modelo autoritário

Aprovação de mais de 80% de Bukele em El Salvador é atípica em democracias, diz analista

Segundo o professor Tomaz Paoliello, da PUC-SP, Nayib Bukele é reeleito surfando na onda da redução artificial da criminalidade, à custa do encarceramento em massa sem o devido processo legal, o que só é possível em um regime autoritário

PresidenciaSV/Wikimedia Commons
PresidenciaSV/Wikimedia Commons
A própria reeleição de Bukele só foi possível com manobras autoritárias. A Constituição veta o segundo mandato

São Paulo – O presidente de El Salvador, Nayib Bukele, do partido populista de direita Novas Ideias, reelegeu-se com mais de 1,5 milhão de votos em eleição no domingo (4). O segundo colocado, Manuel Flores, candidato da FLMN, obteve apenas 110 mil. O êxito nas urnas confirmou resultados de pesquisas eleitorais. Uma popularidade que muitos atribuem ao sucesso de suas políticas que supostamente teriam reduzido a violência.

Em março de 2022, um confronto entre duas das principais gangues do país deixou 87 mortos. Em resposta, Bukele declarou estado de exceção e suspendeu a liberdade de reunião e a inviolabilidade de correspondências e comunicações. Além disso, autorizou prisões sem ordem judicial, que são mantidas sem julgamento. No ano seguinte, construiu uma megaprisão com capacidade para 40 mil pessoas. O país passou então a deter a maior taxa populacional carcerária do mundo.

Com as garantias de direitos suspensas, de lá para cá chegou a prender mais de 75 mil pessoas, a maioria homens jovens, sem seguir o devido processo legal. “Foram encarcerando em massa, inclusive até quem não era da gangue. Até porque não foi feita investigação alguma. O que narram pessoas que viram é que passaram por bairros inteiros prendendo especialmente homens jovens, que são muito associados a atuação em gangues. Estão presos e não foram nem julgados. Prisões ilegais. Chocante”, disse à RBA o professor Tomaz Paoliello, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.

Autoritarismo se retroalimenta em El Salvador

“Ouvi em um programa de entrevistas do New York Times uma mãe contando que o filho, que não é de gangue, foi preso. Mesmo assim ela apoia o governo. Disse que o filho é um dano colateral. Veja que a população, quando colocada diante dessa escolha, que é falsa, entre a liberdade e os direitos, a ordem social e a violência, ela opta em sacrificar um em benefício do outro”, disse o professor, dando uma dimensão do impacto da medida de Bukele sobre a população.

Segundo lembrou, a violência é um problema comum na maior parte dos países da América Latina, inclusive no Brasil, com os brasileiros cada vez mais preocupados com a questão da segurança. E no caso de El Salvador, as gangues eram o termômetro. Enjauladas agora junto com outros suspeitos de causar distúrbios, a situação aparentemente estaria controlada.

Uma das prisões questionadas por órgãos de Direitos Humanos da América Latina. Foto: Reprodução BBC

Paoliello, que é professor de Relações Internacionais da PUC e pesquisa governança da segurança e seus impactos para a segurança urbana, chama atenção para outro aspecto: a reeleição de Bukele não teria sido possível sem o autoritarismo que ele alimenta. Isso porque a Constituição não permite a recondução do presidente para um segundo mandato. Porém, a Assembleia Legislativa, de maioria pró-Bukele, destituiu em 2021 o procurador-geral e cinco juízes da Câmara Constitucional do Supremo Tribunal. Com isso, ele nomeou substitutos que permitiram sua candidatura, desde que se licenciasse antes do período eleitoral.

“Com a virada autoritária em El salvador é difícil a gente dar certeza (da lisura) do resultado da eleição, da contagem, que está sendo bem questionado. A gente não sabe ao certo o quanto as pessoas estão bem informadas a respeito. O país tem reprimido jornalistas, principalmente opositores, dificultado ações de organizações internacionais que atuam ali. Então tudo é preciso ser visto com muito cuidado quando se trata de ‘dados democráticos’, digamos assim, de El Salvador”, disse Paoliello.

Para ele, causa estranheza. “Um governo com 80 e poucos por cento de aprovação, confirmada nas urnas, é muito atípico em democracias que estão funcionando bem. Mesmo casos que a gente vê governos super bem avaliados pela população, a gente vê resultados de 60%, um pouco mais um pouco menos. É como a gente viu no caso do segundo mandato do presidente Lula no Brasil. Mais do que isso a gente tem de olhar com certa desconfiança. Já é um indício de corrompimento da democracia”, destacou.

Bukele não deverá influenciar, mas servir de farol

Apesar de ter feito a festa da extrema-direita no Brasil e nos países vizinhos, com ativistas defendendo a adoção das medidas salvadorenhas, Bukele não deverá exercer muita influência, segundo o professor. Isso porque El salvador é um país é pequeno, inserido em um contexto bem diferente, principalmente do brasileiro, no qual o crime é mais organizado, empresarial, ligado a redes transnacionais.

“É importante diferenciar crime de violência. Em El Salvador os principais problemas são as gangues que dominam as ruas de determinados bairros, a delinquência urbana. Já o que causa mais violência, como no Brasil, é confronto entre grupos armados, principalmente do crime, que causa muitas mortes e confrontos com a policia.”

No entanto, acredita, Bukele deverá permanecer como um farol dessa nova direita. “Um exemplo bem sucedido para a direita bolsonarista, mas no discurso. Na prática dificilmente se reproduza um movimento político associado a um contexto muito especifico de país pequeno”, disse.


Parte de uma política autoritária de combate às gangues, o megapresídio criado pelo governo de Nayib Bukele é considerado o maior do continente. Não é permitido acesso a jornalistas, nem advogados, razão pela qual é criticado por entidades de direitos humanos. Assista: