Reparação histórica

‘Cotas abrem portas’: movimentos e parlamentares celebram ampliação da lei, com inclusão de quilombolas

Projeto aprovado no Senado aprimora a política de cotas para ingresso na rede de ensino federal e prevê políticas de inclusão na pós-graduação. Já aprovado pela Câmara, texto segue para sanção presidencial

Marcos Oliveira/Agência Senado
Marcos Oliveira/Agência Senado
O ministro das Relações Institucionais Alexandre Padilha já adiantou que o presidente Lula deve sancionar a nova Lei de Cotas. "Será um dia histórico"

São Paulo – Parlamentares de vários partidos e movimentos estudantis e sociais comemoraram a aprovação do Projeto de Lei (PL) 5.384/2020, que aprimora e amplia a política de cotas para ingresso na rede de ensino federal. A avaliação de apoiadores é que as cotas “abrem portas” e são uma garantia para um país mais justo.

O texto aprovado na noite de ontem (24) pelo Senado manteve a versão integral da proposta aprovada na Câmara, em agosto. De autoria da deputada Maria do Rosário (PT-RS), o PL prevê, entre outras mudanças, que os candidatos cotistas passarão a concorrer também nas vagas em geral. Caso não alcancem a nota para ingresso, eles poderão concorrer às vagas reservadas.

A medida altera também a Lei de Cotas (12.711 de 2012), que reserva no mínimo 50% das vagas em universidades e institutos federais para pessoas que cursaram todo o ensino médio em escolas públicas. Pela norma, a distribuição racial das vagas ocorre dentro desse percentual, de forma que um aluno negro que estudou o ensino médio em escola particular não é beneficiado. O texto aprovado pelo Legislativo também altera a renda familiar máxima para alunos oriundos de escola pública. Atualmente, metade de todas as vagas é assegurada às famílias que ganham até 1,5 salário mínimo por pessoa.

Mudanças aprovadas

Com a nova proposta, a renda familiar máxima permitida será de 1 salário mínimo, o que corresponde a R$ 1.320 por pessoa. De acordo com o relator do texto, senador Paulo Paim (PT-RS), a alteração “assegura mais vagas para pessoas mais pobres. O que se coaduna com os objetivos constitucionais de redução da pobreza e da desigualdade”.

O processo seletivo também deverá observar a proporção de indígenas, negros, pardos e pessoas com deficiência, a partir de dados do IBGE. O novo texto também prevê a inclusão de quilombolas entre os beneficiados com a cota. O texto destaca ainda a atualização da metodologia para calcular os percentuais de pretos, pardos, indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência em relação à população de cada estado, em até três anos da divulgação pelo IBGE, dos resultados do Censo.

Os cotistas também terão prioridade no recebimento de auxílio estudantil. A ampliação da Lei de Cotas ainda inclui os programas de pós-graduação das universidades. As instituições federais de ensino superior deverão promover políticas de inclusão de pretos, pardos, indígenas e quilombolas, além de pessoas com deficiência.

Lula sancionará o projeto

“Isso significa fazer um Brasil melhor, porque a gente está querendo fazer um Brasil sem racismo. Para isso as pessoas negras, indígenas, com deficiência que sofrem muita discriminação e não têm oportunidades, elas precisam chegar às universidades e acessar as profissões mais valorizadas socialmente, economicamente. Assim é que vamos resgatar um país que começou todo errado com a escravização humana”, destacou a autora do PL, Maria do Rosário. Ao celebrar a aprovação, a parlamentar dedicou o projeto “a cada mãe e avó preta, indígena que lutou para colocar o filho e neto na escola, que acompanha, cobra nota, vê o caderno” e aos professores dessas crianças.

“Eu sou uma professora da educação básica, então eu penso que as crianças da educação básica das escolas públicas vão olhar para o seu futuro com uma oportunidade garantida. Isso começou com a Dilma (Rousseff) e agora teremos permanentemente”, acrescentou a deputada. O texto vai agora para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que também deve dar aval ao projeto. O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, adiantou em suas redes que a aprovação do projeto “foi uma grande vitória”.

“Todos nós sabemos que isso muda a geração de uma família. Eu nunca me esqueço de quando entrei na Faculdade de Medicina da Unicamp. Dos quase 100 alunos da minha turma, apenas dois eram negros e apenas 10 tinham feito escola pública. Hoje eu volto para a Unicamp, colaboro inclusive com o programa de pós-graduação, e o que a gente vê é a Faculdade de Medicina com mais de 30% dos seus alunos negros na entrada, mais de 70% vindo de escola pública, estudantes indígenas, vestibular indígena… existe uma transformação profunda. (…) Agora vem a sanção pelo presidente Lula, vai ser um dia histórico”, afirmou Padilha.

Discussão

Ao manter o texto aprovado pela Câmara, Paim rejeitou oito emendas apresentadas em Plenário. De acordo com o senador, qualquer alteração faria com que a proposta retornasse aos deputados, e a nova política de cotas não poderia ser aplicada pelo Ministério da Educação a partir de 1º de janeiro de 2024. A atualização do texto ocorre com um ano de atraso em relação ao originalmente previsto na lei.

Os senadores também rejeitaram requerimento de Carlos Portinho (PL-RJ) para que uma emenda de Flávio Bolsonaro (PL-SP) tivesse preferência. A medida negada modificava integralmente a proposta, pois mantinha a renda per capital igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita. Mas retirava a exigência de que os estudantes tivessem cursado integralmente o ensino médio em escola pública. Além disso, a emenda também excluía a reserva de vagas para pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência.

Ao todo, três senadores bolsonaristas foram contrários ao aprimoramento da Lei de Cotas. Além de Flávio Bolsonaro, Magno Malta (PL-ES) e Rogério Marinho (PL-RN) votaram contra o PL 5.384. Assim como Cleitinho (Republicanos-MG) e Eduardo Girão (Novo-CE). A recusa ficou restrita à ala bolsonarista. Até mesmo parlamentares do Podemos e PSD votaram em favor do texto. “Os resultados das cotas são bons e o país conseguiu trazer para o ensino superior pessoas que não tiveram ao longo da vida oportunidades que os demais tiveram”, afirmou o senador Carlos Viana (Podemos-MG).

“O que são 10 anos da Lei de Cotas (quando comparados) a 300 anos de escravidão. Dez anos não são suficientes para compensar o que essa população sofreu”, acrescentou Zenaide Maia (PSD-RN).

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Redação: Clara Assunção
(*) Com informações da Agência Senado