Oriente Médio

Síria assina tratado contra armas químicas e Putin fala em ‘intenção séria’

País árabe integrou convenção da ONU que prevê destruição de todos os artefatos militares desse tipo no país

Maxim Shemetov/EFE

Para o presidente russo, assinatura de tratado internacional demonstra boas intenções da Síria

São Paulo – O presidente da Rússia, Vladimir Putin, elogiou hoje (13) a Síria por anunciar a adesão ao tratado internacional contra armas químicas, afirmando que a medida mostra a disposição de Damasco para resolver o conflito no país. O embaixador sírio na ONU, Bashar Já’afari, anunciou na noite anterior a adesão plena do seu país ao acordo, datado de 1997.

Participando no Quirguistão de uma cúpula da Organização da Cooperação de Xangai, Putin – principal aliado do governo sírio no cenário internacional – disse que a adesão síria ao tratado é “um passo importante rumo à solução da crise síria, isso confirma a intenção séria dos nossos parceiros sírios em seguir esse caminho”.

“Legalmente falando, a Síria se tornou, a partir de hoje, um membro pleno da convenção [Convenção para Proibição do Desenvolvimento, Produção, Armazenamento, Uso de Armas Químicas e sua Destruição]”, disse o embaixador sírio na ONU, Bashar Já’afari, a repórteres em Nova York, após a apresentação de documentos relevantes para a organização. Segundo o embaixador, Assad assinou um documento declarando que a “Síria aprova integrar” o acordo.

A ONU confirmou a adesão da Síria e o porta-voz da entidade, Farhan Haq, disse que o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, aprovou a decisão. “Dados os recentes eventos, ele (Ban Ki-moon) espera que as conversas em Genebra levem a um rápido acordo de qual caminho a seguir, que será apoiado pela comunidade internacional”.

A Síria era um dos sete países que não aderiram à Convenção de Armas Químicas de 1997, que obriga os membros a destruir completamente seus estoques.

A medida estava prevista em uma proposta russa que coloca o arsenal químico sírio sob controle internacional, poupando assim o país de uma ação militar internacional liderada pelos Estados Unidos. Os norte-americanos afirmam que a intervenção seria uma represália pelo suposto ataque com gás sarin em 21 de agosto, a quem acusam o governo – Damasco nega essa versão dos fatos e culpa a oposição pelo ataque.

Prazo

Assad disse, em entrevista a uma emissora russa, que vai colocar o arsenal químico de seu país sob controle internacional após um mês da assinatura do acordo e que, para isso, os EUA devem parar de ameaçar realizar uma ação militar. “Esse é um processo de duas mãos e nós estamos contando, primeiro de tudo, com a interrupção da política americana de lançar ameaças contra a Síria”.

O presidente sírio reconheceu ter o arsenal proibido e disse que a adesão da Síria à proposta russa de inspeção internacional de suas reservas de gases venenosos se deve à aliança estratégica com Moscou, e não à ameaça de um ataque militar norte-americano. “A Síria está colocando suas armas químicas sob controle internacional por influência da Rússia. As ameaças americanas não influenciaram nessa decisão”, disse Assad, citado pela agência estatal Interfax.

Desconfiança

O governo dos EUA, porém, rejeitou o prazo de 30 dias pedido por ele para começar a desmantelar seu arsenal, dizendo que promessas não são suficientes. Kerry questionou a credibilidade de Assad e rejeitou o prazo de 30 dias para que os documentos de adesão sejam processados. “Não há nada padrão sobre esse processo justamente pela maneira que o regime está se comportando”, disse.

“Isso não é um jogo”, alertou John Kerry, secretário de Estado norte-americano, que pede “provas do compromisso de Damasco” e uma permissão ao uso de força caso Assad viole suas promessas. O chanceler norte-americano insistiu que, se as armas químicas não forem destruídas, uma intervenção militar ocorrerá.

Na quinta-feira, Kerry e o chanceler russo Sergei Lavrov iniciaram negociações em Genebra para estabelecer um mecanismo que garanta a retirada e a destruição das armas de forma rápida – com possíveis sanções caso Damasco não siga os planos.

A pausa para a diplomacia feita por Barack Obama, porém, deixou o cenário aberto para que Vladimir Putin assumisse o protagonismo. Foi dele a iniciativa do encontro e é do Kremlin a proposta que está pautando a agenda internacional – formalizada após uma sugestão aparentemente involuntária de Kerry.

O que colocou Lavrov e Kerry em lados opostos já nas primeiras horas de debate foi justamente o que deveria ser feito contra Assad se Damasco ignorasse o acordo ou suas próprias palavras. “Deve haver consequências se os compromissos forem violados”, disse Kerry. “Queremos uma solução pacífica. Mas se a via diplomática não funcionar, poderemos ter de usar a força”, completou. Para os russos, Assad não entregará suas armas enquanto houver uma ameaça militar contra ele.

Durante as negociações, os norte-americanos tentarão testar se o plano de Moscou e o anúncio de Damasco são reais. Um dos testes seria ver a reação de Assad diante do controle imediato dos estoques. Isso impediria que ele voltasse a usar as armas.

Não são apenas os americanos que têm dúvidas. nesta quinta, o chanceler britânico, William Hague, alertou que o plano russo teria de ser tratado “com cautela”. Entre os rebeldes sírios, a proposta também foi rejeitada. O general Salim Idriss, que comanda o Exército Sírio Livre, criticou o plano e pediu que os autores dos ataques químicos sejam levados à Justiça.

Os norte-americanos acreditam que não será fácil recuperar os arsenais em um país em guerra civil. Especialistas militares de ambos os lados comparam dados e tentam mensurar o tamanho do arsenal químico de Assad – o Pentágono estimar seja 1,4 mil toneladas de agentes.

Embora as negociações avançassem em Genebra, Kerry deixou claro que os militares americanos continuariam a se posicionar próximos à Síria. Na quarta-feira, o Washington Post revelou como serviços americanos fizeram as primeiras entregas de armas leves e munições aos rebeldes. O fornecimento teria começado logo depois dos ataques químicos do dia 21. CIA e rebeldes negam a informação. Mas a iniciativa foi interpretada pelos russos como uma mensagem de que Washington mantém seu plano militar.

Os russos não demoraram para responder e nesta quinta-feira iniciaram o maior deslocamento naval desde os tempos soviéticos no Mediterrâneo. O navio Smetlivy deixou a base de Sebastopol, na Ucrânia, na direção da Síria, acompanhado por outras embarcações de guerra. Outro navio que estava no Mar Negro também iniciou sua viagem para a costa síria. Hoje, os russos têm 11 navios no leste do Mediterrâneo, contra cinco dos EUA.