‘Cotas abrem portas’: movimentos e parlamentares celebram ampliação da lei, com inclusão de quilombolas
Projeto aprovado no Senado aprimora a política de cotas para ingresso na rede de ensino federal e prevê políticas de inclusão na pós-graduação. Já aprovado pela Câmara, texto segue para sanção presidencial
Publicado 25/10/2023 - 12h56
São Paulo – Parlamentares de vários partidos e movimentos estudantis e sociais comemoraram a aprovação do Projeto de Lei (PL) 5.384/2020, que aprimora e amplia a política de cotas para ingresso na rede de ensino federal. A avaliação de apoiadores é que as cotas “abrem portas” e são uma garantia para um país mais justo.
O texto aprovado na noite de ontem (24) pelo Senado manteve a versão integral da proposta aprovada na Câmara, em agosto. De autoria da deputada Maria do Rosário (PT-RS), o PL prevê, entre outras mudanças, que os candidatos cotistas passarão a concorrer também nas vagas em geral. Caso não alcancem a nota para ingresso, eles poderão concorrer às vagas reservadas.
A medida altera também a Lei de Cotas (12.711 de 2012), que reserva no mínimo 50% das vagas em universidades e institutos federais para pessoas que cursaram todo o ensino médio em escolas públicas. Pela norma, a distribuição racial das vagas ocorre dentro desse percentual, de forma que um aluno negro que estudou o ensino médio em escola particular não é beneficiado. O texto aprovado pelo Legislativo também altera a renda familiar máxima para alunos oriundos de escola pública. Atualmente, metade de todas as vagas é assegurada às famílias que ganham até 1,5 salário mínimo por pessoa.
Mudanças aprovadas
Com a nova proposta, a renda familiar máxima permitida será de 1 salário mínimo, o que corresponde a R$ 1.320 por pessoa. De acordo com o relator do texto, senador Paulo Paim (PT-RS), a alteração “assegura mais vagas para pessoas mais pobres. O que se coaduna com os objetivos constitucionais de redução da pobreza e da desigualdade”.
O processo seletivo também deverá observar a proporção de indígenas, negros, pardos e pessoas com deficiência, a partir de dados do IBGE. O novo texto também prevê a inclusão de quilombolas entre os beneficiados com a cota. O texto destaca ainda a atualização da metodologia para calcular os percentuais de pretos, pardos, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência em relação à população de cada estado, em até três anos da divulgação pelo IBGE, dos resultados do Censo.
Os cotistas também terão prioridade no recebimento de auxílio estudantil. A ampliação da Lei de Cotas ainda inclui os programas de pós-graduação das universidades. As instituições federais de ensino superior deverão promover políticas de inclusão de pretos, pardos, indígenas e quilombolas, além de pessoas com deficiência.
Lula sancionará o projeto
“Isso significa fazer um Brasil melhor, porque a gente está querendo fazer um Brasil sem racismo. Para isso as pessoas negras, indígenas, com deficiência que sofrem muita discriminação e não têm oportunidades, elas precisam chegar às universidades e acessar as profissões mais valorizadas socialmente, economicamente. Assim é que vamos resgatar um país que começou todo errado com a escravização humana”, destacou a autora do PL, Maria do Rosário. Ao celebrar a aprovação, a parlamentar dedicou o projeto “a cada mãe e avó preta, indígena que lutou para colocar o filho e neto na escola, que acompanha, cobra nota, vê o caderno” e aos professores dessas crianças.
Uma vitória emocionante e uma conquista muito importante! A aprovação da Lei de Cotas é a garantia ao estudo e ao acesso às universidades e institutos federais para todos e todas, com justiça social e igualdade! Muito obrigada, do fundo do coração, a todos que abraçaram nosso… pic.twitter.com/ViVUVuFvdu
— Maria do Rosário (@mariadorosario) October 25, 2023
“Eu sou uma professora da educação básica, então eu penso que as crianças da educação básica das escolas públicas vão olhar para o seu futuro com uma oportunidade garantida. Isso começou com a Dilma (Rousseff) e agora teremos permanentemente”, acrescentou a deputada. O texto vai agora para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que também deve dar aval ao projeto. O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, adiantou em suas redes que a aprovação do projeto “foi uma grande vitória”.
