Desafios seguem

Raiz dos problemas, racismo explica bolsonarismo, diz Silvio Almeida. ‘Bolsonaro é um sintoma’

Cotado para assumir o Ministério dos Direitos Humanos do governo Lula, Silvio Almeida foi o entrevistado desta quinta de Juca Kfouri, na TVT. O professor, advogado, filósofo e um dos principais pensadores sobre o racismo estrutural destacou as conquistas e o desafios do movimento negro

TVT/YouTUbe/Reprodução
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"O que precisamos fazer é plantar as sementes para o futuro e também arrancar, eu diria, os elementos que tornaram possível o crescimento do bolsonarismo na sociedade brasileira", destaca o professor

São Paulo –  O racismo é a explicação para diversos fenômenos hoje presentes na sociedade brasileira, incluindo o próprio bolsonarismo, segundo destaca o professor, advogado e filósofo Silvio Luiz de Almeida ao jornalista Juca Kfouri, na edição desta quinta-feira (15) do programa Entre Vistas, da TVTUm dos grandes pensadores sobre a questão racial no Brasil, ele é autor de livros como Racismo Estrutural (Editora Jandaíra, 2019) e tem uma longa trajetória nos estudos sobre como as relações raciais estão interligadas na organização econômica, social e política de um país. 

Por conta disso, Silvio garante que a derrota do candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) ascendeu a esperança após quatro anos de um representante da extrema direita no poder. Mas os rastros deixados por esse governo preocupam, principalmente os caminhos que possibilitaram a ascensão do bolsonarismo na sociedade brasileira. 

Cotado para o Ministério dos Direitos Humanos do governo do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o professor garante ser um “sobrevivente”. “Porque nós não apenas estamos vivos, mas nós vimos muitos de nossos companheiros tombarem ao nosso lado, nós vimos a morte de perto. Então essa sensação que eu tenho, de que sou um sobrevivente. E ser um sobrevivente significa que você testemunhou o que há de pior, mas que também você pode contar essa história para que isso não mais ocorra. Então meu coração tem uma esperança, uma esperança de que podemos abrir um aceno para o futuro”, descreve ele.

Desafios no governo Lula

Silvio Almeida pondera, porém, que esse trabalho a ser feito “não vai se encerrar apenas nos próximos tempos”. “O que precisamos fazer é plantar as sementes para o futuro e também arrancar, eu diria, os elementos que tornaram possível o crescimento do bolsonarismo na sociedade brasileira. Estamos falando de um homem, Jair Bolsonaro, que por acaso dá nome a uma fenômeno que nós chamamos de bolsonarismo porque ele se tornou o maior símbolo disso. Só que eu posso dizer o seguinte, o Bolsonaro é um sintoma, ele não é a questão central”, ressalta. 

“Nós temos um país que tem problemas muitos sérios do ponto de vista estrutural e de sua constituição. Problemas que são reproduzidos no nosso cotidiano, na nossa vida política, econômica e aí é que está. Isso é muito importante dizer que temos um cenário internacional que tornou possível, que criou uma estufa a partir da qual o bolsonarismo pôde ganhar força e se alimentar”, acrescenta o professor. 

Apesar dos desafios vividos ao longo dos últimos quatro anos, Silvio Almeida avalia que houve avanços importantes do movimento negro. Por outro lado, ele admite que tal progresso ainda não foi suficiente. Sobretudo porque os feitos conquistados pelo movimento negro no último período ainda são muito frágeis. “A gente vai dizer que não houve avanços? Que a luta não deu resultados? Deu, claro que deu. Agora, foi suficiente? Nem de longe. E aí você coloca o elemento, ou seja, tanto não foram suficientes que quatro anos puderam colocar isso em risco”, observa.

Lei de Cotas

“Não conseguimos criar raízes institucionais para as transformações que nós fizemos. Então acho que os próximos quatro anos temos que pensar o seguinte: como podemos enraizar de maneira institucional essas conquistas que nós tivemos? Como a gente consegue proteger o povo brasileiro desse tipo de coisa? E essa pergunta que eu estou fazendo é uma pergunta que envolve pensar o que a gente pode fazer dentro do Brasil, mas depende também de uma resposta que o mundo vai dar a toda uma série de discussões que estamos observando na realidade internacional, no mundo todo”, adverte o especialista. 

Entre as conquistas do movimento negro brasileiro está a Lei de Cotas que completou 10 anos em agosto. A sobrevivência da legislação tem sido ameaçada nos últimos anos, ao lado de tantos outros direitos que se tornaram alvo do governo Bolsonaro. Silvio Almeida enxerga que mesmo com a eleição de Lula, a luta para manter viva a Lei de Cotas será necessária para que a população negra continue ocupando os espaços em que antes não podia estar. 

Uma luta de todos

“Acho muito curioso que, no momento em que a população negra, os jovens negros,  começam a entrar nas universidades por meio de programas de cotas, da universalização e facilitação do acesso às universidades públicas brasileiras, você tenha um processo de destruição das universidades”, afirma o professor. 

“Veja, não é só lutar pela política de cotas, é lutar pela universidade pública. É lutar para que a população negra tenha uma vida digna, mas lutar pela reconstrução dos serviços públicos de caráter universal para negros e para brancos. O sistema único de saúde e a universidade pública são fundamentais para nós. A nossa luta é pela universidade pública. Então lutar pela política de cotas é lutar também pela manutenção da universidade pública, universal, gratuita e para todo mundo. E quem luta pela política de cotas tem que lutar também pela qualidade e o financiamento da universidade pública. Não existe essa história de pensar que a luta antirracista é uma luta particular, ao passo que a luta pela melhoria, qualidade e construção e reconstrução dos serviços públicos são universais, na verdade não existe particular fora do universal e não existe universal sem particular”, garante ele. 

O programa Entre Vistas com Juca Kfouri vai ao ar todas às quintas, às 21h30, na TVT. A íntegra das edições anteriores está disponível no YouTube e também em formato de Podcast nas plataformas digitais. 

Assista ao programa completo 


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