Tradição e contradição

Rei Charles III é coroado em Londres após o longevo reinado de Elizabeth II

Depois de 70 anos, trono britânico tem novo ocupante. Charles III e Camilla foram coroados nesta manhã. Convidado ao evento, Lula aproveitou agenda para expandir retomada de relações externas do Brasil

Ian Jones/Foreign Commonwealth & Development Office
Ian Jones/Foreign Commonwealth & Development Office
Rei Charles III foi o 40º monarca coroado na abadia de Westminster, em Londres. Lula foi recebido ontem com Janja no Palácio de Buckingham

São Paulo – O rei Charles III, do Reino Unido, foi coroado na manhã de hoje (6). Trata-se da primeira cerimônia de coroação britânica em 70 anos, período em que Elizabeth II, sua mãe, permaneceu no trono que representa os 56 países independentes da Commonwealth. Mesmo com a relativa baixa popularidade do novo rei da linhagem da Casa de Windsor, o governo não economizou para aliar um cerimonial que remonta mais de mil anos com mudanças sociais recentes.

Os custos dos três dias de festas da coroação de Charles III são estimados em R$ 1,5 bilhão. Chefes de Estado de todo o mundo acompanharam o evento, entre eles o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a primeira-dama Rosângela Silva, a Janja.

A monarquia britânica demonstrou esforço na modernização dos ritos. Pela primeira vez, a cerimônia contou com diversidade: mulheres ativas no processo, ritos em gaulês (idioma falado no País de Gales) e coral góspel, que representa presença de membros de diferentes religiões. Além disso, Charles III exigiu que todos os objetos utilizados durante o processo fossem veganos. As temáticas animal e ambiental são caras ao monarca.

Tudo isso, contudo, não apaga o trabalho que o monarca terá de desenvolver em relação a sua popularidade. De acordo com o instituto inglês YouGov, o soberano é admirado por 55% dos britânicos, patamar inferior ao de sua mãe, de seu filho e sucessor, príncipe William de Gales, e da princesa de Gales e duquesa de Cambridge, Kate Middleton, mulher de William.

Joias da coroa

coroação charles III
Coroação do rei Charles III. Foto: UK Government

Charles III recebeu os símbolos da coroa britânica em um trono datado de 1308. Entre eles, espadas e cetros, jóias da coroa ornados com pedras preciosas frutos de antigas apropriações das colônias. Algumas delas, inclusive, são reivindicadas por governos atuais. A África do Sul, por exemplo, reivindica um diamante que enfeita um cetro. Já a Índia reclama um grande rubi presente na coroa de dois quilos de ouro maciço. O monarca é o 40º a assumir o trono na abadia de Westminster, utilizada com esta finalidade desde 1066.

Por um lado, a coroa britânica tem sua história manchada com o sangue do processo de colonização e escravização. Já os 52% dos cidadãos do reino unido que apoiam a monarquia defendem a relevância da tradição. Trata-se, acima de tudo, de estabilidade. Após o longevo reinado de Elizabeth II, Charles III assume o trono que já tem certos os próximos ocupantes. Serão William e, depois, seu primogênito, principe George, de 9 anos. Os herdeiros acompanharam de perto a coroação do rei idoso, que já ostenta 74 anos.

Deveres do rei Charles III

Ao lado de Charles III, também foi coroada a rainha consorte, Camilla Parker. Ela recebeu a coroa concebida para a rainha Mary, em 1911, além de outras joias da coroa. Também acrescentaram dois diamantes utilizados por Elizabeth II no ornamento real. A questão da rainha consorte também impacta na imagem de Charles III, particularmente entre os britânicos mais conservadores. Isso porque o rei é divorciado. Quando príncipe, ele se separou da princesa Diana – que ostentava grande popularidade – para casar com Camilla.

Ao pensar na história dos monarcas ingleses, são comuns as histórias de abusos e traições na família real. É possível citar o exemplo emblemático do rei Henrique VIII, fundador da igreja Anglicana no século 16. O rei da dinastia Tudor casou por seis vezes. No rol de suas esposas está Ana Bolena, motivo de canções de toda ordem, após ser decapitada em 1536 a mando do rei.

Contudo, com a separação da igreja e do Estado, a partir de 1648, com o Tratado de Vestfália, aos poucos a monarquia foi perdendo o poder soberano de agir de acordo com suas vontades mais violentas. Já a Revolução Gloriosa encerrou, em 1689, a influência real no Parlamento e “coroou” o povo burguês como soberano.

Mais recentemente, já no século 20, até mesmo a blindagem do poder real foi encerrado a partir do fim da ideologia jurídica de que o rei não erra (the king can do no wrong). Ao contrário. Hoje, deveres e responsabilidades de imagens regem o comportamento real. Seus poderes totalmente limitados, meramente simbólicos.

A coroa e o Brasil

Então, a principal função atual da coroa inglesa é de representar a identidade nacional. Também é importante pensar na influência exercida de forma sutil (soft power) nas relações internacionais. Charles III possui interesse particular na questão da preservação da Amazônia. Dito isso, é possível a coroação tenha influenciado no acordo traçado ontem (5) entre o presidente Lula e o primeiro-ministro inglês, Rishi Sunak, para o ingresso do país no Fundo Amazônia. Lula assistiu à coroação ao lado do presidente francês Emmanuel Macron.

Ontem, Lula encontrou com o rei no Palácio de Buckingham após a reunião com Sunak. Na agenda, o presidente reforçou a retomada das relações do Brasil com o mundo. Ele obteve do Reino Unido compromisso de aporte de recursos no fundo de proteção da Amazônia. Sunak disse que Lula “tem demonstrado grande liderança no tema das mudanças climáticas” e se disse “satisfeito” em investir 80 milhões de libras (R$ 500 milhões) no fundo, para “proteger a biodiversidade e deter o desmatamento”. Também entrou na pauta de diálogo a busca pela paz entre Rússia e Ucrânia.