“Todos nós sabemos que isso muda a geração de uma família. Eu nunca me esqueço de quando entrei na Faculdade de Medicina da Unicamp. Dos quase 100 alunos da minha turma, apenas dois eram negros e apenas 10 tinham feito escola pública. Hoje eu volto para a Unicamp, colaboro inclusive com o programa de pós-graduação, e o que a gente vê é a Faculdade de Medicina com mais de 30% dos seus alunos negros na entrada, mais de 70% vindo de escola pública, estudantes indígenas, vestibular indígena… existe uma transformação profunda. (…) Agora vem a sanção pelo presidente Lula, vai ser um dia histórico”, afirmou Padilha.
Discussão
Ao manter o texto aprovado pela Câmara, Paim rejeitou oito emendas apresentadas em Plenário. De acordo com o senador, qualquer alteração faria com que a proposta retornasse aos deputados, e a nova política de cotas não poderia ser aplicada pelo Ministério da Educação a partir de 1º de janeiro de 2024. A atualização do texto ocorre com um ano de atraso em relação ao originalmente previsto na lei.
Os senadores também rejeitaram requerimento de Carlos Portinho (PL-RJ) para que uma emenda de Flávio Bolsonaro (PL-SP) tivesse preferência. A medida negada modificava integralmente a proposta, pois mantinha a renda per capital igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita. Mas retirava a exigência de que os estudantes tivessem cursado integralmente o ensino médio em escola pública. Além disso, a emenda também excluía a reserva de vagas para pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência.
Ao todo, três senadores bolsonaristas foram contrários ao aprimoramento da Lei de Cotas. Além de Flávio Bolsonaro, Magno Malta (PL-ES) e Rogério Marinho (PL-RN) votaram contra o PL 5.384. Assim como Cleitinho (Republicanos-MG) e Eduardo Girão (Novo-CE). A recusa ficou restrita à ala bolsonarista. Até mesmo parlamentares do Podemos e PSD votaram em favor do texto. “Os resultados das cotas são bons e o país conseguiu trazer para o ensino superior pessoas que não tiveram ao longo da vida oportunidades que os demais tiveram”, afirmou o senador Carlos Viana (Podemos-MG).
“O que são 10 anos da Lei de Cotas (quando comparados) a 300 anos de escravidão. Dez anos não são suficientes para compensar o que essa população sofreu”, acrescentou Zenaide Maia (PSD-RN).
Confira mais repercussões:
Na noite de ontem, o plenário do Senado aprovou a prorrogação da política de cotas no ensino federal até 2033. Num país tão desigual como o Brasil, as cotas garantem o acesso à educação à parcela mais pobre da população, o que inclui negros, indígenas e pessoas com deficiência.… pic.twitter.com/IVVrht5Eum
— Jandira Feghali 🇧🇷🚩 (@jandira_feghali) October 25, 2023
Vitória! Acaba de ser aprovado no Senado a renovação e ampliação da lei de cotas. Cotas ñ são esmolas, ñ é vitimismo, mto menos uma forma de concorrência desleal. É uma maneira justa de democratizar oportunidades para aqueles q sofreram e seguem sofrendo com a discriminação (1/3) pic.twitter.com/coVhZjo0cu
— Glauber Braga (@Glauber_Braga) October 25, 2023
Assim como a própria criação da Lei de Cotas, em 2012, a aprovação, ontem, no Senado, do projeto que reformula e amplia a lei, foi um marco, com a inclusão da população quilombola e as políticas de inclusão também na pós-graduação.
— Guilherme Boulos (@GuilhermeBoulos) October 25, 2023
A aprovação veio em ótima hora! Nos últimos…
Extremamente emocionada com a aprovação da revisão da Lei de Cotas no Senado. Queria agradecer ao trabalho incansável da nossa Secretaria da Ações Afirmativas e Combate ao Racismo e a Assessoria Parlamentar do @igualracial_gov e aos parceiros incansáveis @paulopaim e @todandara. pic.twitter.com/G2uKzhUjTb
— Anielle Franco (@aniellefranco) October 25, 2023
Redação: Clara Assunção
(*) Com informações da Agência Senado