereira